MAIS UMA VEZ NA MAISON FONTENELE
Por Elmar Carvalho Em: 03/03/2012, às 04H16
ELMAR CARVALHO
No domingo de carnaval fui a Barra Grande, em companhia de Fátima, da Conceição Teles e do Canindé Correia, e mais uma vez com destino à Maison Fontenele. Ao chegarmos, por volta de 10 horas, já o Jonas Filho Fontenele de Carvalho nos aguardava, com a sua reconhecida alegria e cordialidade. Fomos logo para a “Diretoria”, o acolhedor recanto aberto, coberto por palhas de carnaúba, que além de mais refrescante, dá um tom pitoresco ao ambiente. Começamos imediatamente os trabalhos de pasto e as libações.
Por volta de onze horas, chegaram o Vicente de Paula (Potência), o Arílton e o Dominguinhos. Logo começou uma agradável apresentação musical, praticamente ao sabor do improviso. As melodias eram variadas, e trafegavam da velha à jovem guarda, de serestas à bossa nova. É claro que a jovem guarda já não é mais jovem, e a bossa nova também já não é mais nova, mas para muitos adeptos do forró eletrônico e do axé music é novidade, uma vez que muitos deles desconhecem as belas músicas do passado.
Dominguinhos é figura respeitada como instrumentista, sobretudo em Teresina, onde é funcionário da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, de cuja banda marcial é componente, além de tocar em outros grupos musicais. É membro de uma estirpe musical, pois alguns de seus parentes são musicistas de valor, tendo sido seu pai, o mestre Domingos, um saxofonista e clarinetista notável. Este instrumentista, vítima de acidente, de que procurei não saber detalhes, ficou impossibilitado de tocar os instrumentos que dominava com invejável maestria.
Além do saxofone e da clarineta, o Dominguinhos executa outros instrumentos, entre os quais viola, violão e cavaquinho, sendo, portanto, literalmente um homem de sete instrumentos. Após demonstrar a sua virtuose no domínio do sax, empunhou um cavaquinho, oportunidade em que também demonstrou sua capacidade vocal, sobretudo quando acompanhou o Vicente Potência, que cantou velhas melodias, mormente sambas e serestas. O Vicente, por ter morado alguns anos no Rio de Janeiro e por praticar uma saudável boêmia, assimilou certo jeitão do bom malandro carioca, tanto no humor, como no gosto musical e na conversação.
Tanto isso é verdade, que já o vi fazer malabarismo de percussão em caixas de fósforo e em papel sobre o asfalto. Algumas músicas que interpretou, com sua boa voz, a que dava, algumas vezes, uns leves timbres de falsete, eram de sua autoria, ele que é festejado carnavalesco de Parnaíba, animador mor do Bloco Arrastão da Ema, para o qual compôs samba-enredo e planejou alegorias temáticas. Vários irmãos do Vicente, inclusive algumas das mulheres, têm pendores musicais, sobretudo para a percussão e para o canto, mas também para as cordas de um violão. Arílton, seu sobrinho, herdou essa inclinação musical, e incrementou a tarde com os seus batuques. A tudo isso não faltou o toque de uma suave voz feminina, pois a Conceição Teles auxiliou o Vicente em algumas melodias, e também em algumas interpretações solo.
Na terça-feira, quando fui tomar um caldo de carne na lanchonete do senhor Antônio Santos, perto do mercado do bairro de Fátima, encontrei novamente o nosso bravo Vicente Potência. Pediu-me para, em minha picape, “arrastar” a sua ema, a do arrastão, que se encontrava avariada no Clube do Ferroviário, até o “estaleiro” do Porto das Barcas, onde seria consertada. Fomos, eu, ele e o Canindé, cumprir essa missão. Nos embates da folia momesca, a ema terminara ficando descadeirada, e acabou por danificar o pescoço, que ficou escacholado, sem sustentação. Essa ema, que nunca voou, também nunca andou sobre as próprias pernas, já que nunca as teve. Ficava sobre o carro alegórico como se estivesse choca, postada sobre seus ovos. O Vicente nos garantiu que iria aproveitar essa “cirurgia” de emergência para lhe dar duas pernas, sobre as quais ela haveria de se apresentar de forma sobranceira, imponente, altiva, no desfile da noite, na avenida São Sebastião.
Nosso anfitrião, o Jonas Fontenele, que foi pródigo em nos servir camarão, peixe e um gostoso churrasco caprino, anunciou que logo após a folia momesca iria iniciar a construção da reforma da casa, que na verdade, pelo que pressinto, será uma nova residência. E ratificou o seu firme propósito de pousar o Pavão Misterioso, que não sei se será um ultraleve ou um teco-teco, nas areias planas do “salgado”, que fica ao fundo do quintal da Maison Fontenele. Disse-lhe que me falta coragem para acompanhá-lo nessa aventura aérea, mas que estaria a postos, de pés firmados no chão, para aplaudir o seu pouso triunfal.