Elmar Carvalho
 
 
 
Faz poucos dias, recebi um e-mail, que trazia no anexo várias fotografias interessantes ou insólitas. Umas delas, titulada O Sorriso de Deus, mostrava três pássaros recortados contra o azul do céu. Do ângulo em que a foto foi batida e da posição e alinhamento das aves, de fato parecia um rosto humano estar a sorrir. Os dois passarinhos mais ao alto formavam os olhos e o que estava mais embaixo desenhava uma boca sorrindo. A legenda da foto dizia que Deus tem o seu senso de humor. Acredito que Ele, em sua eternidade, onisciência e autossuficiência, viva feliz, pois não fora assim algo lhe estaria faltando, e se algo lhe faltasse não seria Onipotente, e portanto não seria Deus. O universo segue sua marcha como deve, e o plano divino também se desenrola como deve ser. Apenas não conhecemos os seus meandros e detalhes.
 
Ao ver essa ilustração acima referida, lembrei-me de que, numa das várias vezes em que passei pela antiga fazenda do Didoca, à beira da BR, entre Piracuruca e Volta-da-Jurema, resolvi tirar um fotografia da igrejinha dessa localidade, que então havia sido restaurada. A casa grande da velha fazenda já estava em completa ruína. Nas várias ocasiões em que fui a Parnaíba ou que de lá retornava, acompanhei o seu melancólico e lento desmoronar. O pequenino cemitério também se encontra bastante deteriorado, e não sei a quantas invernadas ainda resistirá. Mas, como eu ia dizendo, fui fotografar a ermida. Quando eu “cochilava” na pontaria da câmera, três passarinhos pousaram, simetricamente alinhados, em perfeito triângulo: um, no topo da cruz, e os outros dois nas extremidades do braço do símbolo religioso, fincado no alto do frontispício da capela. Pareciam fazer pose, porquanto ficaram de perfil, o que lhes permitia maior distinção e visibilidade fotográfica, mormente pelo fato de que eram aves pequeninas e cinzentas.
 
Neste final de semana estava eu a olhar o céu da janela de minha casa. Havia umas nuvens esgarçadas à minha esquerda, e dois blocos de nuvens maciças, compactas, quase à minha frente. Lembrei-me da velha metáfora, que apregoa que a política é como as nuvens; ora está de um jeito, e logo estará de outro. Eu pensava nas duas fotografias e nos discretos milagres e surpresas da vida, quando olhei para o céu novamente. Como não ventava, imaginei que as duas grossas nuvens não se esgarçariam e não mudariam de forma tão cedo, até porque pareciam duas imensas e firmes rochas. Por breves segundos, concentrei minha atenção em outra coisa. Grande foi a minha surpresa quando voltei a olhar para o céu: uma das duas compactas e densas nuvens se esfiapara e mudara completamente de forma, como um sorvete a se dissolver. Mais uma vez constatei como a natureza é surpreendente e dinâmica, e como os suaves e discretos milagres acontecem. Fiquei com a leve impressão que Deus brincara comigo, como a me fazer um discreto sinal, para que eu conserve a minha fé e não esmoreça nesta peregrinação terrena.
 
Disse tudo o que disse, para arrematar afirmando que ainda acredito em milagres. Só que Deus os faz de forma discreta, parcimoniosa, sutil, quase invisível, sem o estardalhaço dos picadeiros, dos palcos, das amplificadoras e dos holofotes, que dão visibilidade aos bufões, aos histriões, aos bobos da corte e aos artistas, no bom e no pejorativo sentido. Acredito nos milagres, sobretudo quando a pessoa deles necessita, e o pede com fé e humildade. E eles terminam acontecendo, creio, não na velocidade e na intensidade que desejamos, mas no tempo e na medida que Deus julga conveniente. Olhemos as nuvens, os pássaros e outros sinais, e veremos os milagres da vida e da natureza. E a vida, a vida é o maior de todos os milagres.