Literaturas leves

[Bráulio Tavares]

Existem formas pesadas e formas leves de literatura. Entre as formas pesadas estão o romance e, talvez surpreendentemente, o conto, que à primeira vista pareceria ser leve, pelo mero fator do tamanho.  Mas ambas são igualmente pesadas pelo grau de intensidade que requerem: criação de ambientes, de personagens, de trama, etc.  Um romance pode ser mais “pesado” do que um conto, mas uma página de um e uma página de outro devem ter o mesmo peso.

Existem formas leves que não necessitam de tanta imaginação e elaboração, pedem apenas cultura, estilo, sensibilidade.  Muita gente pode não achar que uma carta, uma mera carta pessoal dirigida a um amigo, possa ser uma obra literária.  As cartas publicadas de muitos grandes escritores contradizem de certo modo essa expectativa.  As cartas de H. P. Lovecraft e de Raymond Chandler são, em alguns aspectos, superiores à obra de ficção que produziram. Cartas são literatura de não-ficção, tal como os Diários, outra forma de literatura leve que foi brilhantemente cultivada por muitos romancistas.  Há mesmo autores que se celebrizaram pelos Diários que escreveram, e que em alguns casos foi tudo que publicaram.  Diários como os de Anne Frank, Anaïs Nin e outros são obras que acabam tendo um alcance muito superior ao de muitas obras de ficção.

 
As memórias e autobiografias são uma extensão disso. São gêneros leves, porque dispensam a criação de enredos e de personagens, e têm valor apenas pelo poder de observação do autor, pelo interesse que possa ter o seu estilo, e pelas que suas digressões e reflexões possam ter de enriquecedor.  Nunca li um romance inteiro de Simone de Beauvoir, mas a considero uma grande escritora apenas pela sua meia dúzia de volumes de memórias.

 

Ainda mais leve do que estes parece ser a crônica, e eu diria que a diferença entre escrever um conto e escrever uma crônica é da mesma natureza que a diferença entre cantar e cantarolar.  O conto requer mais esforço imaginativo e mais intensidade de expressão, mais intenção criadora; a crônica é mais superficial (no bom sentido), informal, descontraída. Claro que existem mil gradações entre uma coisa e a outra, e são essas mínimas diferenças de ênfase que nos fazem tantas vezes ficar sem saber se um texto pertence a um ou ao outro grupo.A crônica tanto pode ser um conto onde não há história, somente reflexões e digressões, como também pode ser um conto onde há somente a história reduzida ao meramente narrativo, sem maior elaboração, sem reflexão alguma.  O conto é como uma canção cantada num palco num show que cobra ingresso; uma crônica é como uma canção cantarolada entre amigos.