Nota: Ronald Rahal é um grande autor de ficção científica "hard", dos mais prolíficos no Brasil e com vários livros - como "Regresso da máquina do tempo", "Superposição" e "Somente um dia" - publicados na editora-livraria  virtual Agbook. Este seu trabalho é uma continuação de um conto meu que abre um novo universo ficcional, e já publicado nesta coluna. Ronald imprime, é claro, o seu toque pessoal na interpretação da trama e das personagens. 

 

Linha temporal alternativa do Moinho e o Tempo.

Um conto de Ronald Rahal baseado num original de Miguel Carqueija.

                                 

 

           

                                       Capítulo I – Súbito encontro.

 

Elmo Medeiros aguardava pacientemente a chegada das cápsulas pneumáticas que permitiam em cada uma, o transporte confortável de 30 pessoas. Mesmo se sucedendo em intervalos curtos, em grupos de vinte ou mais unidades conectadas, o grande número de passageiros às vezes ultrapassava a capacidade de cada cápsula, ocupando todos os assentos disponíveis, obrigando-os muitas vezes a viajarem em pé. Para aqueles que podiam dispor dos assentos o trajeto em si tinha as suas recompensações, pois, mesmo a altas velocidades, ainda eram possíveis se ver, das amplas janelas da cápsula climatizada, as copas das árvores que se sucediam vertiginosamente. Reflexos da política de reflorestamento que se traduziam no extenso jardim que ladeava o vasto tubo por onde circulavam as cadeias de cápsulas.

Assim que pararam na plataforma de embarque, ele caminhou na direção da porta móvel de vidro para entrar na mais próxima e conseguir seu assento. Mas não conseguiu avançar muito. Dois homens sobriamente vestidos e portando óculos se adiantaram, barrando seu caminho.

- Senhor Elmo Medeiros? – perguntou um deles, sem demonstrar qualquer emoção na voz.

- Sim. Por quê?

- Poderia nos acompanhar, por favor?

- Posso saber quem são vocês e o que querem?

Atônito com a presença daqueles dois estranhos tentou se afastar, mas os dois o ladearam, segurando-o pelos braços e afastando-o da cápsula.

- Ei?  Vocês me fizeram perder minha condução! Se não me soltarem, chamarei os seguranças!

Os dois estranhos não se intimidaram e o forçaram a caminhar na direção contrária da plataforma.

- Para onde estão me levando?

Ele tentou soltar-se de um deles, mas o homem parecia ter uma força descomunal. Sentiu o aperto em seu braço que lhe causava desconforto.

- Ei. Ei. Ei! Devagar aí! Você está me machucando! Solte-me!

Alguns dos passageiros começaram a perceber que havia alguma coisa errada e fizeram sinal para os dois seguranças que circulavam pela plataforma apontando para a atitude suspeita dos dois homens. Imediatamente os encarregados rumaram na direção dos três. Mas não avançaram muito. Os dois estranhos, quase que ao mesmo tempo, sacaram dois pequenos cilindros e os apontaram na direção dos seguranças.

Um fino feixe de energia partiu de cada cilindro, atingindo-os. Um pequeno campo azulado os envolveu fazendo-os tombar inconscientes.

O susto foi geral e muitos passageiros que aguardavam na plataforma, ao verem aquela cena, correram para se afastar daquele tumulto com medo de serem atingidos também.

Como se nada de anormal tivesse acontecido, os dois estranhos continuaram arrastando Elmo, sem se preocuparem com a correria dos passageiros, nem mesmo com o alerta dado pela segurança que vigiava a estação, pedido reforço.

De repente, saindo do meio da multidão apavorada, caminhando resolutamente na direção dos três, ouviu-se uma voz feminina.

-Soltem-no! Agora!

Elmo olhou para aquela mulher estranha, de pele morena, com um estranho chapéu na cabeça, que apontava outro daqueles estranhos cilindros na sua direção.

- Soltem-no, já disse!

Os dois homens afrouxaram a pressão das mãos sobre seus braços e fizeram um movimento para disparar na direção dela. Mas a mulher foi mais rápida e com exímia pontaria os acertou, provocando nos seus corpos, a mesma reação que ocorrera nos dois seguranças.

Elmo ficou parado ali, sem entender o que estava acontecendo.

Ela correu para ele e lhe fez uma pergunta: - Elmo? Você está bem?

- Sim! Sim! A-Acho que sim! Só não sei o que está acontecendo! Como você sabe meu nome! Já fomos apresentados antes?

- Não, Elmo. De certo modo não! Na verdade é uma longa história. Depois lhe explico em detalhes tudo que quiser saber. Mas agora, mova-se! Temos que sair daqui antes que cheguem mais deles.

- Mais deles, quem?

- Mais desses aí que derrubei. Ainda bem que cheguei a tempo de evitar que o matassem.

- O quê? Matar-me? Que foi que fiz?

- Você nem imagina, Elmo! Mas isso faz parte agora de outra linha temporal.

- Linha temporal? Outra...? Eu... Não estou entendendo...

Ela estendeu o braço, o envolvendo delicadamente, dando-lhe pouca chance de retrucar. – Venha comigo. Explico tudo isso, assim que sairmos daqui.

Elmo hesitou por alguns segundos. As coisas estavam correndo depressa demais para o seu gosto. E não sabia exatamente o que aconteceria depois que a mulher o abraçasse. Primeiro a aparição daqueles dois brutamontes, parecendo agentes secretos, querendo-o levar para lugar desconhecido e agora uma mulher, desconhecida também, querendo salvá-lo. Estaria numa espécie de sonho?

- Posso ao menos saber o que pretende fazer? Não gosto muito de surpresas...

- Pretendo transportá-lo para bem longe deste lugar.

- Mas você está me levando para o lado contrário da plataforma! Vamos pegar outra condução? É isso?

- Shiuuu... Estamos perdendo tempo. Venha.

Antes que Elmo pudesse se esgueirar do seu abraço, a estranha mulher foi mais rápida do que os acontecimentos que ocorreriam ali, caso continuassem no mesmo lugar, ou tempo-espaço. Ela tirou outro aparelho de sua bolsa e uma pequena esfera de energia avermelhada envolveu os dois.

Atônito com mais aquele acontecimento, ele viu a plataforma desaparecer e enquanto ocorria a mudança de cenário, ainda conseguiu ver a chegada de mais daqueles homens parecidos com os dois que a mulher pusera fora de ação, apontando alguma coisa na sua direção. Mas o efeito do artefato da mulher foi mais rápido, conseguindo livrar-se deles e sentiu-se bastante aliviado por vê-los desaparecer junto com todo cenário da estação. No mesmo tempo que a cena desaparecia outra começava a firmar-se, deixando-o assombrado. Ele se viu diante de uma extensa campina, afastada de qualquer área urbana. Fazia muito calor e não se via qualquer sinal de construção, estradas ou atividade aérea. Apenas um silêncio que nunca presenciara antes, cortado aqui e ali, por canto de pássaros ou o rugir de alguma fera afastada.

 

                                       

                                      

                                                Capítulo II – Ilith.

 

- Ufa! Escapamos! – Disse ela. – Foi por pouco!

- Como? Como... Fez isso? Onde estamos? – perguntou Elmo boquiaberto.

- Sei que se tivesse resolvido lhe explicar naquele lugar tudo o que me perguntava, provavelmente tombaria morto antes de entender minhas explicações. Aqui, por enquanto, temos todo o tempo do mundo para conversarmos.

- Espero que aqui possa me explicar então tudo. Tudo ouviu?  Primeiro: onde é esse “aqui”? Segundo: porque querem me matar? Terceiro: quem são aqueles homens? Por último: quem é você e de que jeito ou como me trouxe para esse “aqui”?

- Esse “aqui” é o que você chama de seu país, o Brasil, numa era geológica passada, quando era uma grande ilha, como será no futuro a Austrália.

- Hã? Certo. Ilha. Austrália. E porque querem me matar?

- É uma longa história. Seu mundo corre perigo. Já que consegui salvá-lo uma vez e estou tentando salvá-lo de novo.

- Certo. Quer dizer... Eu ou o país?

- Ah...! Ambos! Já que seus destinos estão interligados.

- E aqueles homens...? Quem eram? Bastante truculentos por sinal.

- Eles são aliados de uma raça alienígena que pretende simplesmente dominar seu mundo e escravizar seu povo, colocando certos indivíduos escolhidos, como seus intermediários.

- Uau! E onde eu entro nessa história?

- Quando lhe disse que era uma longa história, é mesmo. Então para resumir, apenas vou lhe contar o essencial: você e mais alguns da sua espécie foram programados para me acordar numa determinada data temporal, para que eu possa impedir que isso aconteça.

- Espera ai! Como te acordar se você está aqui? Que brincadeira é essa?

- Estes paradoxos são comuns quando se viaja pelo tempo. Para quem não está acostumado é muito comum essa confusão. Você até hoje viveu numa linearilidade: passado, presente e futuro. No meu caso elas se alternam; se bifurcam; enfim é melhor ir se habituando aos poucos.

- Certo! Bem. Posso supor que este é meu futuro e que a estação foi meu passado, correto?

