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Cunha e Silva Filho

 

             Naquelas horas do café da manhã, sentados à mesa de nossa casa na Rua Arlindo Nogueira, em Teresina, Piauí, todos falavam, nós meninos e as meninas, mamãe e também papai. Talvez fosse um dia de fim de semana, um sábado ou um domingo. Não importa o detalhe exato. O importante é a emoção, o sentimento, o resíduo da memória e – por que não? – da saudade.
                Chega a vez de papai falar – estávamos, não todos, falando de países do mundo. Meu pai, professor também de geografia, era rígido sempre que a conversa se transformava em improvisada sala de aula. e por vezes até me constrangia quando, por exemplo, testando a todos, perguntava de repente: “Qual a capital da Rússia, da Polônia, da Alemanha Ocidental, Oriental?" e assim por diante.
          Chegara a minha vez de responder à pergunta sobre a capital da Ucrânia. Respondi-lhe errado. Passou-me um quinau severo . “Como é, logo você, filho de um professor de geografia?"
Fiquei calado e envergonhado. Papai era assim em casa no que dizia respeito à competência dos filhos, não de todos mas provavelmente daqueles que ele percebia eram os mais dedicados aos estudos, como eu. Contudo, a severidade dele me ajudou muito na vida, me fez compreender para sempre o valor de ser estudioso, de ser aplicado e bom na escola. Assim o fiz pela vida afora, com a exceção, naqueles tempos de ginasiano do Domício, de algumas matérias nas quais era um tanto fraco ou para as quais, melhor dizendo, não tinha tão grande interesse.
           Mal sabia eu que, tantos anos mais tarde, Kiev seria um preocupação minha na vida de adulto. Tão longe estava do tempo em que a política internacional, mesmo a nacional, ou a estadual, ou a municipal quase nada dizia para mim.  Aqui tem alguma coisa de um poema de Carlos Drumond de Andrade. Deixo que o leitor faça a correlação intertextual.
               Não está nada bem a condição atual de Kiev e, por extensão, da Crimeia. O mundo político não quer ou não deseja, que os povos, as nações pensem por si mesmas, ou seja, tenham voz coletiva para saberem o que melhor seja para seu povo. 
               Os ucranianos, ou parte ponderável da nação, são  favoráveis  a ter relações com a União Europeia, outra parte é favorável ao alinhamento político-econômico-ideológico com a Rússia. O presidente Viktor Yanukovich, segundo reportou a imprensa internacional, foi quem determinou o covarde ataque contra os civis, provocando  os sangrentos confrontos entre as tropas do governo e a população civil, com um saldo de mortes de cem manifestantes.
             A coragem e a bravura da oposição civil  se fizeram sentir e até com o apoio de alguns militares que se bandearam para o lado da oposição diante certamente das agressões homicidas do governo ucraniano. Por fim, não suportando a pressão do destemor demonstrado por um povo varonil, o presidente ainda acenou com algumas mudanças para atender à sociedade, mas  tais mudanças não atingiam o cerne das reivindicações da nação, que era estabelecer relações com a União Europeia.
        A pressão popular se intensificou com novas manifestações que resultaram na deposição de Yanukovich, sendo este obrigado a deixar Kiev e se homiziar numa parte da Rússia. Instalou-e um governo interino, sob a liderança de .Oleksander Turcchinov.
             Convém  ressaltar que o descontentamento do povo ucraniano tem um motivo mais fundo e mais definitivo: os povos, sob regimes de governo,  embora com promessas de agir democraticamente e desenvolver o país, de repente mostram a que vêm: apertar o povo, aumentar seus poderes presidenciais e frear as pretensões justas da sociedade civil. Por último, vem à tona o imbróglio da Crimeia, sendo invadida, de repente, por miltares não identificados, provavelmente a mando do Kremlin. Mais esta região com ameaças de divisão geopolítica e de confrontos bélicos. Ali se encontram tártaros muçulmanos, a minoria, e russos, a maioria. Estarei atento ao desdobramento da crise que, espero, não seja sangrenta. Que se entendam os dois lados.
            O caminho mais acertado para os governos de todas as nações é um só e o mais justo: a democracia praticada com seriedade de propósitos e visando ao interesse da nação e da sociedade com liberdade de ir e vir, de imprensa, de livre expressão do pensamento dos cidadãos, de respeito aos direitos universais de todos os povos, direitos civis plenos, eleições honestas  e periódicas, respeito às suas Constituições, combate ao terrorismo, e defesa  por parte dos organismos internacionais contra nações que agridem a sociedade.
          Precisamos de governos abertos e favoráveis a consultar os anseios da sociedade na eventualidade de fazer mudanças que terão consequências na vida das pessoas, como as efetivadas nos setores da economia, do câmbio,  da ciência, de tecnologia, do comércio,  da indústria internacional, dos intercâmbios culturais com pesquisas nas mais diversos áreas do conhecimento e da diplomacia com sensibilidade e injeção de humanismo que possa diminuir  e mesmo solucionar, através de negociações regidas pelo direito internacional e da soberania dos Estados, os mais graves problemas enfrentados hoje por muitos países. Países com gravíssimas disparidades  de vida social, com extrema miséria convivendo com extrema riqueza de seus cidadãos,  não poderão nunca solucionar questões prementes da atualidade como a violência urbana e do interior, as drogas e a delinquência juvenil.

      A paz internacional só será atingida pela via democrática, pela Educação integral aliando respeito às diferenças e eliminação de tantos preconceitos, seja étnico,  seja sexual, seja religioso. A tão sonhada paz entre as nações se concretiza pelo respeito aos direitos das diferenças. Abaixo os extremismos, os fanatismos, a violência, as hipocrisias sociais planetárias!