Métodos para curar medos?
Por Gabriel Perissé Em: 17/04/2010, às 16H08
Gabriel Perissé
Medo azedo, que começa cedo e vai noite adentro, como se cura?
Medo de penedo, de cair bêbedo, medo de bicharedo, como se cura?
Medo de paralelepípedo, medo de segredo, medo de bruxedo, como se cura?
Medo cruz-credo, medo do degredo, medo com todos os enredos, como se cura?
Medo de dedo em riste, medo de folhedo triste, medo até de inofensivo chiste, como se cura?
E medo de ter medo, como se cura?
Busquei vários métodos para curar meus medos. Cantei para espantar os males, mas os males voltaram quando fiz silêncio. Rezei para exorcizar meus medos, mas eles voltaram quando perdi a fé. Dei a volta ao mundo para despistá-los, e eles me encontraram quando voltei ao ponto de partida. Medos não têm receio de perseguir o medroso. Perseguem, sem dó nem piedade.
Todo medo se cura quando se perde o medo do conhecimento — conhecer as horas e suas vírgulas, conhecer as notas musicais, conhecer o pulo do gato e o gosto do vinho, conhecer o tamanho da queda, conhecer as pedras do caminho, conhecer o medo que o prepotente tem de ter dor de dente como qualquer um pode ter um dia... Conhecer, em suma, que tudo tem cura.
Até mesmo tem cura aquele medo profundo que há em todo mundo, o medo da coisa mais impura, da mais insana loucura, da mais escura tontura, da mais agoniante afogadura, de tudo o que é censura, baixura, queimadura, medo de tortura, tesoura abrindo a alma da nuca à cintura. Até mesmo tem cura esse medo de tamanha tremedura.
Medo se cura com conhecimento do medo, conhecimento do próprio abatimento, conhecimento do açoitamento, de cada momento da vida em seu doloroso andamento, conhecimento das artimanhas, das ciladas, de tudo o que se esconde no quase nada, conhecimento dos outros e, sobretudo, desse outro em que mora o medo, e esse outro sou eu mesmo.
E como se faz esse autoconhecimento?, todos perguntam, morrendo de medo. Não, não é no espelho que eu me conheço, nem pedindo aos outros opinião. É nos livros que eu leio, é neles que eu me conheço, é neles que perco toda a ilusão, tendo consciência da ciência que tenho, tendo uma visão sobre a visão que vejo, escrevendo sobre o que eu leio nas minhas leituras — e esse conhecimento cura!
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.