- Na verdade é essa a impressão. Mas é errônea. O correto é afirmar que você se deslocou para um passado aonde você ainda não veio a existir. Melhor: nem a raça humana ainda existe.

- Mas se ela não existe como posso estar aqui? Não viola o principio da causa e do efeito?

- Precisaria lhe explicar em termos matemáticos e físicos, mas acho melhor deixarmos para depois esses detalhes. O importante é que está aqui, são e salvo.

Elmo tentou assimilar o que a mulher lhe dizia e percebeu que demoraria muito tempo para entender. Então mudou de assunto.

- Aproveitando a sua presença, posso lhe perguntar uma coisa, que vem me incomodando há bastante tempo?

- Claro. Seria sobre...?

- Eu às vezes tenho um sono agitado. Até cheguei a procurar um psicólogo, mas nem ele conseguiu encontrar uma explicação. Talvez você consiga, já que parece saber tantas coisas a meu respeito que nem eu sei.

- Fale então!

- É sobre algumas visões recorrentes que ando tendo em meus sonhos. De um moinho e uma ampulheta?

- Há! Sim! É o sinal implantado em sua mente para se locomover até onde estou e me acordar para salvá-los.

- Olhe... Eh...

- Ilith. Meu nome é Ilith.

- Sei. Ilith. Então é isso? Um código inserido em minha mente, para acordá-la? Por quem? Não me lembro disso! E essa história de acordá-la – como é possível estar dormindo, ou seja, lá, como se chama isso, se está aqui comigo? – está parecendo mais um conto no estilo da Branca de Neve. Aliás, seu rosto lembra a da personagem deste conto. Algo implausível. O que me faz acreditar que eu ainda não estou convencido do que está me falando! Apesar de que estou pasmo com a mudança de cenário e tudo mais com relação ao seu aspecto. Ou...

- Ou o quê?

- Pode ser apenas um truque de teletransporte para me impressionar. Sei que alguns centros de pesquisa estão trabalhando nisso, hoje em dia. É isso? Estou sendo vítima de um teste?

- Elmo. Escute! Pode parecer tudo isso que disse. Até o conto infantil. Mas é bem diferente. Na verdade em determinado tempo, ou melhor, durante muito tempo, bem antes de criarem a sua civilização fui colocada em estase. Fui deixada assim para passar despercebida a uma raça de seres alienígenas. Para somente ser tirada dele e ajudá-los no momento adequado, que é justamente este do qual está participando.

- Certo. E como vim parar aqui?

- Estou usando um transportador temporal, tecnologia comum em meu planeta de origem. Algo que ainda demorará muito para conseguirem.

- Sei. Um transportador temporal...

- Só que minha ação para salvar sua vida e de outros, que ainda terei de salvar, criou outra linha temporal. Não me resta outra opção se não a de criar estas linhas para que possam me despertar.

- Que linha temporal? Do que você está falando? Que outros? E outra coisa. Quem é você afinal?

- Eu já lhe respondi. Sou a salvação do seu planeta.

- Mas... Como?

- Olhe. Esta é minha forma original... Acredita agora?

A mulher retirou a peruca negra que usava e mostrou sua cabeça desnuda. Elmo arregalou os olhos. No lugar onde deveriam existir cabelos havia uma série de reentrâncias e na frente, duas minúsculas antenas. A cor da pele era azulada e escamosa, completamente inumana. Por instantes aquela visão o deixou atordoado.

- Acredita agora? Responda!

Elmo apenas confirmou com um meneio da cabeça.

- Eu só adotei a forma humana para esta missão aqui em seu mundo. Mesmo assim não conseguimos reproduzir com perfeição a pelugem de sua espécie. Mas são detalhes contornáveis. O que importa é que a galáxia trava há vários séculos uma guerra entre duas forças. Ela ocorre tanto no tempo como no espaço.

- Eu... Não sei o que dizer.

- Consegui em outra linha temporal, derrotar essas forças com sua ajuda e a de mais quatro humanos.  Mas como já lhe disse, lutamos também pelo tempo. E eles fazem o mesmo. Então estão tentando modificar as linhas temporais de modo a impedir que me tirem da estase e consiga derrotá-los.

- Sei. Aliás. Não sei. É muito confuso...

- Precisamos salvar esses quatro humanos de forma que todos atendam a uma mensagem subliminar que um dispositivo de nosso mundo colocou na mente de cada um.  Caso isso não ocorra, a outra linha temporal prevalecerá e esta linha deixará de existir. Entende?

- Ah! Não! Não estou entendendo nada!

- Olhe! Sei que seu mundo ainda não está preparado para nossa tecnologia. Por isso é natural essa reação. Mas confie em mim.

- Preciso mesmo?

- Sim. Agora é necessário que me acompanhe.

- Para onde?

- Para o mesmo sistema de cápsulas que ia tomar para ir ao seu trabalho. Há uma passageira de nome Lidiane que você conheceria em outra linha temporal.  Mas agora se conhecerão de outra forma.

- Como pretende fazer isso?

Ela o olhou e pensou por alguns segundos.

- Não estou bem certa de qual estação escolher para encontrá-la. O percurso da linha é grande.

- Eu tenho uma idéia, - disse ele.

- Qual?

- Bem, se é correto que naquela linha temporal nós íamos nos encontrar, deve ser em qualquer uma das estações, depois daquela que você me arrastou.

- Eu te salvei! Não te arrastei! Nunca esqueça isso!

- Tá! Obrigado! Existem vinte estações depois daquela que me encontrou. Então vamos tentar a primeira e se não der certo, vamos tentando as outras.

-Muito bem. – disse ela, fazendo um pequeno ajuste no aparelho. – Fique perto de mim.

 

                                        

 

Capitulo III – Lidiane.

 

Da mesma forma que a paisagem mudara repentinamente, o cenário transformou-se numa das conhecidas estações de transporte de cápsulas que Elmo costumava utilizar para ir ao trabalho. Simplesmente seus corpos foram envolvidos pela nova realidade espaço-temporal como se nunca a tivessem deixado. O transporte harmônico quase passou despercebido pelos frequentadores do lugar que apenas sentiram um leve tremeluzir nos fótons que incidiam sobre suas retinas refletidas pelos corpos dos dois. Um acontecimento que mal levou milésimos de segundos.

- Estou curioso, - perguntou Elmo. – Ninguém vê a nossa chegada ou partida?

- Não. – respondeu Ilith. - O aparelho nos insere no tempo de forma que provoca pouca perturbação no tecido da realidade. E o mesmo se dá quando precisamos nos retirar. Os únicos a perceberem, por meio de seus aparelhos, são os alienígenas e seus aliados humanos, alguns dos quais já se apresentaram a você...

Ela parou de falar bruscamente e fez um sinal para que ficasse atento. - Espere.

- O que foi?

- Eles estão aqui?

- Quem?

- Os homens que fazem parte do grupo que trabalham para essas forças invasoras.

- Como sabe?

- Este aparelho apesar de pequeno é repleto de recursos. Funciona como detector de interseção temporal. Quando ela ocorre aqui na Terra, sabemos que só podem ter duas origens: membros da minha espécie e dos nossos aliados humanos, ou da outra parte. E cada qual possui uma assinatura característica. E pelo que noto aqui, não são dos nossos, os velkianos. Isto significa que a mulher que procuramos deve estar nas proximidades. Sabem que ela faz parte do grupo que irá me tirar da estase e querem evitar que se reúna a nós.

A estação era grande, como tudo o mais que compunha aquele sistema de transporte coletivo imenso e se Ilith sabia a quem procurar, o mesmo não se dava com ele, já que na nova linha temporal, ainda não a conhecera, a não ser através do que a velkiana comentara sobre a tal mulher que faria, ou fez parte do grupo. Por isso, simplesmente a acompanhou, curioso para saber quem ela era afinal.

- Ali! – apontou Ilith. – Ali! Vê aquela mulher de cabelo vermelho? É ela, Lidiane! Droga! Chegaram antes de nós. Vamos!

- Ei. Espere! Como vou ajudar se não tenho arma alguma?

Ela parou e o olhou. – Tem razão. Tome. É só mirar e apertar aqui. Viu?

- Então vamos! – disse Elmo, sentindo a adrenalina do momento.

A mulher de cabelo vermelho estava sendo pressionada a acompanhar os aliados humanos, de forma a não chamar a atenção dos seguranças que rondavam cada plataforma, ou despertar a atenção dos monitores das câmeras de vigilância.

- Vamos, - disse Ilith. – Aproxime-se dos homens que a ladeiam. Finja que vamos somente cruzar com eles. Mantenha a arma que lhe dei, escondida. Só a use quando eu mandar.

Os dois se apressaram e assim que ficaram lado a lado, ela gritou. – Agora!

Os homens que conduziam a mulher tombaram inertes assim que foram atingidos pelas armas de Ilith e Elmo, provocando confusão entre os usuários, pelo estranho campo que os envolveu. A mulher que até aquele momento estava sendo forçada a acompanhá-los, hesitou quanto ao que deveria fazer, já que, como Elmo da primeira vez, não compreendia o que se passava. Mas antes que tomasse qualquer iniciativa, Ilith deu uma ordem para Elmo.

- Rápido! Segure-a!

Antes que a mulher de cabelo vermelho pudesse esboçar qualquer reação, saindo do entorpecimento da situação, o cenário mudou para a extensa campina.                                   

