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FALECE LUIZ BACELLAR

UM DOS MAIORES POETAS DO BRASIL, LUIZ BACELLAR FALECEU HOJE À TARDE DE CÂNCER NOS PULMÕES

LUIZ BACELLAR (Manaus, 4 de setembro de 1928 - 9 de setembro de 2012)

Rogel Samuel

Ele é o poeta maior da Amazônia. Escreveu pouco. Retrata tardes

manauaras, quentes, ensolaradas, vazias, quase inúteis. Fala de

quintais, saputilheira, dos sanhaçus, da prata das aranhas. Da infância, da "PORTA PARA O QUINTAL":

Bem haja o sol e a brisa neste canto!

Cá fico maginando a tarde inteira

deixando relaxar nesta cadeira

de embalo o corpo bambo de quebranto.

Brincam nas folhas da saputilheira

brilhos metalescentes, cor de amianto

saltitam sanhaçus de curto canto,

aranhas tecem prata na trapeira.

As telhas debruçadas dos beirais

vão com as calhas de lata, lá entre elas,

coisas de chuva e vento conversando

quais velhinhas comadres; nos varais

a roupa brinca de navio de velas

minha infância perdida reinventando...

Ele já viveu numa casa brasileira bem grande. Bem interiorana. Conhece a porta, sua paisagem - o quintal, árvores, varais, infâncias, o passado.

A porta para o quintal dá para vida voltada sobre si mesma, para dentro, o recolhido, uterino. Não a porta do espaço público. Mas do interno. A rua difere, como no "rondel da cana":

caba - colete

rolete - cana

danças na rua

tua pavana,

dança que a tua

dança é geral

dançada ao vento

do canavial

Há uma hierarquia metafísica na poesia, na poética do seu encontro com sua cidade. A poesia de unidade, de tempo, aquela cidade ficava uma pacata província pós-moderna (moderno foi o extrativismo da borracha), pós-modernismo decadentista, o da econômica crise dos 50 anos - de 1912 a 1962.

No texto fragmentos do passado recente, destruído pela civilização de shopping da "zona franca". Manaus devagar, tudo se centralizava na Avenida Eduardo Ribeiro e poucas mais. Manaus de chafarizes, estatuária afrancesados. Manaus das tacacazeiras. Da lembrança.

Ponha, numa cuia açu

ou numa cuia mirim

burnida de cumatê:

camarões secos, com casca,

folhas de jambu cozido

e goma de tapioca.

Sirva fervendo, pelando,

o caldo de tucupi,

depois tempere a seu gosto:

um pouco de sal, pimenta

malagueta ou murupi.

Quem beber mais de 3 cuias

bebe fogo de velório.

Se você gostar me espere

na esquina do purgatório.

(Receita de tacacá)

Às vezes o poema se inventa clássico, como no "rondel do sapoti":

pardo mamilo

de cunhatã

que aromatizas

o ar da manhã

tua rosa polpa

destila mel

poma leitosa

doce farnel

tuas duras folhas

verdes espelhos

bisando o sol

a passarada

te faz varanda

para o arrebol

Quando vou a Manaus, das primeiras pessoas que encontro é Bacellar. Ele aparece, fidalgo (que é), sai da moldura de um quadro de símbolos antigos: pontes, feiras, S. Jorge, Cachoeirinha, São Sebastião. Sai com seus "Sonetos provincianos", "Três noturnos municipais", "Romanceiro

suburbano", "Sol de feira". Existe um caso de amor com aaquela cidade em cada poema. Ele a ama, e nela se reconhece:

Como um prisioneiro

a lua me espia pelas

grades do banheiro.

PEQUENA ANTOLOGIA

Soneto da Caixa de Fósforos

Minha cápsula de incêndios,

meu cofre de labaredas!

Meu pelotão de alva farda

e altas barretinas pretas:

se só num níquel quem vende-os

lhes aquilata o valor,

teus granadeiros da guarda

não se inflamam de pudor!

Fiat Lux do meu verso,

símbolo vivo do amor:

qualquer fricção te incendeia,

te arranca estrelas de dor,

minha gaveta de chamas

com sementes de calor.

("Frauta de Barro", 1963)

Balada das 13 Casas

São 13 casas unidas,

são 13 casas nascidas

no mesmo lance de rua,

com as mesmas paredes-meias,

os mesmos oitões de taipa,

a mesma fachada nua

e as mesmas janelas tristes

de 13 casas na rua.

Unidas? Bem... desunidas

nos problemas dos que habitam

suas paredes estanques;

mas juntas, pelo beiral,

pelos caibros de itaúba,

pelas telhas de canal

de 13 casas na rua.

E as famílias que moravam

(ainda algumas demoram)

nos tempos do berimbau?

Lembro: Cabelo-de-Fogo,

família Boca-Medonha,

a família Macaxeira

e a família Bacurau

das 13 casas da rua.

Das 13 só restam 11:

2 foram demolidas

pra dar lugar a um convento

de padres redentoristas

que, não contentes com isso,

de Tocos para Aparecida

mudaram o nome do bairro

das 13 casas da rua.

Numa delas eu vivi,

numa outra me criei,

e talvez venha a morrer;

quanto às outras, pelos donos

foram sendo reformadas,

gente próspera e "elegante"

como atestam as fachadas

das 13 casas da rua.

Apenas esta onde moro

de casa velha coroca

conservou a identidade

ainda usa arandelas,

calhas, tabiques, escápulas,

com manias e pirraças

de quem "viveu" outra idade

das 13 casas da rua.

Senhora Dona Donana

(Anna Henriqueta da Cunha),

ex-dona do quarteirão

irmão no estilo e argamassa,

a vós dedico e consagro

esta balada sem graça

em memória das antigas

fachadas, já derrubadas,

das 13 casas da rua.

( "Frauta de Barro", 1963)

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