Romance urgente
Em: 06/07/2025, às 22H26

[Marcos Santuário]
Quinze anos após o consagrado “Ribamar”, o escritor e jornalista José Castello volta à ficção com “Devastação”, novo romance que aprofunda sua trajetória literária marcada pela introspecção, pelo mergulho na subjetividade e pela tensão entre realidade e delírio.
Publicado pela Arquipélago, o livro lança um olhar denso e inquietante sobre os abismos da velhice, da solidão e da fragilidade dos vínculos humanos — temas de urgência aguda em tempos de esgarçamento afetivo e colapso das estruturas familiares.
Na obra, acompanhamos quatro horas da vida de Anita Vogler, uma senhora idosa, doente e confinada em um apartamento sombrio de Copacabana, enquanto uma tempestade e um eclipse solar pairam sobre a cidade. Cercada por elementos perturbadores — um cão esfaqueado, um bando de pombos, um neto distante escondido atrás da tela do computador —, Anita mergulha numa espiral onde corpo e mente se desfazem, e os limites entre o dentro e o fora, o espelho e o real, tornam-se indistintos.
Castello, que já demonstrou domínio da prosa reflexiva em obras como “Dentro de mim Ninguém Entra” e “Inventário das Sombras”, volta a demonstrar precisão formal e riqueza simbólica. Em “Devastação”, a linguagem, mais do que contar uma história, revela estados de consciência, vestígios de memória e a solidão que espreita nas brechas da modernidade.
Talentoso escritor, jornalista competente e mestre em Comunicação pela Ufrj, Castello segue produzindo textos, com profundidade e humanidade. A relevância do novo livro se impõe não apenas pelo domínio narrativo, mas por seu diálogo com uma sociedade que envelhece, mas raramente ouve os velhos.
Anita, trancada em seu quarto e quase esquecida por aqueles que a cercam, é símbolo de uma geração posta à margem — e também da fragilidade universal de nossas próprias certezas. Ao retomar o romance com “Devastação”, José Castello nos oferece não apenas literatura de alta voltagem estética, mas um espelho sombrio do nosso tempo. Um chamado silencioso, porém urgente, para não ignorarmos as vozes que o ruído do mundo insiste em soterrar. Romance urgente.
Publicado originalmente no Correio do Povo, no Correio do Povo, Porto Alegre, em 28.06.2025