- O quê?... Diabos! Quem são vocês? Como vim parar aqui?

Elmo se adiantou, com uma expressão resignada. – Fique calma, Lidiane. Não queremos lhe fazer mal algum. Ela vai lhe explicar tudo. Não vai, Ilith?

- Como? Como, sabem meu nome? Quem são vocês? O que querem de mim?

- Já lhe disse, Lidiane. Ela lhe explicará tudo. Aliás, nem eu sabia o seu nome poucos minutos atrás. - retorquiu Elmo.

Em pouco tempo aquele ser com aspecto de uma mulher delicada que lhe salvara a vida, calmamente explicou a Lidiane o que esta precisava saber. Nem tudo ficou claro para ela, assim como não ficara claro para Elmo. Havia mais perguntas do que respostas. Mas pelo menos ela entendeu o principal. Que aqueles homens pretendiam matá-la, como já tinham tentado com ele. Para ser mais exato, não só com relação aos dois, mas a um total de cinco pessoas, três das quais ainda não conheciam. E a razão dessas tentativas devia-se ao fato de portarem uma mensagem subliminar inculcadas em suas mentes na forma de um moinho e de uma ampulheta, por um dispositivo deixado na Terra pelo mundo de Ilith.  Durante milhares de anos, este artefato esperara o momento certo de colocar as mensagens nos cinco humanos escolhidos para despertá-la da estase onde fora colocada por seu povo há muito tempo atrás. Assim que a tirassem daquele estado de animação suspensa ela defenderia a Terra de uma invasão alienígena.

Ilith complementou as explicações a Lidiane, dizendo-se representante da raça Velka de um planeta chamado Ifênio, que lutava contra a confederação Sbug ou os reptantes. Na verdade o último nome era uma abreviação de Sbugnatharianos que reunia os planetas mais expansionistas da nossa Galáxia e cujas formas seriam irreconhecíveis pelos nossos padrões de vida, assim como era o dela. Por questões estratégicas ela fora enviada milênios antes do nosso tempo para passar despercebida aos sensores do inimigo. E perto de ser acordada, e por conhecer pouco de nossa cultura, o maquinário que a mantinha assim e que fora responsável pelas mensagens subliminares, para não assustar os humanos, optara pela imagem familiar de uma princesa de um de nossos contos de fadas. Exceto pelas antenas.  

Mas o momento de despertarem-na ainda não acontecera e para que isso se realizasse havia mais três pessoas que deveriam ser juntar a eles; Lidia, Jeremias e Jonathan.  Isto porque, como já lhes contara, cada um possuía parte da mensagem subliminar fornecida pela máquina, na forma de uma ampulheta e de um moinho.  Somente quando os cinco entrassem no interior da instalação, que fora camuflada com a aparência de um velho moinho, o dispositivo seria acionado, despertando-a do seu longo sono milenar para ajudar a Terra. 

Segundo Ilith, na linha temporal original, o encontro com a segunda mulher ocorrera numa loja de histórias em quadrinhos e depois com os dois outros homens, um velho e um angolano, numa torre de abastecimento de aerocarros.  Mas seus inimigos estavam bem preparados para evitar seu despertar e faziam também suas incursões pelo tempo com esse propósito.

Na primeira linha temporal onde todos haviam se encontrado em locais diferentes, suas ações tinham deixado marcas no fluxo temporal e isto fora alterado pelos inimigos da Terra. Voltar a eles estava fora de cogitação, pois estariam bem vigiados. O essencial era agir em outro lugar de forma a evitar a morte das três pessoas que ainda não conheciam.

- Bem, é isso tudo, por enquanto. – disse Ilith, pondo fim à explicação. Estava claro que as palavras esclareciam uma série de coisas aos dois, que até então, não compreendiam, entre elas as visões recorrentes nos sonhos, do moinho e da ampulheta. Mas o que se seguiria para encontrar e trazer as três pessoas desconhecidas, lhes fugia completamente.

 - Não desanimem. Eu também tenho meus recursos, - disse ela. - Farei uma pesquisa biométrica de cada uma delas e cruzarei as respectivas coordenadas espaços-temporais. Minha intenção é descobrir onde cada uma delas estará num determinado momento bem afastado do encontro original. É uma forma de burlar os planos dos nossos inimigos.

- Mas eles também não têm esse equipamento? – retrucou Lidiane. – Não poderiam se antecipar aos nossos movimentos, do mesmo jeito que está fazendo?

- Sim. Estou a par disso. Mas há um detalhe. Não podem prever com exatidão onde entraremos no fluxo temporal daquela linha. Precisariam de um enorme exército para cobrir todo o tempo de existência de cada um. Essa é a fraqueza deles, que devemos explorar.

A mulher pegou um estranho aparelho que parecia um pequeno livro. Na verdade só se parecia com um e o pressionou. De imediato séries de figuras geométricas apareceram e ela começou a justapô-las de uma forma tão rápida, que era quase impossível acompanhar o movimento dos seus dedos.

- Achei um deles! - exclamou. - Vamos trazê-lo para esse lugar.

- Quem é? – perguntou Elmo.

 – Eu ainda não estou certa, já que há muita interferência. Sei apenas que é um dos dois homens que faltam. Vamos! Se aproximem!

 

                                           

 

                                  Capítulo IV - Jonathan

 

Mal Ilith acabara de falar e a paisagem já era outra. Agora os três estavam numa rua estreita e íngreme que ladeava um dos morros da cidade. O dia cedera o lugar à noite e chovia muito. Por alguns segundos, com exceção da velkaniana, Elmo e Lidiane hesitaram sem saber o que deveriam fazer para se proteger da chuva. Era um daqueles inconvenientes que todos estavam sujeitos e não havia tempo para procurar um lugar que vendesse guarda-chuvas. O melhor a fazer seria procurar proteção próxima às paredes das casas. Mas se era para salvar a Terra, aquele contratempo era a menor das suas preocupações.

- Consegue saber para onde devemos ir, Ilith? Se devemos subir ou descer a rua? – perguntou Elmo, passando a mão no rosto molhado.

- Deixe-me ver.  – disse ela, olhando o visor que emitia uma suave luz azulada. – Para cima. Devemos seguir esse caminho, para lá. Para o alto. Acompanhem-me!

Os três seguiram na direção que o instrumento indicava. À medida que caminhavam, tinham que evitar as enxurradas que desciam pela rua seguindo os ditames da velha gravidade. Em alguns casos a água, conforme se chocava com algum obstáculo, criava pequenas colunas que tinham que contornar também para não ficarem com os sapatos e meias encharcadas. O quadro era típico daquela região, sempre visitada por tempestades tropicais, acompanhadas por relâmpagos e tonitruantes trovões. Além disso, um forte vento fustigava o corpo de todos. Mas essa situação parecia não incomodar Ilith.

- É aqui. Nesta casa. – disse ela, sempre prestando atenção no aparelho que respingava a água da chuva. - Mas...

- Mas o que? – Perguntou Lidiane. – Precisamos sair debaixo desta chuva, o quanto antes.

Mal ela acabou de falar e um relâmpago, seguido de forte estampido, a fez encolher-se.

- Devemos nos abrigar em qualquer lugar, se não for essa a rua. Nunca gostei de ficar exposta a estas descargas elétricas. – prosseguiu Lidiane.

- Não! – retrucou a mulher. – É aqui mesmo. – Olhando para o visor molhado.

- Então o que estamos esperando? – disse por sua vez, Elmo.

- O sensor. Há mais alguma coisa dentro daquela casa.

- O que? – perguntou Lidiane.

- Já sei. Consegui identificar... Está esperando por nós...

- Então... Vamos sair desta chuva. – disse Elmo. – E entrar e resolver isso logo?

- Se entrar, morrerá em segundos.

- Como? – disse Elmo, franzindo a testa.

- O homem está lá. Mas é uma isca. Há lá dentro, um Ronto.

- Ronto?

- Ronto?

- É uma espécie de... Como posso comparar? De um animal feroz, usado no mundo dos Sbugs para capturar inimigos. É a forma como procuram limitar os movimentos de seus prisioneiros. Se entrarmos, a primeira coisa que fará, será nos trucidar.

- Isto significa que chegaram antes de nós?

- Exato. E montaram uma armadilha para nos pegar.

- Podemos voltar no tempo? Num outro dia? Antes de estes Sbugs aprisionarem este outro homem que diz fazer parte do nosso grupo? Ou usar essas armas que carregamos? - Perguntou Elmo.

- Não entendem que o que menos temos é tempo. Vamos perder muito dele, procurando por outro dia. Além disso, os Rontos são rápidos demais. É preciso muita calma para atirar sem errar. – Retrucou Ilith.

- Bem, e o que vamos fazer então? – perguntou Elmo.

Ela pensou um pouco. – Já sei. Mas terá de confiar em mim.

- O que devo fazer?

- Apesar de fortes e rápidos, estes bichos são muito estúpidos. Só conseguem se concentrar numa coisa de cada vez.

Ela lhe entregou um pequeno objeto. – Preste atenção. Só vou falar uma vez. Está vendo este botão. Aperte na hora que se encontrar diante dele. Assim que o vir e perceber que ele o viu, aperte-o sem hesitação. Sua vida depende disso. Ele fará com que avance no tempo. Então aperte o botão uma, duas, quantas vezes precisar até vê-lo morto por mim.

