M. Paulo Nunes: a paixão literária
Por Cunha e Silva Filho Em: 15/10/2021, às 11H16
M. Paulo Nunes: a paixão literária
Cunha e Silva Filho
Soube, ontem, à noite, pelo meu filho mais velho, que M. Paulo Nunes havia falecido. De propósito, dou o mesmo título desta nota a um artigo que escrevi sobre ele tempos atrás, artigo que, depois, o professor Paulo Nunes incluiu numa das suas obras.
É difícil receber uma notícia destas, sobretudo referente a uma das figuras de proa da crítica literária do Piauí, do ensaísmo e dos estudos profundos sobre educação que o velho mestre, nascido em Regeneração, Piauí, em 1925, produziu com rara e gigantesca capacidade de exercício de uma escrita límpida, sem pedantismos nem hermetismos no que concerne à exposição de suas análises, cujo traço característico mais evidente é o seu estilo moldado em inegável clarté francesa, porquanto era um conhecedor também dos autores franceses, sobretudo no gênero do ensaio, autores que, de resto, lia no original, assim como o fazia nos autores de língua espanhola.
Paulo Nunes foi dos escritores piauienses aquele que mais escreveu para mim. Não eram, em geral, cartas longas. Eram, melhor dizendo, pequenas mensagens, apostas à margem dos recortes dos artigos de sua autoria, alusivas ao mundo literário, sobretudo a respeito do que pensava da práxis literária. Eram mensagens breves e judicativas que aproveitavam o ensejo para tecer, quando possivel, alguns comentários acerca de meus escritos. Era um gentleman. Jamais esqueci, em todo o longo convívio que tive com ele à distância, ou seja, por corarespondência, esse gesto amável e constante que para comigo teve, gesto que, de resto, só muito me honra, mormente acrescido por ter tido o prazer de travar conhecimento mais aproximado com ele a partir da publicação do meu primero livro Da Costa e Silva: uma leitura da saudade (1996), .
Foi ele que me servia de correspondente encarregado de mandar publicar os meus artigos em Teresina, através dos disquetes a ele enviados e encaminhados às redações dos jornais, o Diário do Povo e o Meio-Norte, Primeiro quem fazia isso fora o meu pai.
Paulo Nunes, essa figura de ilustre representante da inteligência do Piauí, com o tempo, se tornara uma espécie de “decano” da crítica literária do seu estado natal, sobejamente demonstrada pelos seus numerosos livros, prefácios, introduções latejantes de profundidade acerca do fenômeno literário.
Para citar apenas uma, temos de sua lavra aquele primoroso ensaio-perfil que escreveu sobre o notável historiador piauiense Odilon Nunes (1889-1989). Ele me mimoseou com alguns textos comentando trabalhos meus e lhes fazendo as apresentações em memoráveis lançamentos realizados em Teresina, na Academia Piauiense de Letras ( APL) - verdadeiras aulas de cátedra que tanto deleitavam seus ouvintes, pois era dotado de vigoroso talento oratório, mesmo de improviso, principalmente de conferencista literário.
Um deles foi o ensaio-prefácio do meu segundo livro, As ideias no tempo (2010). Não poderia deixar de aqui registrar um outro fato relevante para mim. Foi o prefácio que escreveu para o meu segundo livro editado no Piauí As ideias no tempo (2008); Não foi um prefácio apenas. Antes, foi uma brilhante análise dessa obra, Na época do lançamento realizado na Academia Piauiense de Letras (APL), ele, em jornal de Teresina de grande circulação, por antecipação ao evento, já havia escrito um outro texto sobre o citado livro para completar esse seu gesto de grandeza. Releva assinalar este dado jubiloso: oi ele próprio quem fez, de improviso, uma excelente apresentação do livro no auditório da APL, que estava apinhado de convidados e de pessoas, jovens ou menos jovens, interessandas em literatura e cultura em geral.
Sua produção ensaística, desde o seu primeiro livro de ensaios, A geração perdida - ensaios em notas críticas. (Rio de Janeiro: Artenova, 1979, 164 p) já dava sinais evidentes de um autor que iria dar uma contribuição relevantíssima à vida cultural piauiense por décadas ininterruptas de artigos em jornais de relevo, em revistas, dentro e fora do Piauí, e notadamente em livros publicados. Sua produção, na área da educação, da qual era um expert, é também de alta significação local e nacional.
Paulo Nunes, como gostava eu de assim o chamar, foi essencialmente um homem de Letras, um ensaísta multiforme. Certa vez, dele li um artigo, no qual expunha brilhantemente sobre filmes, sobre cinema, e aí pude constatar a largueza de sua erudição e o seu traço intelectual de leitor compulsivo, abrangente, que ia da literatura portuguesa, brasileira, à literatura universal. Um crítico fundamentado tanto na condição de analisar autores quanto de os ler avidamente durante toda a sua longa existência.
Um intelectual, um highbrow avant la lettre, exemplarmente dedicado, ao fenômeno literário no mais elevado sentido do termo. Como gostava daquela forma bem sua, bem peculiar de dizer na condição de leitor aficionado, mais ou menos nestas palavras: “Por favor, leitores, não morram antes de ler este livro.” E assim, sucessivamente, conclamava seus leitores a conhecer as obras mais refinadas da literatura mundial.
Uma vez, em entrevista, se não ocorro em erro, afirmou: “Sei que não vou ser um autor que vai ficar.” Ora, amigo Paulo Nunes, V., infelizmenate, para nossa tristeza, não ficar mais é nos encantando presencialmente, com a sua palestra fácil, fluente, seu senso de humor. No entanto, para nosso consolo de admiradores seus, vai, sim, permanecer em seus livros e no seu prolífero legado de sua atividade de crítico, ensaísta e de emérito educador.
O poeta, africanólogo e embaixador Alberto da Costa e Silva, um vez, me confidenciou: Paulo Nunes é um intelectual visceralmente do mundo, nunca será um provinciano. Está acima das contingências e limites de sua “aldeia,” de vez que o seu universo interior, cultural, paira acima da mediania da vida literária. Por isso, acrescento eu, V. vai permanecer na história do ensaísmo e da crítica literária de base humanista-culturalista, não diria impressionista com V. se definiu erroneamente. Desculpe-me pelo meu discordar de sua definição de crítico.
Os seus críticos preferidos, dos mais brilhantes e, a meu juízo, o melhor de sua preferência, Álvaro Lins (1912-1970), semearam, por anos a fio, em seu espírito de escol, sólidos conhecimentos na sua formação intelectual, durante as inúmeras vigílias de leituras profundas, incansáveis e duradouras tendo em vista a consecução, o gran finale vitorioso, de torná-lo o citado “decano, por merecimento e reconhecimento, sem favor, dos seus pares - carro-chefe dos debates e questionamentos da vida literária brasileira e da vida social piauiense, nacional e universal.
Deus o receba no paraíso das Letras com o seu quinhão de contributo inestimável e imorredouro no panorama da literatura brasileira, em especial, junto aos que se foram e todos e todas, indistintamente, lidos e relidos por V. os quais constituem esse numeroso conjunto, essa plêiade luminosa de escritores, vivos e mortos, todos queridos de suas leituras, eternos criadores da beleza literária, em todos os gêneros, em todas as épocas, em nosso solo pátrio e além-mar.