Letras na parede

[Chagas Botelho]

Enquanto esperava o frango assar, me sentei num banquinho de madeira e admirei a parede-cardápio, no bairro Piçarra. Li as opções de refeição com total atenção. Não tenho preguiça de ler. Aliás, amo ler. O português é lindo, gente. A nossa língua é de um primor inigualável.

Pedi uma periguete, e manso a bebi sem pressa, como se fosse a última da vida. Que delícia de momento! A espera do frango e, ao mesmo tempo, admirando as letras garrafais que indicavam os tipos de carne. Tinha para os mais variados paladares. Como o meu é rústico preferi um frango assado no carvão.

Amados, nesta semana que passou, terminei de ler “Morangos mofados”, em PDF, de Caio Fernando Abreu. “E, você ler autor homossexual?”. De repente, você pode me perguntar. Respondo. Leio sim. Inclusive, dele, já é o segundo. O primeiro foi “Onde andará Dulce Veiga?”. É um autor incrível.

Nas últimas páginas do livro, Caio escreve sobre o prazer da leitura. Até mesmo em paredes. Da importância de ler e ler. Como ele mesmo diz, “um sentimento de glória interior” frase do psiquiatra britânico Ronald David Laing que ele se apossou e a tornou fundamental em sua vida.

Além do prazer da leitura, o autor farroupilha indica para os amantes dos livros, escritores que ele leu e se encantou. Os citados são: Clarice Lispector (para ele, o que de mais grandioso conheceu), Dalton Trevisan (dava gritos enquanto lia), Henrique do Valle (poeta gaúcho que morreu prematuro), Ivan Ângelo (cujos contos muito lhe encorajou) e outro poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho (apaga o cigarro no peito…). Todos eles anotados para uma futura leitura.

Fui despertado do devaneio literário, completamente alheio às letras da parede, pelo Mike, vendedor de frango, me cutucando: “Chagas, Chagas, o frango está pronto. “Oh que beleza”, disse voltando à realidade. E completei: “Mike, vou tomar mais uma periguete”. Desta feita, só observando o movimento da rua e ouvindo a canção “Lovesong” do The Cure. Outra letra fenomenal.