- O que? Vai me fazer de isca? Como uma refeição de outro planeta?

Ela se virou para Lidiane. – Você o faria?

A mulher toda encharcada apenas olhou para ela. – O que tenho que apertar mesmo?

Elmo se sentiu um idiota e pior, covarde. Não podia permitir que ela fizesse o que Ilith lhe pedira. Talvez até viesse a se arrepender mais tarde desta decisão. Resignado adiantou-se. – Ok! Eu vou!

- Ótimo! – disse Ilith. – Já está programado para vários teleportes, num raio de poucos metros. Como disse, só pare de apertar depois de vê-lo morto. Pronto?

Elmo balançou a cabeça negativamente. Ele nunca estaria pronto. Pelo menos morreria como herói. Não era assim que as coisas transcorriam com a maioria deles?

- Agora!

No mesmo instante, o cenário mudou para uma sala e viu de relance um homem negro amarrado e amordaçado numa cadeira. E viu também a criatura, que parecia alguma coisa vinda diretamente do inferno. Ela o viu também e avançou na sua direção. Ele só teve tempo de apertar o botão. E fez isso várias vezes. Cada vez que o fazia ele se via numa parte diferente da sala até que na última vez, viu também Ilith, Lidiane e a criatura estendida no chão.

- Pronto, Elmo. Pode estabilizar. Não temos muito tempo. Ajude-me a soltá-lo.

O terror estampado na face do homem negro era evidente.

- Quem são vocês? Que coisa é essa?

Ilith aproximou-se dele e começou a desamarrá-lo. – Deixe as perguntas para depois.

Mal Ilith acabou de proferir a última sentença e uma espécie de círculo começou a se formar na sala.

- Rápido! – disse. – São eles! Já perceberam nossa presença! Juntem-se todos!

Em segundos os quatro tinham deixado a sala e a noite chuvosa para trás. Estavam de volta à mesma extensa campina. Pelo menos não chovia, apesar de estarem todos encharcados.

O homem negro ficou estático. – Mas que diabos... ! Onde estou?  Quem são vocês? O que era aquela coisa que deixaram na sala da minha casa? E quem são aqueles homens que me amarraram?

- Você é o...? - perguntou Elmo.

- Eu sou o Jonathan. Jonathan Gomes. Um angolano radicado no Brasil. E vocês? São quem, afinal? Será que podem responder minhas perguntas?

- No devido tempo, meu amigo. Eu sou Elmo, esta é Lidiane e esta aqui é a nossa salvadora de outro mundo: Ilith.

- Ilith? Que nome estranho?

- Não mais que seu mundo, meu jovem. – disse ela. - Há muitas coisas daqui que ainda não entendo. Suas crenças. A ideia de se imaginarem as únicas criaturas inteligentes do Universo. Mas creio que seja natural nesta fase em que seu planeta se encontra. Ainda têm muito que aprender.  

- Por que me trouxeram? Ah! Desculpem-me. Nem agradeci.

- Não tem de que, Jonathan. – disse Ilith.

- Bem. O que era aquela coisa e quem eram aqueles homens? – perguntou Jonathan.

- Elmo, sua vez. – disse Ilith.

- Jonathan... – suspirou ele. - Sei que deve ter um monte de perguntas para nos fazer. Mas vou lhe contar só o essencial.

- Certo. Sou todo ouvido...

- Você, eu e Lidiane, mais outro homem e outra mulher, que ainda não conhecemos, fazemos parte de um grupo que irá tirar de uma espécie de animação suspensa, essa mulher aqui que chamamos de Ilith.

- Até ai entendi. Mas porque precisamos acordá-la se ela está aqui, diante de nós? E o que aqueles homens têm a ver com isso?

- É complicado, Jonathan. Muito complicado mesmo. Na verdade esta Ilith que aqui vê, de alguma forma, se origina de um futuro onde a acordaremos. – Ele olhou para a alienígena, indeciso se devia continuar ou não. – É isso, Ilith?

- Continue. Está perfeito... – Respondeu ela.

- Ah! Não entendi... – Disse por sua vez Jonathan. – Ela está aqui, mas não está por que é do futuro?

- Bem. O tempo, quando ainda não aprendemos a viajar por ele, prega esses tipos de peça às mentes não acostumadas. Talvez entenda na prática, assim que começar a nos acompanhar.

- Acompanhar? Para onde?

- Para um moinho. Lembra-se de alguma coisa, que vem sempre à sua mente?

- Não... Eu... Espere! Um moinho e uma ampulheta? O que significam afinal? Sempre sonho com os dois! Pensei que tinha algum problema psicológico...

- Significa que por trás dessas imagens esconde-se parte de uma mensagem que deve me acordar. – disse Ilith.

- Como?

- No momento certo, saberão. Um momento no futuro de vocês, que estou tentando manter e afastar de nossos inimigos.

- Inimigos?

- Aqueles que tentaram impedir que se juntasse a nós.

- Então a razão de me aprisionarem era essa?

- Sim. – Disse Elmo. – Eles são aliados de alienígenas que pretendem invadir a Terra.

Jonathan ainda tentando absorver o que tinham lhe contado, olhou o lugar ao seu redor. – Mas que campina linda! Que lugar é esse? Fica no Brasil?

- Sim. Mas não é no Brasil que conhecem. – disse Ilith. - Regredi no tempo para uma época em que a America do Sul era uma ilha habitada por marsupiais e enormes aves. Parece ser um lugar tranquilo, mas isso é aparente. Acredito que aqui estamos longe dos sensores de nossos inimigos. Mas aqui tem seus próprios perigos.

- Já esteve aqui antes, Ilith? – perguntou Elmo.

- Sim. Quando procurava um lugar para nos escondermos.

- Cuidado! - Gritou Lidiane.

Todos olharam na direção que ela apontava e viram um grupo de aves, cujo tamanho superava a de um homem comum, avançando rapidamente na direção deles. Ilith foi a primeira a reagir.

- Rápido! Juntem-se todos! Não adianta correr. Logo nos alcançariam.

- O que pretende fazer? – berrou Elmo, sentido o coração acelerar com a visão de tão horrendas criaturas.

- Vou pular alguns anos no tempo. Assim ficaremos livres delas.

Quando a primeira ave estava quase já os alcançado, pronta para lhes atacar com seu enorme bico e poderosas pernas, eles se viram no mesmo lugar, livres daqueles dinossauros revividos.

- Uau! Foi por pouco! –desabafou Elmo. - Não sabia que esta terra abrigara criaturas tão perigosas!

- E agora? – perguntou Lidiane. - O que você pretende fazer?

- Há ainda duas pessoas que ainda tenho que resgatar. Ou melhor. Nós temos. E o pior virá depois.

- Por quê? – perguntou Jonathan.

- Depois que estivermos todos a salvos, juntos, deveremos encontrar um meio de voltar ao moinho para que me tirem da estase.

- Bem. – disse Elmo. – Uma coisa de cada vez. Quem é o próximo que devemos salvar?

Ela olhou os seus pequenos, mas potentes instrumentos e começou a manipulá-lo por alguns minutos.

- Pronto! Achei! É a última mulher do grupo. Lidia. Uma artista.

- Uau! Uma artista! – disse Elmo. – E depois? Iremos ao encontro de algum cientista importante?

- Não. A máquina que escolheu os cinco humanos guia-se por outros critérios.

- Ah! Entendo. – disse Elmo constrangido.

- Desta vez, faremos o contato um ano antes de vocês se conhecerem, para evitarmos os Sbugs e seus aliados terrestres. – continuou Ilith.

 - Estou curioso com uma coisa, - resmungou Elmo. – Como a máquina fez para incutir em nossas mentes essas mensagens?

- É um pouco complicado, Elmo. Ela utilizou um projetor de ondas que procurou entre bilhões de mentes de seu mundo aquelas mais receptivas e qualificadas para me tirar da estase.

- Onde ela está afinal? – perguntou Jonathan.

- Bem, - respondeu Ilith, - apesar de na outra linha temporal, já terem conhecido o interior da máquina que utilizava projeções tridimensionais para passar despercebida aos nossos inimigos como um moinho, nesta linha alternativa que criei vocês ainda não o encontraram. Mas não se preocupem. Quando chegar o momento saberão o que devem fazer.

- Então deveremos salvar primeiro a Lidia? E depois o último homem que falta? – perguntou Lidiane.

- Exato. Apesar de ser um ano antes, não devemos baixar nossa guarda. Nossos inimigos possuem muitos recursos e são imprevisíveis.

De repente vários círculos tremeluzentes começaram a se formar em torno deles. Todos se espantaram menos Ilith.

- O que é isso, Ilith? – perguntou Elmo.

- São eles, os Sbug! Conseguiram me rastrear até aqui!

- E agora? O que faremos?

- Deixem-me pensar. - disse ela.

- Lidiane, Elmo e Jonathan. Tomem estes dispositivos. Disparem contra qualquer coisa que sair do circulo. Não hesitem.

- Como funcionam estes dispositivos? Como podem ser tão potentes sendo tão pequenos quanto uma caneta?

