[Dílson Lages Monteiro]

O que, no fundo, no fundo, move pessoas a registrarem cotidianamente os fatos e sensações que vivem? A vontade de viver cada instante, ou pelo menos os mais sinestésicos, na proximidade do limite? A tentativa de não se esquecer do saldo de cada hora? A mera intenção de escrever?
 
Recebi do estimado escritor Rogel Samuel dois volumes dos diários do paraibano Ascendino Leite, volumes dos diários reunidos em livros. Cada fato, cada nota, cada tatear de olhos no imediato são o testamento de um tempo – e mais do que isso, lições de como escrever crônicas. O fato como referente. A analogia na exatidão paradoxal. A reflexão no íntimo do leitor.
 
O diário se faz crônica do mundo literário, crônica em sua metalingüística natureza. A esse propósito, é o próprio Ascendino que anota: “Com o diário, conheci o fervor do trabalho literário, escrevendo sem esforço, a frase vindo a mim sem que eu a procurasse, as emoções e os pensamentos irropendo espontaneamente em minha mente, muitas vezes a me causar verdadeiro espanto” (p.28).
 
Com Ascendino, estou aprendendo que “assim como as almas, temos também leituras inesquecíveis”. Elas movem o autor de Um ano no outono. E a mim também, nesse esquecimento dos dias.