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[Bráulio Tavares]

Mesmo nos EUA a obra deste autor não recebe a atenção que merece. Ele fez sua carreira nos pulp magazines dos anos 1930-40. Escreveu ficção científica, terror, fantasia, história de boxe, histórias de aventuras. Fez roteiros para histórias em quadrinhos, e foi um dos primeiros roteiristas do Capitão Marvel. No número 1 da revista assinou seu nome de uma maneira engenhosa (e cordelista): colocou cada letra como a inicial de cada um dos balões de diálogo. Anos depois, numa briga judicial envolvendo Superman e Capitão Marvel (o primeiro acusou o segundo de plágio) Manly pôde, com isto, provar no tribunal que tinha sido um dos roteiristas.

Foi um grande conhecedor do folclore norte-americano, da tradição dos índios e dos primeiros povoadores da América. Sua série de histórias ambientadas nos Montes Apalaches, tendo como protagonista John the Balladeer, ou “Silver John”, é uma excelente exploração desse material. John é um cantador andarilho ao estilo Woody Guthrie, que, levando às costas seu violão de cordas de prata, por onde passa vai se metendo em confrontos com o sobrenatural e resolvendo-os, muitas vezes, com a ajuda de seu conhecimento da literatura oral e de livros básicos (cujo conhecimento é perfeitamente plausível no ambiente social descrito) de alquimia, ocultismo, etc.

A excelente coletânea Who Fears the Devil? (1963) e os romances The Old Gods Waken (1979) e After Dark (1980) são os livros que li, e existe neles uma originalidade de ambiente e de voz narrativa que não tenho encontrado em outros autores de fantasia norte-americana (se alguém souber, favor me indicar). Na literatura fantástica dos EUA parece haver uma certa resistência a histórias inspiradas no folclore local. O leitor norte-americano parece achar mais nobre (ou mais escapista) uma fantasia baseada em elementos europeus: célticos, nórdicos, arturianos, etc.

Seu websaite (http://www.manlywadewellman.com/) traz um rico material biográfico, falando inclusive no episódio em que ele ganhou um concurso de contos policiais no Mistério Magazine de Ellery Queen, deixando William Faulkner em segundo lugar. Manly nasceu em Angola, onde seu pai era médico numa missão, e as histórias que ouviu na infância (só foi morar nos EUA aos seis anos) influenciaram seu interesse posterior pela literatura oral. Ele foi, na fantasia norte-americana, um representante daquela “Invisible Republic” que Greil Marcus estudou em seu livro homônimo sobre as raízes da música de Bob Dylan e The Band no álbum The Basement Tapes e sobre a Antologia da Música Folk compilada por Harry Smith. Uma conexão que, mesmo nos EUA, continua pouco estudada.