- Não se deixem enganar pelo tamanho. São mais poderosos que seus armamentos primitivos à base de pólvora.

O primeiro Sbug de verdade saiu de um dos círculos e estava com uma espécie de roupa para protegê-lo da atmosfera venenosa da Terra. Seu aspecto era repugnante e parecia mais uma criatura saída de algum pesadelo.

Os três não hesitaram. Miraram e dispararam nos círculos que tinham se formado.

Três feixes cortaram seu corpo, que caiu aos pedaços no chão ainda se recontorcendo.

Depois veio outro e mais outro, e uma pilha começou a se formar no chão.

- Ilith! – gritou Lidiane. – Eles não param de chegar!

- Afastam-se!  - disse ela, jogando no circulo um objeto redondo.

Foi como jogar fogo em álcool. Os círculos tremeluziram e se encolheram despedaçando os corpos dos últimos alienígenas que tentavam sair.

- Pronto! – disse ela. – Selei os buracos de verme deste lado. Agora não poderão nos alcançar. Sabem onde estamos, mas sem essa porta, não podem nos alcançar.  Mas farão outras e virão atrás de nós. Vamos ter que nos mudar para outro lugar.

Jonathan se aproximou dos corpos e agachou-se para olhá-los melhor.

- São todos assim de onde você vem?

- Não. Claro que não. São muitos diferentes uns dos outros e cada planeta é produto de uma evolução randômica.  Eu mesmo fui adaptada para poder ficar aqui.

- Algum dia poderemos ver sua verdadeira forma? – perguntou Lidiane.

- Creio que é melhor se lembrarem de mim, deste jeito. Suponho que ainda não estão preparados para ver formas de vida totalmente diferentes dos padrões terrestres.

- Mas você é feia? É bonita? – insistiu Lidiane.

- Depende. Nosso conceito de beleza é diferente do seu. Não estou bem certa se pelos nossos padrões seria considerada como tal.

- Bem, o que vamos fazer? – perguntou Jonathan.

- Vamos primeiro nos mudar para outro tempo. Para o futuro.  E depois procurar pela mulher chamada Lidia.

Ela consultou seu aparelho e por fim encontrou o período desejado. Dez milhões de anos no futuro.

Elmo refletiu para onde iriam daquela vez. Para um lugar desconhecido que nunca havia ouvido falar e depois para um encontro com uma mulher que ainda não conheciam, mas que segundo Ilith, já se conheciam.

- Bem. Fiquem todos juntos de novo. – disse ela mais uma vez.  

 

                                             

 

                                           Capitulo V – Lidia e o Futuro

 

A campina onde estavam imediatamente mudou para uma selva. Mas não era aquele cenário que conheciam de filmes e documentários sobre o Amazonas, sobre a África ou mesmo do Sudeste Asiático. A flora era diferente. E os sons que ouviam também.

- Cuidado! – disse Ilith. – Este ambiente é do futuro de seu planeta. E é bem perigoso.

- Já esteve aqui antes? – perguntou Elmo.

- Só duas vezes. – respondeu ela. – Quando procurava um lugar no tempo e no espaço para servir como refúgio. Descobri que há aqui formas de vidas muito perigosas, em vários níveis desta selva. Por isso desisti de ficar aqui. Mas só retornei porque estamos ficando sem opções. 

- Existe alguma cidade aqui por perto, para onde podemos nos proteger melhor? – perguntou Jonathan.

- Creio que você não entendeu, Jonathan. – respondeu Ilith. – O mundo que conhecia; os humanos, não habitam mais esse planeta há milhões de anos.

- O que aconteceu? – foi a pergunta geral.

- É uma longa história. Faz parte do ciclo de vida do planeta. Extinções. Que permitem a origem de outras formas de vida. Foi assim com os humanos. Se os dinossauros não tivessem se extinguido, os mamíferos, entre eles, a humanidade não teria surgido.

- Mas se a humanidade não existe mais, porque devemos salvar a raça humana? – perguntou Lidiane, no que foi acompanhada pela aquiescência de todos.

- É complicado, Lidiane. – Por centenas de milhares de anos a raça humana irá habitar o planeta. E é isto que eu pretendo preservar. O que acontecerá depois faz parte do ciclo natural do planeta e não pretendo intervir. Assim como não posso alterar as circunstâncias naturais que propiciaram a origem do homem. 

- E aqui existem animais perigosos? – perguntou Elmo.

- Sim! Existem! Criaturas que os homens nunca conhecerão, mas que não deixam de ser perigosas assim mesmo. São formas que ocuparam o vazio que ocorreu na biosfera do planeta após a extinção do homem.

- E os animais do nosso tempo? O que aconteceu?

- Não mais existem, Jonathan. Desapareceram por causa dos homens.

- Mas de onde vieram estes que aqui estão?

- Provavelmente do que restou que a humanidade não conseguiu extinguir. Mas para saber isso teria que fazer várias expedições ao passado, isto é, ao passado deste mundo, que fica no futuro do mundo que conheceram. Mas não tenho tempo para isso agora. Como sabem temos problemas mais urgentes para solucionar. Quando resolvê-lo poderemos nos dedicar a isso.

Todos ficaram olhando para ela, sem entender muito bem quais as implicações reais do que Ilith acabara de dizer e de certa forma, era um choque saber que um dia a humanidade deixaria de existir na Terra. Talvez alguns tivessem deixado o planeta colapsado para colonizar outros corpos celestes e naquele momento da história do Universo ainda poderiam existir humanos. Afinal milhares de anos no futuro do mundo que conheciam, talvez tivessem permitido um grande avanço da Ciência e o surgimento da tecnologia necessária para fazer longas viagens entre as estrelas.

Mas a reflexão cessou assim que Ilith chamou a atenção de todos. – Então vamos subir naquele rochedo, de forma que possamos nos proteger dos predadores terrestres desta época. Mas cuidado! Há também os que voam e vivem na água. Por isso não pretendo ficar aqui muito tempo. Só o suficiente para ajustar o transporte para onde está Lídia, a próxima pessoa que deve se juntar a nós.

Todos caminharam rapidamente para o rochedo e dali, todos puderam ter uma boa visão da selva daquele mundo futuro. O ar estava repleto de sons esquisitos, um lembrete dos monstros que a habitavam.

Por fim Ilith conseguiu achar a pessoa que procurava no seu aparelho portátil.

- Ouçam. Vou me encontrar com ela, um ano antes do encontro que ocorreu na outra linha temporal. Não vejo sinais dos Sbugs, mas como todos sabem devemos nos precaver constantemente contra suas ações.

Ela manipulou o instrumento e o levou próximo do rosto.

- Vamos para o ateliê dela. Juntem-se bem perto de mim.

Em segundos o rochedo cedeu lugar a um dia quente de verão, num amplo espaço. Havia de tudo. Quadros, estátuas e vasos, numa confusão organizada.  Mas a mulher não estava no local. Teriam errado o lugar ou os Sbug haviam chegado primeiro?

Os três ficaram aliviados de voltarem à civilização que conheciam, mas sabiam que isso não significava segurança alguma. Afinal era essa civilização que conheciam que a alienígena estava tentando preservar. Ali estavam mais expostos do que nunca à ação dos alienígenas contrários a Ilith e permanecer no lugar por muito tempo, sem concretizarem o que tinham vindo fazer, só aumentava o perigo.

O ateliê era amplo e de certa forma, os quadros, alguns acabados e outros em fase de confecção eram um refresco para pessoas que haviam passado por tantas situações estranhas e perigosíssimas.  Mas aquele momento de relaxamento não podia durar para sempre.

De repente eles ouviram um barulho na fechadura da porta e todos se entreolharam. Seria a artista plástica de nome Lídia?

Para alivio de todos era ela mesmo. Mas a reação da mulher foi bem diferente. Para ela eram todos estranhos. Provavelmente imaginou que estava diante de assaltantes e antes que gritasse, Ilith tampou-lhe a boca.

- Não se assuste. Não somos quem pensa que somos. Lembre-se da ampulheta e do moinho?

A mulher arregalou os olhos e fez um movimento afirmativo com a cabeça.

- Quem são vocês? Estão ligados também à ampulheta e ao moinho? Podem me explicar o que significa a constante visão dessas duas coisas em meus sonhos?

- Sim. – Respondeu Ilith.

- Você é parte de uma codificação sofisticada, que deverá me despertar no futuro.

- O quê?

- É isso mesmo. – disse Lidia. – Você, eu, e estes dois homens fazemos parte disso.

- Mas qual a razão de tudo isso? – perguntou a artista.

Ilith tomou a frente para explicar.

- Seu mundo daqui a um ano correrá sério perigo. Fui enviada há muito tempo atrás desse momento para evitar isso. Mesmo estando em estase, o aparelho que me mantinha nesse estado, foi escolhendo as pessoas mais aptas a me acordar quando o momento chegasse.

Lídia continuava prestando atenção à conversa, sem dar a entender se acreditava ou não no que Ilith lhe contava. Era certo que a expressão do seu rosto traduzia muita preocupação e a cada detalhe, apenas movia a cabeça em desacordo.

- É inacreditável o que está me dizendo! Como posso ter uma prova do que o que me diz procede?

