0

 

Mi Buenos Aires querido....
cuando yo te vuelva a ver...
no habrá más penas ni olvido...
 
Carlos Gardel e Le Pera
Buenos Aires é, sem dúvida nenhuma, uma cidade para visitar e revisitar sempre que possível. Ela tem opções de entretenimento para todos os gostos, mesmo quando o dinheiro anda escasso. O Teatro Colón, por exemplo, oferece apresentações de óperas e orquestras sinfônicas, sendo que em dois domingos por mês, as apresentações são totalmente gratuitas. Mas, se a pessoa está disposta a pagar, não há limites para as atividades culturais que a capital argentina pode oferecer.
Os vários restaurantes e cafés são uma opção se o turista deseja simplesmente conversar tendo como único gasto o custo de um espresso e um copo d’água. As peças teatrais e os espetáculos são uma constante na noite portenha, sendo possível escolher desde obras dramáticas e comédias até shows de dança e acrobacias. As diversas praças espalhadas pela cidade são, na sua maioria, bem cuidadas tornando-se lugares aprazíveis para um passeio a pé ou para apenas se sentar na grama curtindo o sol nos dias frios de inverno. O espresso e os ingressos de teatro não são de graça, mas essas praças e suas exposições ao ar livre tornam-se uma alternativa interessante para o turista com pouco dinheiro.
No entanto, preciso reconhecer que a Buenos Aires de hoje é muito diferente daquela que conheci há quase 20 anos. Quando lá estive pela primeira vez não se viam mendigos andando pelas ruas; só não posso dizer se a razão era porque não existiam ou porque estavam escondidos. Apenas sei que, em julho de 1997, Buenos Aires era uma cidade cheia de glamour. As mulheres iam as compras usando casacos de peles e na “calle Florida” havia lojas de grife para os gostos e os bolsos mais refinados. Lembro que, na época, me senti uma caipira – apesar de ter um casaco de pele para exibir.
Quando, um ano e meio depois, retornei tudo tinha mudado. No final de 1998 as mulheres chiques, que desfilavam na “calle Florida” exibindo seus casacos de pele, haviam desaparecido. Em seu lugar surgiram mendigos que, ao contrário daqueles com os quais estava acostumada, usavam terno e gravata. Eram os milhares de desempregadas de uma Argentina vivendo a sua maior e mais trágica crise econômica. Recordo, como se fosse hoje, do choque que sofri com a visão desses “mendigos engravatados” pedindo dinheiro nas portas dos restaurantes. Foi uma sensação horrível, afinal na minha cabeça Buenos Aires era, sem a menor dúvida, a “Paris das Américas”. Aliás, apelido dado pelos próprios argentinos a sua bela capital.
Uma série de governos desastrosos – em especial a do excelentíssimo presidente Carlos Saúl Menem Akile a sua política de dolarização – sepultou o sonho dourado de uma Argentina rica e desenvolvida. E a miséria antes inexistente – ou habilmente escondida – mostrou a sua cara. Não havia empregos. Não havia uma indústria forte. E a Argentina viu-se obrigada a juntar-se ao grupo de países latino-americanos subdesenvolvidos, lutando contra uma inflação que “comia” o dinheiro do povo antes mesmo do contracheque ser descontado. Buenos Aires deixou, então, de ser a “Paris das Américas” para tornar-se mais uma cidade a beira da falência.
Depois de 1998, estive em Buenos Aires muitas outras vezes, sendo que a última visita ocorreu há pouco tempo, agosto de 2013. E apesar de todos os seus problemas, meu deslumbramento por essa linda cidade não diminuiu. Ao contrário. Ela continua sendo capaz de me surpreender sempre que para lá retorno. A reabertura do Teatro Cólon, por exemplo, foi uma maravilhosa surpresa e a possibilidade de visitá-lo, um presente completamente inesperado. Dentro dele pude respirar os ares da Belle Èpoque argentina. Seus vitrais, candelabros, esculturas, camarotes e arquitetura deslumbrantes me deixaram embasbacada, esquecendo, inclusive, da promessa que tinha me feito de fotografar tudo o que encontrasse pela frente.
Contudo, a modernidade – assim como a recessão – também alcançou Buenos Aires. Surpresa, me deparei com uma cidade em obras. Não há esquina onde não se encontre tapumes, caliça e o barulho ensurdecedor das britadeiras. Buenos Aires quer se modernizar, e rápido. Para tanto, um corredor de ônibus em plena “Nueve de Julio”, bem próximo do Obelisco, foi construído. Não em entendam mal: não acredito que o progresso seja algo ruim. Ao contrário. Ele é necessário diante da demanda de uma população em constante crescimento. Todavia, minha preocupação é com a “velha” Buenos Aires. Não desejo vê-la enterrada debaixo de viadutos e outdoors publicitários.
Buenos Aires é feita de antigos lugares, igualmente importantes e, portanto, investir na sua preservação deve ser prioridade. Assim, para acalmar meu coração revisitei, como qualquer turista recém-chegada, alguns desses “antigos lugares”. Caminhei pela “Boca”, pela “calle Florida”, pela “Corrientes” e a “Nueve de Julio”. Fotografei a estátua de Carlos Gardel localizada em frente ao shopping Abasto, comi “dos medias lunas y café com leche” no Café Tortoni e, é claro, estive da maravilhosa livraria “El Ateneo”. Outros espaços, também lindos e fascinantes – Palermo, Puerto Madero, La Recoleta... –, ficaram, dessa vez, de fora da minha lista turística, “pecado” que cometi conscientemente. Quis manter vivo aquele gostinho bom de quero mais. O desejo sincero de retornar a “Mi Buenos Aires Querido”, muitas outras vezes, pois lá sempre deixo parte do meu coração.
 
 
Esse texto é dedicado a Laurentino Varela Centeno, meu irmão, que vive, há mais de 20 anos, em Buenos Aires. Muchas gracias, hermano!