Lançado há 35 anos, nenhum outro livro compôs um retrato tão chocante sobre os costumes de Maceió
Qual a verdadeira história de Alagoas? Alguém já a escreveu? Seria isso possível? É provável que não. Por mais abrangente que seja, a arte literária não é absoluta a ponto de resumir com precisão e idoneidade os tantos capítulos que compõem a formação desse controverso estado brasileiro.

Por outro lado, a literatura pode fatiar o tempo, recortar momentos e apresentá-los revestidos sob a tez da imaginação. A verdade histórica é um alvo móvel. Atingi-la, vai depender da mira de quem a procura, de seu ponto de vista. E que feliz é a história que tem um Lêdo Ivo como memorialista. Não apenas por seu manejo arrojado e cuidadoso com a palavra, sua sofisticação poética ou a pertinência de seus argumentos, mas também pelo resgate despudorado e sem juízo de valor das fraquezas e dos desvios presentes nas qualidades humanas.

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Paisagens históricas, personagens distintos

Dividida em dez capítulos, a história começa com o passeio de uma raposa que, madrugada adentro, percorre solitária as ruas do Centro de Maceió. Quando os raios da manhã revelam mais claramente sua presença, os primeiros a avistarem não hesitam em exterminá-la a pauladas. O episódio é a ponte para o enredo chegar aos outros personagens. A partir dele, o autor recria causos e recupera momentos e paisagens históricas, sempre a atrelar do cidadão comum ao pequeno burguês, passando por meretrizes, políticos e renomadas figuras públicas.

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A invenção de uma cidade real

Ninho de Cobras. Para um romance que relata causos pitorescos do cotidiano de uma cidade e revela tipos humanos a adotar condutas e atitudes condenáveis, o título parece apropriado. Essa impressão, contudo, é refutada por Lêdo Ivo: a expressão não traduz sua leitura de Maceió. “Alguns que não leram o livro pensaram que eu queria afirmar que Maceió era um ninho de cobras quando, na verdade, a história é a história dos alagoanos que não emigraram e que amam Maceió. Os que amam Maceió como as cobras amam seus ninhos de pedra. É essa aderência da criatura viva à paisagem”, explica o escritor, por telefone, à Gazeta.

No livro, suas observações apontam para Alagoas como exemplo da grande sociedade dividida entre pobres e ricos.

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NINHO DE COBRAS NO BRASIL E NO MUNDO

Publicado pela primeira vez em 1973 pela editora José Olympio, Ninho de Cobras ganhou mais três edições. A segunda foi lançada em 1980, pela editora Record. A terceira em 1997, pela Topbooks e, finalmente, em 2002, saiu a quarta edição pela editora Catavento. O livro também ganhou uma edição inglesa e uma norte-americana, com o título Snake’s Nest, e outra dinamarquesa, em 1984, chamada Slangeboet. Ano passado, a segunda edição da versão norte-americana foi relançada. Algumas edições ganharam o título complementar Uma História Mal Contada.

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Contos de liberdade, pecados e traições

Após o lançamento de Ninho de Cobras, tardou para Lêdo Ivo aparecer na cidade retratada. “Não lembro ao certo. Acredito que só estive aí depois que entrei para a Academia Alagoana de Letras, acho que em 1984”. Anteriormente, mesmo a aproximação da sua literatura para com a terra natal foi lenta. Quanto mais o poeta se distanciou, mais se convenceu de que nunca tinha saído de Alagoas. “Isso ocorreu em decorrência das minhas viagens para a França e para os Estados Unidos. Quando eu estive em Nova York, vi aquela civilização, aqueles arranha-céus, aquela verticalidade da cidade, os cemitérios de automóveis e os viadutos. Eu tive a sensação de que o meu mundo era o mundo de Alagoas, de Maceió”.

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CURIOSIDADES SOBRE O LIVRO

›› Lêdo Ivo levou apenas um mês para escrever sua obra-prima.

›› Desde que o livro foi publicado, o alagoano revela que nunca releu Ninho de Cobras. “Eu nunca reli talvez porque eu pudesse ficar indignado e até pediria para ser expulso da literatura alagoana [risos]”, brinca o poeta e romancista.

›› Um dos personagens da obra escreve cartas anônimas delatando para os maridos os casos das esposas infiéis. O escritor conta que, certo dia, foi surpreendido por um antigo chefe de polícia de Alagoas, Mendonça Braga. “Ele disse que esse camarada realmente escrevia cartas anônimas [risos]. É a ficção adivinhando a realidade”.

›› Há diversas teses, estudos e pesquisas sobre Ninho de Cobras. O pesquisador Márcio Ferreira lançou em 2002, pela editora Catavento, o livro intitulado A Cidade Desfigurada – Uma Análise do Romance Ninho de cobras de Lêdo Ivo.

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Alagoas: eterna fonte de inspiração

No Estado que se melindra a qualquer crítica, meter o dedo na ferida de sua formação é mais que um ato de coragem. É assim que, aos 84 anos, o ocupante da cadeira de número 10 da Academia Brasileira de Letras tem, a cada dia, Alagoas como fonte de inspiração literária. Em prosa, poesia, ensaio ou crônica, Lêdo Ivo bebe no passado da terra natal para atualizar o presente.

Batizado de Guardar o que Está Perdido, seu último texto inédito é uma crônica publicada exclusivamente no site da ABL. Nela, Alagoas e sua capital voltam a ser tratadas sob as observações pontiagudas do escritor, ora nas reminiscências das feiras livres ora como lugar que “convida à evasão”.

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CURIOSIDADE SOBRE A ALAGOAS DE 1940

›› Governado pelo presidente Getúlio Vargas, o Brasil possuía 41,2 milhões de habitantes. Assim como hoje, naquela época Alagoas já ocupava a terceira posição no ranking dos estados com as maiores densidades demográficas do País.

›› Entre 1940 e 1945, Alagoas foi administrada por três inventores federais. Em 1940, por Osman Loureiro de Farias. Entre 1940 e 1941, por José Maria Correia das Neves. E entre 1941 e 1945, por Ismar de Góes Monteiro.

›› O CRB conquistou o tetracampeonato alagoano de futebol ao vencer o CSA em duas das três partidas da decisão.

›› Depois de três anos funcionando como depósito, o Teatro Deodoro voltou a operar como palco para as artes cênicas e espetáculos em geral.

›› Inauguração do Porto de Maceió, em Jaraguá.

›› Fundação do Aeroclube de Alagoas.

›› Nascia em Maceió o cineasta Cacá Diegues.

›› O escritor Jorge de Lima recebia o Grande Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras.
 
 Gazeta de Alagoas, 17 de agosto de 2008