Imagem: Internet
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[Chagas Botelho] 

Antes de embarcar no Uber, eu pensava no jogo da seleção brasileira de logo mais. Quando me refastelei no banco traseiro, e comecei ouvir uma música do cantor Julio Iglesias, a lembrança de uma antiga vizinha veio à tona. E essa lembrança povoou minha mente durante o percurso.

A vizinha, uma balzaquiana recém-desquitada, morava com as duas filhas pequenas. Dia e noite escutava o cantor espanhol a todo volume. Porém, entre uma canção e outra era possível escutar seu choro lamentoso. Aquele choro que ecoa drasticamente o que o coração não consegue mais silenciar.

Chorava e soluçava uma dor que somente ela poderia explicar. Os curiosos que se avolumavam diante do fato, sofriam para desvendar o mistério. Aliás, pelo que me lembro, ninguém ousou perguntar por que a cantoria do cantor romântico lhe fazia padecer em lágrimas. Que mar de lágrimas se chorava naquela morada!

Duas teorias passionais eram cogitadas pela vizinhança sempre atenta às questões alheias. A primeira, que o marido, um senhorzinho de carnes magras, havia lhe abandonado por uma jovenzinha mais atraente. A segunda, que ela, a vizinha chorosa, já vivia um caso extraconjugal. E que agora, para piorar a situação, o amante, um bom vivant alegre, beberrão, vigoroso e garboso, resolvera também lhe abandonar.

Não se soube qual dos dois boatos era verdadeiro. O certo é que bastava a agulha da vitrola arranhar o disco, imediatamente a nossa personagem caia em prantos audíveis e penosos. Era como se cada acorde latino lhe ferroasse a alma e lhe causasse uma fissura incurável. Durante anos ouvi a senhora de minhas lembranças chorar. Chorava por ter traído ou por ter sido abandonada duas vezes.