Dr. Raul Macêdo
Dr. Raul Macêdo

[Cid de Castro Dias – Historiador, membro da Academia Piauiense de Letras]

 

Filho de Manoel Antunes de Macêdo e Anna Antunes de Macêdo nasceu em São Raimundo Nonato, no ano de 1908.

 

Em 1936, já formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, regressa a sua terra natal, casando com sua prima Maria de Macêdo Silva (Benzinho). Com o consultório médico, instalado em sua própria casa, daria sempre prioridade aos pacientes mais pobres.

 

Sua residência ficava na esquina de uma praça, tendo como vizinhos minha avó Maria Balduíno e o professor Ariston Dias Lima.

 

Para nós garotos, a praça era o nosso campo de futebol. Na parte da tarde, sempre estávamos lá formando dois improvisados times, que eram aplaudidos por uma torcida quando dos melhores lances. A área do goleiro, por falta de traves, era demarcada por dois tijolos. Mesmo assim sentíamos como se estivéssemos jogando num belo estádio.

 

Certo dia, durante uma partida, passou pela rua lateral uma senhora levando o filho, praticamente arrastando o garoto, para ser atendido pelo Dr. Raul. A notícia era que o menino estava engasgado, sem poder respirar. Paramos o jogo e fomos ver se poderíamos observar o procedimento médico. Portas da rua e do consultório abertas, ficamos a observar o menino sentado na cadeira especial do consultório e o Doutor a selecionar entre os vários instrumentos cirúrgicos o mais apropriado para aquele caso.

 

Com uma pinça de formato especial, mandou que o garoto abrisse a boca ao máximo que pudesse. Depois de algumas tentativas, conseguiu sacar o objeto que estava a obstruir a garganta daquela pequena criatura. Um alívio, pois logo respirou fundo e ficou corado. Sua mãe ria e chorava ao mesmo tempo.

 

Corremos para o campo e gritamos olé. Esse foi o primeiro olé a ecoar naquele improvisado Maracanã. Uma justa homenagem ao gol de placa efetuado pelo nosso querido médico, que acabara de salvar uma criança.

 

Os tempos vão passando, e tendo concluído Ginasial, fui estudar no internato do Colégio Antônio Vieira em Salvador. Domingo, era o único dia de folga do colégio, quando então aproveitava para visitar os conterrâneos que moravam numa pensão. Ali, soube que o Dr. Raul estava na cidade e desejava que o acompanhasse a uma visita ao Jardim Botânico. Soubemos que ele tinha boas recordações do tempo de estudante, quando o Parque foi inaugurado. No trajeto interno, ele parava diante de algumas árvores e ficava demoradamente a ler as plaquetas identificativas com os nomes científicos.

 

Fiquei ali a pensar, o quanto teria sido um bom aluno nas aulas de medicina. Naquele tempo, com poucos remédios fabricados pelos laboratórios, as receitas médicas, com suas dosagens, eram manipuladas nas próprias farmácias. Lembro-me bem dele na farmácia do Osvaldo Paixão, orientando o aviamento das receitas.

 

Por último, um fato inesquecível. Papai que fora eleito Deputado Estadual, tinha forte presença política na cidade. A eleição para prefeito daquele ano estava acirrada. Ainda jovem, tive que trabalhar na campanha. Estava marcado, para a noite, um comício num povoado próximo. Soubemos que uma senhora que ali morava, estava muito doente e sem condições de vir ao hospital.

 

Sondamos ao Dr. Raul se poderia nos acompanhar para consultar aquela pobre criatura. Convite aceito, seguimos num Jeep até a residência da paciente.

Ao chegarmos, para efetuar a consulta, ele exigiu uma bacia com água e uma barra de sabão. Fiquei observando o ritual. Lavou cuidadosamente os baços, as mãos e os dedos, por mais de três vezes seguidas. Como não tinha pia com água corrente, como hoje, solicitou, mais uma nova bacia com água para enxague final.

 

Hoje, em plena pandemia, quando vejo um médico dando uma lição de como fazer o asseio corretos das mãos, fico lembrando de que essa “aula” eu já assistira há mais de 50 anos, em pleno sertão nordestino.

 

Um novo olé, para Dr. Raul.