Cunha e Silva Filho


           Não sei se o leitor mais velho se lembra do personagem de um conto de Artur Azevedo (1865-1908), o Velho  Lima, funcionário público do final do Segundo Império, que, tendo adoecido gravemente, embora não tenha procurado a ajuda médica, permaneceu em casa durante nove dias, ou seja, a partir da véspera da Proclamação da República brasileira, acontecida em 15 de novembro de 1889.
       Lima morava no Engenho de Dentro, subúrbio da ex-Central do Brasil. O tom do conto é inteiramente farsesco e construído com extrema habilidade narrativa.
          Restabeleceu-se com simples “remédios caseiros,” graças aos cuidados de uma gorda mulata que há vinte anos lhe servia não só como cozinheira, mas também na cama. No dia 23 do citado mês, Lima saiu de casa, pegara o trem e fora trabalhar na sua repartição no Centro do Rio de Janeiro.
          Para resumir, Lima não tinha o costume de ler jornais, nem tampouco aquela com quem morava. A República tinha sido proclamada e, portanto, derrubado o Império. E o velho Lima ignorava a radical mudança do regime de governo do país.
       Durante a viagem, encontrou-se com o comendador Vidal, cumprimentando este pelo título. Ao responder a saudação, o velho Lima estranhou que Vidal o tivesse chamado de “cidadão.”
         A grande força caricaturesca do conto é esse diálogo com o Vidal e a permanência desse estado de quiproquó que se estabeleceu entre ele o Vidal. Lima passou a achar pelo avesso tudo que lhe respondia o companheiro de viagem de trem.
     Esta situação equívoca chega a um ponto em que o velho Lima passa a ver nos outros um comportamento de loucos. Enquanto tudo se invertia, Lima se mantinha convicto de que ainda vivia sob o regime imperial.
        Ninguém o conseguia demovê-lo dessa posição até o desenlace da narrativa, cuja derradeira cena hilariante fora a entrada na seção em que dava expediente. Perguntou ao continuo por que haviam retirado da parede o retrato de Dom Pedro II. O contínuo, de forma desrespeitosa e num “tom lentamente “desdenhoso,” lhe respondeu:
         “— Ora, cidadão, que fazia ali a figura de Pedro Banana?”(grifo meu)
        “—Pedro Banana! Repetiu raivoso o velho Lima.” E, sentando-se, pensou com tristeza:
       “—Não dou três anos para que isto seja República!
     Pelo visto, o velho Lima acertara, mas a um alto custo de três anos de risos e mofas por sua alienação.
      Pois, leitor, foi assim que, hoje, lendo manchetes de O Globo, constato, após algumas semanas mergulhado num projeto de um livro de memórias, que o país anda de ponta cabeça. O que vejo: violência descomunal no Rio de Janeiro e em outras partes do país, arrocho do governo federal contra o povo, situação caótica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, crescimento do desemprego, aumento de juros decretados pelo governo federal, ausência do Ministro da Fazenda para anunciar os escorchantes cortes em setores vitais ao desenvolvimento do país, educação, saúde, transporte, excetuado a  galinha  dos ovos de ouro do PT, a bolsa-família - maior curral eleitoral petista e, o que é pior, em ações tomadas pelo governo, no setor da economia, que recairão sobre os costados do brasileiro.
      Me pergunto: ainda não se tocaram as nossas autoridades que todos esses graves problemas que estamos atravessando foram provocados pelo desgoverno petista que nos enganou a todos, ocultando, por razões meramente eleitoreiras a fim de se manter no poder, que, nos bastidores do Palácio do Planalto estavam prestes a explodir todas essa bombas atiradas contra o Estado Brasileiro, com dois sucessivos epicentros de corrupção deslavada, o escândalo do Mensalão e o da Petrobrás além de outros que poderão surgir durante mais investigações da Operação Lava-Jato?
      Já avaliaram todos os bilhões de reais que deveriam estar no Erário Público e que foram sugados para os bolsos de políticos da situação e de dirigentes de estatais e empresários corruptos em conluio com políticos de partidos da base de sustentação do governo?
      E o povo nada faz. E a Justiça até quando fará justiça colocando na cadeia ladrões da República? O povo é como o brasileiro que não lê jornais, como o personagem do velho Lima de Artur Azevedo, como a sua serviçal e amásia.
      As raízes da nossa passividade vêm de longe, desde a Escravidão, pelo menos. Não imitemos o velho Lima, estejamos atentos aos fatos atuais, lendo, ouvindo, falando, escrevendo, agindo como cidadãos a quem a Presidente Dilma deve satisfações de seus atos e de seus erros. Não somos escravos, objeto comprado pelos poderosos do passado. Queremos liberdade, mudanças da lei da maioridade penal e outros pleitos necessários  ao bem-estar da sociedade.
    Não permitamos que o país se torne uma tragédia social, com a morte de inocentes em “cidades esfaqueadas” para usar um título de uma crônica de Arnaldo Bloch. Por falar em crônicas, a página de Opinião de O Globo de hoje, dia 23 de maio, estampa dois artigos sobre a violência, um do  cronista  Zuenir Ventura,  de resto, para ser exato,  uma crônica  magn[ifica,  o outro, de  título "A violência do teste de virgindade,” escrito a quatro mãos, de Maria Laura Canineu e Phelim Kine.

  O país precisa despertar os Velhos Limas para a realidade trágico-grotesca que nos angustia atualmente por todos os lados.