[Maria do Rosário Pedreira]

Embora muita gente escreva e publique livros, continuo a pensar que o talento é a excepção, e não a regra. E, apesar de nem todos os livros que publico serem de autores inegavelmente talentosos, o que procuro é a excepção, o texto que há-de, como dizia o editor Michael Krüger de quem falei há dias, sobreviver ao autor. Hoje lemos ainda Kafka e Pessoa – que, na sua época, estavam talvez demasiado à frente para poderem ser entendidos... Mas também há os que publicam livros e estão, de certo modo, atrás do seu tempo. Contaram-me há uns dias que uma apresentadora de televisão com romances publicados perguntou a um senhor no seu programa qual era a capital da China. Quando este lhe respondeu Hong Kong (o que já de si é grave), ela afirmou logo a seguir: «Eu disse China, não disse Japão!» Foi, porém, na televisão que ouvi uma frase que só podia vir de um escritor. Numa série de documentários que a Maria João Guardão filmou em África, um deles foi dedicado ao meu autor-ministro caboverdiano Mário Lúcio Sousa, a quem pediram que regressasse à casa do Tarrafal onde tinha nascido. Chegando lá, reparou que esta se encontrava de novo ocupada e disse: «Ainda bem: uma casa de porta fechada é a morte de véspera.» Não se é escritor por acaso.