Antes de migrarem para o extremo sul do país, eles haviam morado algum tempo nesta capital e a ela estavam de volta atendendo a convite nosso, que aceitaram como oportunidade para aproveitarem suas férias e relembrarem o passado.

                Passeios daqui e dali, a primeira surpresa se daria, de verdade, em relação à cidade. Não fossem as avenidas Miguel Rosa e Frei Serafim, eles diriam estar em outro local. Quanto às nossas praias, que também visitaram, não viram mudança: apesar de bonitas, continuavam maltratadas, abandonadas pelo poder público, como sempre estiveram.

                Como passaram boa temporada conosco, viram-se instados a participar do nosso dia a dia. Nossos hábitos e tradições, dos quais se haviam esquecido, pareceram-lhes por demais estranhos.

                Para fazer a limpeza pesada da casa, apesar de contarmos com a ajuda de uma empregada fixa, geralmente, costumamos contratar uma faxineira. Lá eles também se valem desse profissional. A surpresa ficou por conta da quantidade de direitos que damos a esse freelance por aqui. Tal diarista – quase sempre uma mulher - é já quase um membro da família, tanto que, da quantia que lhe pagamos ao final dos serviços não descontamos o lauto almoço, os vários lanches, a sobremesa, às vezes, o jantar e mesmo outros mimos que lhe oferecemos. Tamanho desprendimento os amigos não assimilaram.

                Como também não compreenderam quando o fato se repetiu com a lavadeira, que vinha à nossa residência quinzenalmente e que, além de utilizar nossa água, nossos produtos de limpeza, o ferro de passar, energia elétrica, sem qualquer ônus, ainda se regalava no almoço, nos lanches plurais que usufruía, tudo isso, antes de receber, integralmente, o montante que lhe era repassado, concluídos os trabalhos. Agindo assim, diziam-nos, jamais seríamos ricos.

                Com as manicures que vieram consertar as unhas de membros da família, inclusive dos ilustres convidados sulistas enquanto estiveram por aqui, a estranheza não arrefeceu. Nada de descontar do valor previamente acertado qualquer quantia por conta do que comessem, bebessem ou para casa levassem. Por que agíamos daquela forma? Concluíram que não havia outro jeito: a permanecermos com aquela inexplicável benemerência nosso destino seria a eterna pobreza.

                Chegou, enfim, o dia de voltarem à terra natal. Deixaram o convite para visitá-los no sul assim que pudéssemos.

                Ficaram também muitas dúvidas: diante do que ouvimos deles, das surpresas que experimentaram, será que valeria a pena fazer-lhes uma visita? Será que, como eles, não ficaríamos decepcionados com o que veríamos por lá? Afinal, nossos costumes, nosso modo de ser e de viver eram,ou melhor, são bastante diferentes. 

Percebemos que nossos amigos não entenderam que, para nós, existem outros valores mais importantes do que a riqueza econômica ou financeira: a paz de espírito e a tranquilidade existencial são alguns deles.

                Se dando a quem não nos pede o que não nos faz falta, não somente fazemos felizes aos que beneficiamos, como a nós mesmos, por que sermos capitalistas pragmáticos ou cartesianos rigorosos? A vida é um troca-troca de experiências e de posições: quem, hoje, está por cima, amanhã poderá já não mais estar. Um poeta disse: a vida é como uma onda, num indo e vindo infinito. É fato: e ninguém tem lugar cativo, privilégios nem regalias nela.

                                                                                                              Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal

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