Ilith retirou outro de seus infindáveis aparelhos e o aproximou do rosto. Ele emitiu um feixe que foi deslizando pela sua face. O que este revelou assustou a todos. Onde deveriam estar os olhos, nariz e boca, existia um tecido cinza, sob o qual pequenos orifícios pulsavam repletos de pequenas hastes. E no cimo do crânio as já conhecidas antenas, que procurava disfarçar com uma peruca e um lenço de cabeça.

A reação de Lídia foi imediata. Arregalou os olhos, espantada com a visão, fazendo até um sinal da cruz.

- Meu Deus! É verdade!

- Não sei o que isso exatamente significa em sua cultura, mas ele poderá comprovar o que viu. – Disse Ilith.

- O que querem aqui?

- Você corre sério perigo de morte. Nossa presença aqui tem por objetivo salvá-la.

Mal Ilith acabou de falar e um fino feixe passou de raspão por entre as duas, indo bater numa das paredes, provocando com o impacto uma pequena cratera fumegante.

Todos se olharem, surpreendidos com o feixe. Não havia dúvidas que era um ataque e o dano só não fora maior, pela má pontaria dos atiradores. Rapidamente todos compreenderam do que se tratava: era o disparo de uma arma dos Sbugs. Mais uma vez seus inimigos tinham revelado o quanto eram persistentes e espertos. De uma forma que ainda não entendiam, tinham descoberto ou previsto onde Ilith iria emergir no tempo em busca de Lidia. Nem Ilith tinha certeza de como estavam fazendo isso. Mas naquele momento a única defesa era fugir e levá-la com eles.  Pelos menos cada um já sabia o que deveria fazer e começaram a disparar contra os alienígenas que tinham adotado outra estratégia para não chamarem a atenção: materializado em outro cômodo da casa para surpreendê-los.

Pelo número de oponentes só restava ao grupo fugir mais uma vez. Fizeram um circulo e colocaram Lídia no meio. Ilith acionou o seu aparelho e todos foram para o futuro. Mas antes a alienígena lançou um pulso eletrotemporal para embaraçar os sensores do inimigo, de forma a impedir dessa vez que seus aparelhos rastreassem o lugar para onde estavam se dirigindo.

 

 

 

                                    Capitulo VI – De volta ao Futuro.                  

  

Voltar àquele tempo onde o homem não mais existia exercia uma forte curiosidade sobre todos. O que acontecera afinal à raça humana, tão confiante no domínio do seu planeta? Era uma consequência direta da ação dos alienígenas que Ilith escondera deles ou ela fora sincera, ao dizer que realmente não sabia? Além disso – o que os deixara nervosos – dissera que neste período existiam animais que o homem jamais conheceria, tão perigosos quanto aqueles que haviam antecedido o homem na Terra.

Mas havia outra preocupação. Todos tinham certeza de que Ilith parecia estar esgotada. E era uma sensação que não se restringia somente a ela. O grupo, talvez exceto Lídia, que se juntara a pouco, precisavam naquela altura dos acontecimentos de um fôlego reparador. Ela sabia disso mais do que ninguém e reuniu o grupo, pedindo-lhes que descansassem antes de ajudá-la a resgatarem o último membro do quinteto. E do que ocorreria em seguida, que seria, por mais incrível que pudesse fugir ao bom senso, despertá-la.

Era evidente que os Sbug sabiam quem eram os humanos que a haviam acordado. Reunir-se ao último participante seria o mais difícil em relação a tudo que já haviam feito. Seus inimigos deveriam ter colocado barreiras em todos os caminhos temporais. E esse detalhe obrigava-a a pensar no que deveria fazer, para que seu despertar pudesse se concretizar. Poderiam simplesmente dar o próximo passo de uma só vez, ou em duas etapas. Ou resgatar o último do grupo e pular direto para a câmera de estase ou resgatar o homem que faltava e planejar um meio de entrar na câmera, evitando os alienígenas.

Enquanto cada um se entregava a seus pensamentos no rochedo que os protegia, ouviram um rugido desconhecido que vinha do seio da floresta.

- Que ruído é esse, Ilith? – Perguntou Elmo, enquanto os demais esperavam apreensivos pela resposta.

- É um daqueles animais dos quais eu lhes falei. Eu não sei como classificá-lo em relação aos demais que existem neste período, já que são muitos.

Ela manipulou o aparelho que trazia consigo e o apontou na direção da floresta. Imediatamente uma imagem tridimensional azulada projetou-se dele. – Vejam! – disse Ilith.

Todos se aproximaram para ver a pequena imagem que girava lentamente mostrando todas as facetas do animal. - Como podem ver é uma criatura que se originou do morcego. Uma das poucas espécies que sobreviveram ao homem.

- O que aconteceu com os seus descendentes? – perguntou Lidiane. – A maioria só comia insetos, até onde eu sei.

- Não esse, Lidiane. Este aqui tem quase três metros de altura e é um predador voraz.

Todos se olharam assustados.

- Creio que precisamos nos afastar daqui.  – disse Ilith. – Estamos no seu território de caça. Como devem recordar eles tinham um radar natural. O deste aqui é mais aperfeiçoado. Os rugidos que emitem são ondas que conseguem detectar criaturas de sangue quente.  

- O que devemos fazer? – perguntou Elmo.

- Prestem atenção. – disse ela.

- Vamos fazer o seguinte. Além do descanso, precisam se alimentar. Pretendo saltar para uma época do seu mundo, onde vocês ainda não nasceram. É o único modo de não chamarmos a atenção. Escolhi o final do século XX.

- É o que gostaria de fazer. – completou Jonathan. – Estamos cansados de correr. Estou com fome. Preciso ir a um banheiro. Creio que todos nós precisamos de uma pausa.

- Bem. Não podemos visitar nossos pais, que eles não entenderiam. – disse Elmo ironicamente. 

- Podemos ir para um hotel ou coisa parecida. Mas nossos cartões não funcionariam nessa época. – completou Lidia.

- Bem. – disse Elmo. – Eu me recordo que meu avô tinha uma casa no interior de São Paulo que herdou do seu pai, meu bisavô. Podemos ir para lá, sem despertar suspeitas. Tomar banho, preparar alguma coisa para comer, ir ao banheiro e planejar o que vamos fazer por último.

Os rugidos continuavam mais próximos. – Acredito que já nos localizou. – disse Ilith.

- Rápido, Elmo! Dê-me o ano e a localização aproximada!

- 1979. Norte da cidade de Botucatu. Lembro-me que meu avô falou várias vezes que tinha que entrar no quilômetro 227 da Rodovia Marechal Rondon para pegar uma estradinha de terra. Depois andar por ela mais uns sete quilômetros até chegar à chácara.

Ilith pressionou uma tela, e logo encontrou a cidade e a rodovia. Em seguida, pressionou a pequena tela, ampliando as fotos tiradas por satélites da região. Inseriu mais alguns dados e por fim encontrou não a casa, já que as imagens que dispunha eram bem posteriores a ela, mas os marcos espaços-temporais necessários para o teleporte.

- Encontrei o setor planetário que me informou, Elmo. – disse Ilith. – Vamos para lá. Depois que chegarmos farei uma varredura dos arredores para ver se consigo localizar a casa.

- Rápido, Ilith! Estou escutando barulho ali daquele lado! – Disse Lídia apontando para a base do rochedo.

Mal ela acabou de dizer isso e uma criatura enorme que vagamente lembrava um misto de morcego e coelho gigante, lançou-se do ar sobre eles, pousando no rochedo. Das asas finas pendiam garras aterradoras. Seus olhos eram enormes e indicavam que se transformara num caçador diurno. O que mais impressionava era sua boca escancarada, repleta de dentes afiados que gotejavam uma saliva pútrida.

A sorte do grupo era que em terra, o animal caminhava desajeitadamente lhes dando tempo para fugir.

Ilith fez os arranjos e gritou. – Juntem-se todos perto de mim!

A visão aterradora transmutou para uma pacata estrada de terra do interior paulista, aliviando a todos.

Elmo a olhou por algum tempo, tentando reavivar sua memória. – Puxa!  Já faz tanto tempo! É ela sim! Estão vendo aquela árvore na curva? Ela aparece em várias fotos que guardo comigo. Como poderia me esquecer dela!  Foi ali que o meu avô deixou seu nome marcado. Ela caiu de velhice na minha infância. Como pode estar aqui? É incrível pensar que posso ver uma coisa que deixou de existir!

Eles se aproximaram da árvore com cautela e Ilith fez uma pequena sondagem para ver se não havia alguma armadilha montada por seus inimigos. A marca de um nome aparecia no tronco da enorme árvore: Ronald Medeiros. Estavam na estrada certa.

Para Ilith o local era ideal. Aquele lugar não tinha qualquer importância para os Sbugs, o que lhes propiciava um abrigo seguro. Poderiam relaxar e se preparar para o final.

Caminharam quinhentos metros e viram a casa. Precavida, Ilith fez mais uma varredura sem encontrar sinal dos alienígenas ou aliados.  Era rústica, mas oferecia um lugar para se tomar banho, comer alguma coisa e planejar. Dormiriam ali o suficiente para se recomporem e depois partiriam para a fase final da luta. Ela gostaria que as coisas corressem mais depressa, mas a fisiologia dos humanos era diferente da sua e tinha que levar isso em consideração. Os velkanianos não dormiam e alimentavam-se com pouca frequência.

