[Paulo Ghiraldelli Jr.]

Quando saímos da ditadura do Estado Novo, em 1945, a ideia básica dos intelectuais liberais e de esquerda era a de que a escola pública, obrigatória, laica, gratuita e de boa qualidade seria o elemento chave para a melhoria da equalização social. Até mesmo os liberais conservadores participavam dessa ideia, chegando ao extremo de defender uma escola única para todos. Pensar em pagar mal um professor do ensino médio era alguma coisa que ninguém imaginava que poderia ocorrer. Ninguém conseguia pensar em um Brasil melhor com o professor das crianças e jovens tendo menos prestígio social que o juiz, o prefeito, o padre e outras autoridades da cidade.

Quando saímos da ditadura do Regime Militar, em 1985, a ideia básica dos intelectuais liberais e de esquerda já não era mais a mesma. Os liberais falavam que um Brasil melhor ser faria pela educação. Os de esquerda diziam que sem distribuição de renda não se faria muita coisa. Chegou-se até a falar na educação como elemento de equalização social como um tipo de “ilusão liberal”.

Em geral, falava-se em recuperação salarial da categoria dos professores, mas muitos entendiam que o professorado havia se proletarizado e que as coisas, para melhorarem, iriam depender de luta sindical e política de um modo mais acirrado que no passado. No entanto, as esperanças na recuperação da escola pública, obrigatória, laica e de boa qualidade não estavam mortas. Mais cedo ou mais tarde teria de vir uma nova Constituinte e dela se tiraria uma Carta Magna e, para a educação, a proposta de uma nova LDBN.

Agora, beirando trinta anos do fim do Regime Militar, (quase) tudo que os intelectuais de esquerda pediram, se realizou. Há nova LDBN e já passamos por três governos democráticos, governados por pessoas da oposição ao Regime Militar de todo tipo: tivemos o intelectual uspiano por dois mandatos, tivemos o operário do ABC por dois mandatos e agora estamos vendo a guerrilheira, que talvez também passe para a história com dois mandatos.

Esses governos seguraram a inflação e diminuíram sensivelmente a pobreza. Um milagre? Sim, e nada parecido com o falso milagre de Delfim Neto e dos generais presidentes vindos do Golpe de 64. Todavia, estranhamente, há coisas que ocorrem no Brasil que às vezes parecem anular o que se obteve de bom.

Nenhum desses três últimos governos, que ao todo perfazem nada menos que vinte anos, conseguiu fazer com que o capitalismo não seguisse sua marcha inexorável de deterioração da escola pública e de achatamento salarial da categoria do magistério. Essa marcha se fez em todo o Ocidente, mas sempre mais ou menos segurada pela força das rédeas de governos social-democratas ou simplesmente liberais. No Brasil, não conseguimos isso.

Estamos agora colhendo os frutos – obviamente podres – dessa desgraça parcial. Temos mais pessoas aptas ao consumo e, ao mesmo tempo, distante da posse de instrumentos intelectuais que poderiam lhes dar condições para a atenuação de preconceitos de todo tipo. Escrevendo corretamente, lendo melhor, calculando eficazmente, com mais consciência de cidadania, os pobres que começaram a poder marcar rolezinhos, teriam por si mesmos capacidade de falar aos donos de shoppings: “olha, eu sou tão brasileiro quanto você, e agora tenho algum dinheiro, não precisa me empurrar para fora daqui, eu não sou um estúpido”. Ao mesmo tempo, uma boa parte da classe média tradicional, que agora já foi atingida pela baixa educacional, teria condições de entender esse discurso antes mesmo de pronunciado. Esse tipo de coisa ocorreu em outros países. Aqui não.

Aqui no Brasil o professor perdeu prestígio financeiro e, depois, moral. Agora, perde capacidade intelectual. Nossos últimos governantes vieram do campo da esquerda ou de centro-esquerda, mas eles não conseguiram nos dar de volta a esperança de 1945. Deveríamos então, quanto a isso, confiar no que dizem os intelectuais liberais conservadores? Piada de mau gosto. Estes, por sua vez, já também são fruto dessa deterioração educacional. Não vieram da escola pública que não funciona, mas passaram por uma escola particular que, sem concorrente, não conseguiu fazer o que a escola pública dos anos cinquenta e sessenta fez. A maioria está na condição dos proprietários ricos preconceituosos, os que chamam a polícia diante de rolezinhos. Alguns até sabem escrever, mas sabem pensar tão mal quanto os garotos que eles dizem odiar porque gostam de funk.

No Brasil não temos luta de classes, temos imbecilização de classes.

© 2014 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo