"Memorial de Aires"
Em: 11/07/2012, às 17H03
Bráulio Tavares
É o que chamam de “o romance crepuscular de Machado”. A viuvez do protagonista deste romance é a mesma do escritor, a viuvez sem filhos, que aliás é um dos temas centrais do livro, tanto quanto o amor entre dois jovens que (a julgar pelo narrador) parecem ter sido feitos um para o outro. Reli agora esse livro, se é que o li todo aos vinte e poucos anos. Dele só me lembrava que nele não acontece nada. Aqueles chás contemplativos de fim de tarde entre uma porção de gente com cabelos brancos e roupas pretas européias. O mundo descrito por um introspectivo. E os personagens realistas de Machado mantêm pelo menos um elo em comum com os personagens de folhetim: parecem amarrados a um destino de ferro. Os personagens do melodrama eram pessoas desesperadas que veem a vida ser destruída por forças que elas não conseguem sequer imaginar; os personagens realistas veem sua vida destruídas por eles mesmos. Profetizam, contemplam, descrevem, choram, celebram, rememoram a própria destruição. Mas não a evitam. Estava escrito.
A expressão “estava escrito” sugere a imagem de algo gravado com cinzel no mármore ou escrito a laser no metal. Comparada à palavra falada, a palavra escrita parece ter um peso de infalibilidade. O Memorial, que é um diário mantido pelo Conselheiro Aires entre 1888 e 1889, é o contrário da palavra impressa. Mal nos dá conta do que acontece no país, quanto mais no mundo. O Conselheiro, diplomata aposentado, sexagenário, sujeito caladão e observador, vem a conhecer uma jovem viúva, e fica meio balançado para o lado dela. Aproxima-se dela, que é meio filha adotiva de um casal idoso e sem filhos, os Aguiar. O Conselheiro escreve comentando que sabe que após sua morte alguém vai ler aquelas páginas. Conta-nos a história de como um outro meio filho adotivo dos Aguiar, o jovem Tristão, voltou de Portugal (onde morava há muitos anos). Tristão e Fidélia (a jovem viúva) são o casal de filhos quie os Aguiar nunca tiveram. O Conselheiro frequenta os saraus, conversa, ouve os jovens tocando piano, e de volta a casa lamenta não ser músico. Seu espetáculo é aquele casal que parece se aproximar por uma fatalidade simétrica do destino humano.