Depois do descanso merecido ela os chamou e pediu que prestassem atenção.

- O último do grupo que falta é um homem de nome Jeremias.

- Creio que devem ter formado uma última barreira para impedir que cheguemos a ele. – disse Elmo. – Como faremos para contornar isso?

- Estou entregando a cada um de vocês um transportador.  - disse Ilith. - Ao invés de irmos de uma só vez o que nos tornaria um alvo fácil, vamos pular aos poucos, mas muitas vezes. Pretendo desorientá-los. Pegamos o Jeremias e vamos direto para o moinho se for possível. Se não, voltamos.

- Não estarão em volta do moinho também? – perguntou Jonathan.

- Sim. – Respondeu Ilith. – Será minha vez de surpreendê-los. Se o que imagino já aconteceu, poderemos derrotá-los e permitir que vocês nele penetrem. O campo de proteção que o envolve impedirá a entrada de qualquer Sbug.

- E quando estivermos lá dentro? O que acontece? – perguntou Lidiane.

- Eu estarei lá em estase.

- Irá acordar a si mesma? – disse Elmo.

- Isso mesmo. Eu ajudarei a me despertarem. E talvez seja instruída a criar uma surpresa para os Sbugs ao redor do moinho antes de entrarem.

- Como? – Perguntou Elmo. – Mais uma diversão provocada por deslocamentos temporais?

- Não se preocupe, Elmo. Isso é irrelevante agora. Façam sua parte e eu cuidarei da minha. 

- É difícil imaginar toda essa situação. – Falou Elmo mais uma vez. – Principalmente quanto ao tempo. Desta perspectiva atual parece não fazer sentido. Passado, presente, futuro.

- Exato. Ele é complexo e uma ilusão de certo modo, Elmo. Depende de como o interpretamos em função da relatividade de nossos movimentos.

- Bem. – Disse Elmo. – Para mim, que pouco sei desta física complexa, parece-me transcorrer sempre numa certa ordem.

- É fato. – Completou. – Independente de quanto o visitemos, há uma lei subjacente ao tempo que obriga os acontecimentos seguirem numa determinada direção.  Mesmo que eles variem, devem seguir certa ordem. Mas não se preocupem. Deixem isso comigo.

Ela deu as ultimas instruções e como planejado, cada um lançou-se pelo tempo, para se juntar ao último do grupo: Jeremias.

 

 

 

 

                                          Capitulo VII – Jeremias.

 

Jeremias não desconfiava que sua casa, na verdade várias etapas da sua vida, tinham sido e estavam naquele momento, sendo monitoradas.  Os Sbugs não podiam mais se dar ao luxo de permitir que ele se juntasse ao grupo que Ilith tentava recompor.  Aquele homem de setenta anos, nem por um instante imaginava o quanto era importante e que o destino da Terra dependia da sua participação no quinteto. 

Além de vigiá-lo ao longo de sua vida, os alienígenas tinham posicionado suas forças em determinados momentos, com o intuito de impedir que ele fosse levado por Ilith. Para eles, a odiada inimiga e seus acólitos, atacariam como sempre faziam: todos ao mesmo tempo. A resposta seria atacá-los com o máximo de força possível, frustrando seus planos.

Foi surpresa quando os monitores viram surgir em diversos períodos do tempo cada membro do grupo, obrigando-os a acionar os agentes posicionados em outras épocas. Mas assim que esses apareciam para evitar que levassem Jeremias, desapareciam em seguida sem concretizar aquele intento. Essa estratégia os deixou confusos. E ficou mais ainda quando o grupo com todos os seus membros apareceu numa determinada etapa da vida de Jeremias, fingindo tentar levá-lo, o que os obrigou a retirar todas as forças escalonadas, direcionando-as para aquele momento do tempo, desguarnecendo assim as demais. Foi num desses momentos sem agentes para vigiá-lo que Ilith entrou em ação.

Jeremias apesar de já ser aposentado, tinha uma vitalidade imensa e ocupava seu tempo com vários afazeres. Um deles era o de correr num dos parques próximo de seu bairro no Rio de Janeiro. Lá fizera muitos amigos entre as pessoas de sua faixa etária, que só vieram a se conhecer por praticarem o mesmo tipo de atividade.

O dia de verão prometia e ele, um solteiro invicto, se preparava para sair, quando Ilith surgiu na sala, provocando-lhe enorme susto.

- Ah? Quem...? O quê... É você? Como...?

- Jeremias. Não pretendo fazer-lhe qualquer mal. Estou com pouco tempo e não posso explicar agora. Venha comigo. Sua vida corre perigo.

- O quê? Corre... Como?

O aposentado nunca vira aquela jovem bonita e de feição levemente conhecida na sua frente e não compreendia como ela tinha entrado na sua casa. E ainda pedia para acompanhá-lo. Era um convite estranho partindo de uma estranha.

- Por que devo acompanhá-la? Para onde? Vou chamar a polícia...

- Não, Jeremias. Logo nem a policia poderá ajudá-lo.

- Como sabe meu nome? Já nos conhecemos antes?

- Não... Eu... Sinto muito. Não posso demorar mais.

Ilith sabia que a qualquer instante os alienígenas chegariam e não tinha certeza de que conseguiria confundir os agentes dos Sbugs novamente. Retirou um de seus aparelhos e apontou na direção de Jeremias.

- Ei! – disse ele. – Vire isso para o outro lado, seja o que for...

Mal acabou de terminar a frase e um feixe partiu do objeto que Ilith segurava, fazendo-o perder os sentidos. Não lhe interessava entrar numa discussão com aquele humano.

Jeremias tombou no chão e ela aproximou-se dele e acionou o transportador. E lançou mais um dos embaralhadores temporais, para que não ficassem pistas para onde estava carregando o homem idoso.

Assim que ele recuperou a consciência percebeu que estava deitado numa poltrona e rodeado por pessoas desconhecidas. Jonathan ainda não fizera amizade com ele no período temporal de onde fora retirado quase à força.

- Quem... Quem são vocês? Onde estou?

- Você está entre amigos. – disse Elmo.

- O que querem de mim?

- Você, caro Jeremias é parte importante da salvação da Terra. – disse o futuro amigo Jonathan.

- O que é isso? Um clube de loucos? Não quero ficar aqui...

Ele tentou levantar-se, mas ainda estava sob o efeito do feixe paralisante de Ilith, o que o obrigou a mudar de ideia, até que recuperasse o controlo completo do corpo.

- Oh! O que fizeram comigo?

- Nada, meu amigo. – disse por sua vez, Lidiane. – Isto foi necessário para evitar que o matassem.

Ele olhou sério para ela. – Matar-me? Por que alguém faria isso comigo? Não tenho inimigos!

- Agora tem. – disse Lidia.

- Espero que não sejam vocês...

- Se fosse essa a nossa intenção. – disse Elmo. – Esta conversa não estaria ocorrendo.

- Podem ao menos se apresentarem, para saber com que estou falando? – retrucou Jeremias. – Eu fui raptado por uma moça. Bonita, mas violenta. Onde ela está?

- Aqui. – disse Ilith entrando na sala. – Estou aqui? Sente-se melhor?

- Você! Por que fez isso comigo?

- Para protegê-lo.

- Não me parece isso. – respondeu Jeremias ironicamente.

- Deixe-me explicar-lhe tudo, Jeremias. – falou Elmo, puxando uma cadeira para o lado da poltrona.

E contou-lhe toda a história que o grupo já conhecia e qual era sua participação dentro dele. Como era natural, no principio não se convenceu, mas depois que Ilith mostrou-lhe imagens dos reptantes e a sua própria, sem o disfarce que usava, o recalcitrante idoso cedeu e perdoou a jovem alienígena.

- Agora começo a entender. – disse ele. – Eu via desde pequeno, pessoas de relance sem nunca compreender a verdadeira razão das aparições. Imaginava algum tipo de loucura. Tudo ficou claro agora. E também explica os meus sonhos sobre um moinho e uma ampulheta.

- Agora já sabe quem é e o que deve fazer. – completou Ilith. – Está disposto a participar do que virá?

- Para salvar meu mundo, faço qualquer coisa. Pelo menos nesta fase de minha vida, encontrei uma razão para minha existência.

Ilith aproveitou o momento e pediu que a ouvissem mais uma vez.

- Minha intenção original era pular com todos, assim que Jeremias se juntasse a nós, para a região da Névoa e da floresta onde está situado o moinho. Mas foi melhor assim.

Vou dar algumas instruções a ele e aproveitem para descansar mais um pouco. Assim que terminar, já sabem o que devem fazer. O importante é entrar no moinho e me acordar.

Elmo aproveitou aquela última pausa para chamar Lidiane a um canto. Ele gostava de ficar perto dela e este sentimento só aumentara à medida que as ações se sucediam.

- Sim, Elmo?

- Lidiane. Há uma coisa que não consigo entender. Que não ficou bem claro para mim. Quanto mais penso, menos sentido faz.

- O que é, Elmo?

- Alguma coisa está errada.

- E o que seria?

