Leia Lya
Por Gabriel Perissé Em: 01/10/2004, às 21H00
Foram necessárias quatro décadas de trabalho literário para que a poeta e escritora gaúcha Lya Luft (que estreou com o livro Canções de limiar, em 1964) conquistasse, como conquistou, um espaço generoso no horizonte da literatura brasileira. Seus livros estão hoje em evidência, especialmente os dois últimos, Perdas & ganhos e Pensar é transgredir.
Maldosamente, poderíamos afirmar que ela está se tornando uma "paulo coelho", cujo próximo passo, daqui a alguns anos, será candidatar-se à Academia Brasileira de Letras. Esta maldade lembra-me outra, quando disseram a Paulo Freire que ele estava se transformando num Carl Rogers...
Sem maldade, mas procurando encontrar uma possível explicação para o sucesso de Lya, vejo que seu texto - vou prender-me ao último livro, o Pensar é transgredir -, muito bem escrito, inteligente, reúne leves traços de escritores brasileiros que, em sua época, criaram (e até hoje alimentam) um leitorado fiel.
Lya, que provavelmente leu muito do Rubem Braga, me faz lembrar um pouco o cronista capixaba. Aquele seu lirismo que evitava a todo o momento, e a todo custo, a pieguice, a melosidade: "O amor, do jeito que pode ser, é o caminho da liberdade e da grandeza - é a nossa única possibilidade de salvação".
Escrever e ler
Lya, leitora, é claro, de Clarice Lispector, me faz lembrar um pouco a intérprete dos sentimentos mais delicados e estranhos. Lya escreve: "Os cacos da janela de minha privacidade rompida continuam enfiados em mim".
Lya, que certamente lia e lê Cecília Meireles, me faz lembrar, da cronista e poeta carioca, esse olhar inocente, esse olhar de pura admiração diante da vida e da morte: "Viver, como talvez morrer, é recriar-se".
Lya, fatalmente lendo de vez em quando Adélia Prado, me faz lembrar a poeta mineira quando se revela rebelde diante do pensamento que só sabe pensar: "Não acho que seja preciso alta filosofia e devoção ardente, nem acredito em muita teorização sobre o sentido da existência".
A esta altura, sinto a revolta dos admiradores de Lya Luft. Ora, então nossa escritora é mero feixe de influências, uma colagem, um somatório de autores outros?
Sim e não. Impossível pular para fora de nossa sombra. Impossível escrever sem a influência do que lemos.
Por isso, meu prezado leitor, minha caríssima leitora, leia Lya.
Lendo Lya, leremos o bom gosto, a sensibilidade, com menos transgressão do que o prometido, diga-se a verdade.
(*) Doutor em Educação pela USP e escritor