E seu lado de romancista? No fundo o jornalismo te desviou?
Eu não me sentia identificado com o jornalismo, tinha aspiração de ser escritor, pela convivência com aquele grupo mineiro. Lia muita literatura, passei a ter uma certa aspiração literária, de me realizar literariamente. Escrevi uns contos, um romance, mas continuei sempre muito vinculado a jornal. Aí me casei, comecei a ter filhos, passei a ter a minha vida muito prisioneira ao negócio de jornal. Quando verifiquei, numa certa altura da vida, aos 40 anos, eu não era escritor, era jornalista, aí aceitei a situação.

No seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, você disse que as letras o seduziram na adolescência, mas a vida o empurrou para o jornal...
Eu não me considero um escritor, porque, pelas contingências da minha vida, fui jornalista. Mas acho que o jornalismo é uma maneira de expressão secundária, uma atividade sem maior importância. O jornalismo de maneira geral, é uma atividade inferior. Mas fui me entregando ao dia-a-dia da vida, e aceitei a realidade. Não lutei para ter a minha condição de escritor. Para se ter família é preciso trabalhar muito, eu trabalhava em três, quatro jornais para ter um padrão de renda bom. Rilke, que era um grande poeta, casou-se, teve uma filha, e depois de alguns meses se separou da mulher, dizendo que era muito pobre para sustentar família. Ele foi fiel à vocação.

Com que idade você casou?
Eu tinha 28 anos. Eu não tinha vida social, quando mudei para o Rio, trabalhava das duas da tarde às três da manhã. A primeira moça que entrou no jornal foi a Elvia, aí me casei com ela.

O que significa a Academia Brasileira de Letras pra você?
Nada.

Por que você fez questão de entrar nela?
Não fiz tanta questão não. Como candidato pela primeira vez, fui lançado pelo José Aparecido. Ele imaginou que uma Academia que tinha eleito um Lira Tavares podia eleger um jornalista que era contra... Ele redigiu um telegrama em meu nome para os acadêmicos, registrando minha candidatura. Eu fiquei naquela situação de ter que concorrer. Não ganhei, mas ninguém ganhou também na primeira vez. Na segunda vez, eu fui candidato e ganhei... Fui recebido pelo José Sarney. Só estive umas três ou quatro vezes.

Você chegou a dar aula em universidade?
Quando criaram o Curso de Jornalismo na Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro, o Danton Jobim foi o primeiro professor, e eu fui assistente dele. Eu trabalhava até 4 horas da manhã na redação. Ia pra casa e aí tinha que dar aula às 8 hora. Só fui lá duas vezes. Eu morava no Grajaú e dava aula na Avenida Antonio Carlos, aí falei com Danton que não agüentava dar aula. Não só não tinha vocação para ser professor como não tinha condições materiais. Então sugeri o Pompeu de Souza para me substituir.

O que você acha da obrigatoriedade do diploma para ser jornalista? O curso de Comunicação está burocratizando a profissão de jornalista?
Eu acho isso duvidoso, não estou convencido, mas em todo caso acho que a faculdade não causa dano à formação do profissional. Como diz o Fernando Henrique Cardoso, a universidade brasileira está muito ruim, mas todo estudante, moça ou rapaz, que participa de uma universidade sai melhor de lá do que quando entrou. No fundo qualquer técnica é fácil de aprender, se você tem uma formação geral de História, de Política, de Direito Público, se conhecer a vida do seu país e do mundo e te uma visão histórica dos problemas do país...

O ambiente dos grandes jornais é conservador?
As instituições são todas conservadoras, a Igreja era conservadora, agora deixou de ser; a universidade era conservadora, agora deixou de ser, está num processo de renovação muito grande; e a imprensa também era conservadora. A imprensa hoje é uma indústria, em que o lado empresarial é mais importante que o lado jornalístico, e o lado boêmio da imprensa praticamente desapareceu. O jornalista dissociou-se muito da empresa, antigamente o jornal era feito por um jornalista que queria influir nos acontecimentos, na vida do país, então havia muita identidade até entre a redação que se formava e a empresa do jornal, havia muita solidariedade. Hoje não há nenhuma solidariedade entre o jornal e os jornalistas, os repórteres e redatores, o sujeito trabalha para aquela empresa, mas não tem nada a ver com aquela empresa, Eu trabalho para o jornal do Nascimento Brito há 26 anos e não tenho nada a ver com ele. Trato muito bem, temos boa relação pessoal, mas eu não penso como ele pensa, ele tem os compromissos dele.

Alguma vez você foi convidado pelo Roberto Marinho para ir para O Globo?
Fui convidado, em condições desagradáveis, que não aceitei; foi no dia da renúncia do Jânio Quadros. Eu ia entrando no Palácio, saltei na garagem, ia para o meu Gabinete, já que era Secretário de Imprensa do Presidente, e ia anunciar a renúncia do Jânio. Então, encontrei o Roberto Marinho, na garagem. Ele tinha uma audiência marcada com Jânio para as três horas da tarde, aí eu falei: "Dr. Roberto, o senhor não precisa subir. Vou lhe contar aqui confidencialmente. O presidente renunciou. Eu vou anunciar daqui a pouco a renúncia dele”. Ele disse: “Eu tenho que passar isso para o jornal”. Aí eu contestei: “Eu lhe falei agora, confidencialmente”. Aí ele disse: “Faltam só dez minutos.” Eu disse: “Só às três horas, o senhor vai esperar.” Aí ele me perguntou, “Você não quer trabalhar no Globo?” Falei: “Não.” Foi à única vez que ele me convidou.

Em Brasília os jornalistas acabam tendo uma intimidade grande com o poder, o que até complica um pouco, não? O Rio era assim também?
Não, o Rio era muito diferente, a gente se encontrava com os políticos na Câmara e no Senado, e isso acabou. A gente falava por telefone, mas não ia na casa um do outro. Era um fato excepcional a gente ir à casa de um político. Aqui não, aqui a gente vive na casa deles. Mas eu me retraí muito, raramente você vê um político na minha casa.

Voltando à sua trajetória, você saiu do Estado de Minas e foi para o Diário Carioca?
Eu estava no Estado de Minas, quando uma tarde tocou o telefone. Fui atender, era o Carlos Lacerda: “Castello, estou aqui assumindo o Diário Carioca, como diretor, você quer vir trabalhar comigo?” “Quero. Você vai me dar um prazo, né?” “Uma semana”. Eu liquidei minha situação em Belo Horizonte, saí do jornal, dos Diários Associados, me demiti e fui para o Rio. Cheguei no Rio, saí de casa assim de tarde, depois do almoço, fui para o Diário Carioca, que ficava na Praça Tiradentes. Cheguei lá e procurei o Carlos Lacerda, e ele não estava mais lá. Bem, aí fiquei na mão. Não conhecia ninguém no Rio para me ajudar, pensei: pronto, estou desempregado. Caminhei na direção da Avenida Rio Branco e encontrei por acaso o Neiva Moreira. “Carlito, o que você faz aqui?”, aí contei a ele o que tinha acontecido. Na mesma hora ele me ofereceu um emprego em O Jornal, onde ele era sub-secretário. “Mas você tem que começar agora. Você aceita?” “Aceito”, e comecei a trabalhar na mesma hora.

Seu estilo sempre foi o mesmo, Castello?
Minha coluna no começo era diferente do que é hoje. Tinha uma massa de informações muito maior, menos análise e mais informação. Eu vivia a vida política do país aqui em Brasília o dia todo. Eu ia de manhã e de tarde para a Câmara.

Você era um repórter político, hoje você é um analista político?
Eu sou basicamente um repórter, eu trabalho na base de notícias, então durante o regime militar eu aprendi a dar notícias de uma maneira indireta, não explícita. Eu uso a análise pra dizer o que eu sei sobre o assunto.

in Castello 50 anos de jornalismo. Entrevista cedida à Adriana Zarvos, em 1986, editada por Luciano Trigo.