- A Ilith diz que precisa nos juntar para acordá-la ou tirá-la da estase, ou algo assim. E isto porque os Sbugs evitaram que numa outra linha temporal nos juntássemos e fizéssemos isso. Mas se nós não a tiramos da estase, como ela acordou e veio atrás de nós?

- Realmente, Elmo. É uma boa pergunta. Não é um daqueles famosos paradoxos temporais?

- Creio que sim. Será que ficaremos eternamente neste círculo? Ora acordando-a ora não?

- Pouco sei sobre essas coisas, Elmo. Não sou física. Mas podemos aprofundar isso e resolver o enigma depois que completarmos nossa missão.

Elmo queria aprofundar mais o assunto com ela, mas Ilith os chamou e pediu que se preparassem. Era chegado o momento de se aproximarem do moinho.

 

                              

 

 

 

                           Capitulo VIII – Ilith encontra Ilith. Ou não?

 

Um a um eles foram se materializando próximo do velho moinho. Pelo menos era essa a aparência camuflada que os Velkanianos davam ao dispositivo que abrigava Ilith.

Mas penetrá-lo não seria tão fácil como o fora da primeira vez. Situação que nenhum deles se lembrava, e que só dela sabiam pelas palavras de Ilith. E não poderia ser de outra forma, já que a linha temporal em que isso ocorrera fora modificada pelos terríveis Sbugs e seus agentes.

Os inimigos eram persistentes e se não podiam entrar, não permitiriam a entrada de ninguém. Estavam todos reunidos ali. Os Sbugs em seus trajes, que evitavam o oxigênio venenoso da Terra. Seus aliados humanos e os Rontos, prontos para atacar. A quantidade impressionava. Toda aquela multidão contra os cinco humanos convocados pela máquina do planeta de Ilith parecia uma batalha ganha pelos alienígenas antes mesmo de começar.

O grupo todo ficou ali parado imaginando como poderiam atravessar aquela barreira. Cinco humanos, apesar de decididos não poderiam lutar contra aquelas hostes. Se desistissem sem lutar, o destino da Terra estaria selado e talvez, fosse essa a intenção dos alienígenas e seus aliados: obrigá-los a abandonar a luta diante do número de oponentes.

Ilith lhes dissera que não poderiam efetuar o transporte direto para o interior do dispositivo porque ele fora programado para ser acionado, assim que passassem por sua porta. Não existia um atalho. Ou eles enfrentavam seus inimigos ou desistiam.

- E agora, que faremos? É morte certa! – disse Jonathan.

- Não podemos desistir agora, - retrucou Elmo. – É o que querem. Mas nunca os enfrentei assim em tão grande número. E tenho minhas dúvidas se seremos capazes de derrotá-los.

- Mas não há chance alguma de vencê-los, Elmo. São muitos mesmo! – disse por sua vez Jeremias.

As mulheres, porém, não hesitaram. – É melhor morrer lutando pela liberdade do que morrer sem ela. – disse Lidia, no que Lidiane concordou.

Os homens se olharam sentindo certa vergonha pela hesitação. Mas o destino da Terra estava em jogo e Elmo, num arroubo de confiança desesperada, correu na direção dos alienígenas derrubando o primeiro com a arma potente que Ilith lhe dera. Os demais se entreolharam e decidiram agir. Não podiam deixar Elmo sozinho. Correram na mesma direção.

Os Sbugs pareciam apreciar cada segundo daquele verdadeiro suicídio, confiantes que o seu número logo esmagaria os frágeis adversários. E soltaram os Rontos que tranquilamente dariam cabo dos cinco humanos.

Mas aquelas feras terríveis não foram muito longe. De repente inúmeros feixes cruzaram o ar, pulverizando as terríveis feras. Dezenas e dezenas de Iliths surgiam sem parar. Era essa a última estratégia da Velkaniana. Vir de diferentes épocas do futuro materializando-se naquele momento para multiplicar seu número.

Quando o local já havia presenciado a materialização de centenas de Iliths, a batalha começou a pender para o lado da Terra. Ela trouxera de seu planeta natal as armas mais terríveis do seu arsenal e o resultado foi uma carnificina que os reptantes a muito não sofriam. Era um preço amargo, que prenunciava o que lhes esperava na invasão da Terra.

Enquanto a maioria das Iliths combatia os Sbugs e aliados, uma parte delas formou uma espécie de corredor que permitiu ao quinteto chegar à porta do moinho e ultrapassá-la, juntamente com uma das Iliths.

Assim que cruzaram o que parecia uma velha e pesada porta depararam-se com uma escada em caracol que permitia o acesso a todos os níveis do moinho. Se Ilith o conhecia, o mesmo não se dava com o grupo, que esperava encontrar um maquinário alienígena.

Passaram pelos aposentos inferiores onde nada encontraram de especial a não ser um mobiliário rústico que os decepcionou. Mas o último patamar contrastava com os outros pela brancura das paredes e um ar límpido e ligeiramente perfumado. Bem no centro, uma cortina rosácea deixava transparecer o vulto de alguma coisa por detrás dela.  Talvez, para não chocar as mentes ainda incipientes dos humanos, seus edificadores tivessem optado por construir uma máquina de estase com um ambiente que fosse mais familiar às suas mentes, o que explicaria a falta de algo exótico que correspondesse à expectativa de todos.

A ansiedade era imensa e Elmo aproximou-se da cortina e a puxou devagar revelando o que escondia. Não era nada de especial, ou pelo menos assim pensavam apesar da cena fugir a qualquer situação normal. Posicionado no leito de um dossel, flutuava um corpo que era claramente inumano. Algo difícil de descrever tendo por base a regra das formas de vida terrestre. Uma suave luz azulada, cuja procedência não se podia encontrar banhava aquele corpo.

Todos tinham se esforçado para ali estarem e esperavam encontrar uma Ilith da maneira a que estavam habituados. Mas aquela forma alienígena os fez hesitar por um tempo. Não estavam bem certos de como deveriam fazer para acordá-la.

Ilith os olhou com certa complacência e tomou a iniciativa.

- Venham! Não tenham medo! É preciso que todos se aproximem do corpo.

Todos se olharam, procurando cada um dar coragem ao outro.

Assim que se movimentaram, seus corpos passaram por uma fina parede de energia que pôs em funcionamento o sistema que a despertaria. Para espanto geral, das mãos de cada um começou a fluir uma névoa que precipitou para o corpo flutuante, dando inicio a uma série de reações.

Diante dos olhares estupefatos do grupo a neblina iridescente tomou a forma de um casulo transparente, cujo interior foi percorrido por pequenas descargas elétricas. Por processos desconhecidos aquela forma alienígena foi lentamente transmutando até tomar a forma humana de Ilith, com suas já familiares antenas.

À medida que o casulo desfazia-se o corpo foi lentamente baixando até ficar totalmente em cima do alvo lençol que cobria o leito. Para satisfação geral, assim que a última nesga da estranha neblina desapareceu, ela abriu os olhos e sorriu para todos.

Já sabendo o que deveria fazer em seguida, a Ilith que lhes acompanhara entregou à sua semelhante deitada um recipiente com um liquido que esta sorveu rapidamente. Enquanto ela engolia aquela substância a outra que lhe servira explicava ao grupo a razão daquele líquido. – Ela ficou por muito tempo em estase e este componente reporá suas forças que de outra maneira, se estenderia por um tempo maior.

Assim que acabou de beber, Lídia e Lidiane a ajudaram a se sentar no leito. Ilith fez um sinal para que os membros restantes se aproximassem.

- Agradeço o esforço de todos. Já sei que me conhecem. Deixe-me apresentar-lhes meu clone. Na verdade é uma máquina formidável muito sofisticada, produto da tecnologia de meu mundo.

- Pensávamos que era você vinda do futuro. – disse Elmo.

- Sim, de certa forma ela vem. Mas não era eu. Assim que a máquina que compõe o moinho tomou conhecimento de que os Sbugs haviam alterado a linha temporal em que me acordaram, ele produziu esta cópia de mim e a mandou para o passado para corrigir os acontecimentos.

- Ah! Agora faz sentido para mim! – exclamou Elmo. – Imaginava que ficaríamos presos num eterno paradoxo.

- Ele foi evitado, Elmo e nem poderia ser de outro jeito. Graças a esta Ilith. Mas a missão dela não termina aqui. Ela se transportará para o futuro para transportar-se centenas de vezes para o passado de novo para o futuro, de maneira a poder participar da batalha que precederá a entrada de todos no moinho. Depois será desativada, assim que cumprir sua missão.

Ilith despediu-se de todos, e cada um comoveu-se à sua maneira com aquela máquina alienígena que transcendia o próprio conceito de máquina. Jamais poderiam esquecer que ela salvara a vida de todos e os acompanhara nos momentos mais importantes de suas existências. Num hábito totalmente humano ela acenou uma última vez e rumou para o futuro para cumprir sua derradeira missão.

Assim que sua cópia desapareceu, se sentindo mais forte, Ilith levantou do leito.

- Amigos. Agora precisamos lutar mais uma batalha e salvar a Terra. Acompanhem-me.

Lidiane e Elmo deram-se as mãos e a seguiram. Todos a seguiram, cada um perguntando-se se realmente aquele pequena aventura acabava ali.  

 

 

                                                         Fim?