Literaturas africanas, pós-colonialismo e cânone

 

LEITE, Ana Mafalda. Literaturas africanas e pós-colonialismo, da obra Literaturas Africanas e formulações pós-coloniais. Moçambique, UEM, 2003, p. 3-32.

 

Por Rosidelma Fraga[1]

 

No capítulo “Literaturas africanas e pós-colonialismo”, da obra Literaturas africanas e formulações pós-coloniais, a pesquisadora Ana Mafalda Leite discute pontos imprescindíveis da teoria pós-colonial, tendo em vista que o assunto merece reflexões dentro do contexto das literaturas africanas de língua portuguesa, já que a crítica pós-colonial, às vezes, tem refutado as categorias do pós-colonialismo por considerar “os temas imperiais caducos”, afirma Mafalda (2003, p.5). Assim, os objetivos que permeiam o texto de Ana Mafalda Leite são: discutir o projeto da escrita pós-colonial, interrogar o discurso europeu, descentralizar as estratégias discursivas, investigar, reler e reescrever a história da ficção colonial, a qual se insere na tarefa da criação e da crítica pós-colonial. O texto não descarta a fulcral necessidade de refletir sobre o ensino das literaturas africanas de língua portuguesa, o qual deve ser uma estratégia para a construção do cânone literário dessas literaturas.

Em abordagem preliminar, menciona-se que o pós-colonialismo deve ser visto sob a perspectiva crítica e teórica. Notadamente, o problema está na adequação do termo pós-colonialismo, com origem anglo-saxônica e pode ser explicado a partir dos efeitos culturais da colonização. A autora considera que a terminologia pós-colonialista é inoperante por denotar todos os mecanismos discursivos e performativos.

Diante disso, ela diz: “o termo é passível de englobar o conjunto de práticas discursivas, em que predomina a resistência às ideologias colonialistas, implicando um alargamento do corpus, reveladores de sentido críticos sobre o colonialismo” (LEITE, 2003, p. 5). Assim, a teoria do pós-colonialismo, na área de estudos literários, inicia-se com a obra Orientalismo, de Edward Said (1978) e a obra literária passa a ser estudada com enfoque para o lugar e o contexto de produção. Para isso, a literatura comparada também passou a se debruçar sobre essa temática.

Paulatinamente, Leite menciona as obras de Boaventura Sousa Santos, as quais são pertinentes para investigar a especificidade do colonialismo e do pós-colonialismo. Segundo ela, essa especificidade do autor se demarca pelo hibridismo no campo linguístico, vindo se configurar nos campos literários das literaturas africanas de língua portuguesa. Sob esse prisma, percebe-se que as marcas do hibridismo linguístico permitiram à autora pensar que as literaturas africanas de língua portuguesa se constituem como resultado da canibalização do idioma. O hibridismo da língua configurou-se por intermédio da recriação sintática e lexical, o que corroborou para a apropriação da oralidade.

Leite elucida as posturas divergentes da produção textual africana, denotando a ideia de cânone e valor entre a literatura periférica e a literatura produzida nos centros. Dito isto, ela considera que o julgamento de valor se dá com base num cânone literário europeu e as literaturas africanas constroem ou até mesmo abrem espaços para discutir questões transculturais sobre estruturas e formas dos textos. Na verdade, Leite certifica que não se pode falar em literatura canônica, tendo em vista que o cânone literário africano ainda está em desenvolvimento.

Outro ponto salutar no texto de Ana Mafalda Leite se refere às histórias das literaturas nacionais. A rigor, nota-se que os sistemas de ensino são preponderantes para que se desenvolva a validade da literatura africana. Para que este projeto seja válido, torna-se crucial pensar no ensino como mecanismo de legitimar a aquisição de conhecimento cultural e nacional. Entretanto, as literaturas africanas de língua portuguesa ainda carecem de institucionalização. Consequentemente, a tarefa de realização de estudos sobre essas literaturas cabe aos pesquisadores, a fim de que se estabeleça futuramente um possível cânone literário. De certo modo, a formação do cânone, [é] passível de ser ‘vagamente’ “descortinada em ensaios, parcas antologias, artigos, ou alguns manuais sobre a área, levanta interessantes e específicas questões que convocam [...] a imagem dual, configuradora do colonialismo português”, enfatiza Leite (2003, p. 22).

Merece sublinhar no âmbito dessas reflexões propostas, a distância entre leitor e autor. Tal distanciamento possui diversos níveis de experiências e expectativas, provocando uma ambivalência na comunicação. Diante desse fator, a autora infere que os textos da literatura pós-colonial são marcados pela margem de distanciamentos territoriais e alheios, ainda que tenhamos a língua como marca de união. Não obstante, Leite (2003, p. 32) assevera que tal elo pode ser pensado sob a égide de uma metáfora infinita ou como uma caminhada incansável e inútil, pois “quanto mais andamos, mais longe estamos, porque a ponte não existe e não é possível caminhar sobre a água”, assim a autora inferiu poeticamente o seu estudo.



[1] Doutoranda em Letras e Linguística, na área de Estudos Literários- UFG – Faculdade de Letras. Bolsista do CNPq. Resenha produzida a partir da disciplina “O conto africano de língua portuguesa: literatura, história e sociedade", ministrada pela Profª. Drª. Marilúcia Mendes Ramos.