MINHA MÃE
Por Rogel Samuel Em: 06/05/2013, às 19H30
ROGEL SAMUEL
Gosto de lembrar-me de minha mãe mas quando ela era ainda jovem e bela. Minha mãe, a incompreendida. Poderia ter sido mais feliz. Se não fosse tão intransigente com os outros, sempre preocupada com os conceitos dos outros, sempre sofrendo o julgamento de uma sociedade de classe-média decadente que só ainda existia na sua mente, na sua lembrança.
Minha mãe era belíssima quando jovem, mas foi infeliz no casamento e mesmo com seus dois filhos. Nunca se separou de meu pai, mesmo depois de saber que ele tinha outra família.
Era apaixonada por ele? Talvez fosse.
Meu pai era tudo com que ela sonhou na juventude: francês atlético, educado, cultíssimo, elegante, de boas maneiras (meu pai só comia uma banana de garfo e faca), falando inglês, francês, alemão (foi alfabetizado em alemão, em Estrasburgo), conhecedor do mundo, da guerra, tocando piano e violino, na juventude era rico, etc.
Sim, quando se casou meu pai, ele era rico comerciante em Manaus. Minha mãe foi a primeira mulher a dirigir automóvel em Manaus, quando saía de carro as pessoas exclamavam, admiradas:
- Olha uma mulher dirigindo um carro!
Chegou a ser uma das dez mais elegantes da cidade segundo um cronista social famoso.
Minha mãe lia muito, era bibliotecária e professora. Foi infeliz, foi feliz? Não sei, mas como todos nós teve as suas fases.
Sua casa era imponente, para os conceitos da época. Ela mesmo arrumou o financiamento, escolheu a casa numa revista americana: um bangalô americano de dois andares num terreno alto. Imponente, sim.
Por que tudo veio abaixo?
Primeiro eu me separei da família aos 18 anos, vindo estudar no Rio de Janeiro e nunca mais voltei (senão como visita). Tornei-me um verdadeiro estranho dentro de casa. Depois meu pai faliu, saiu de casa etc.
Sim, eu era um estranho naquela casa, e a minha independência nunca foi “perdoada”.
Nós, seus filhos, não fomos modelos de bons filhos. Eu, principalmente. Que naquela época hippie tinha um comportamento exótico, pouco sociável: cabelos compridos (um escândalo!), sandálias e roupas indianas, vivia metido em comunidades budistas (suspeitíssimas para os padrões vigentes), sempre no meio de artistas plásticos e poetas (que para minha mãe significavam desocupados e viciados).
Eu mesmo era um artista plástico, estudava no Parque Lage, pintava grandes quadros abstratos, escrevia poemas, fazia fotografia etc.
Para minha família, um marginal!
Mesmo depois de formado, de ter feito mestrado e doutorado, de ter virado professor universitário, nunca minha imagem na família mudou: eu estava marcado para sempre como “comunista” etc. Por isso, quando ia a Manaus, passava 3 dias, logo voltava.
Mas a imagem que gosto de sempre lembrar era ela com o marido dançando uma valsa triste no salão de nossa casa.
Hoje, lastimo não ter podido fazê-la feliz.
Lastimo.
Mas estava além de minha natureza.