JORNAL INOVAÇÃO – UM DEPOIMENTO

 

                                                                            Elmar Carvalho

 

Em virtude do lançamento da edição extraordinária do Jornal Inovação, comemorativa dos 40 anos da derrubada e queima dos tapumes, que escondiam os escombros da Praça da Graça, e da publicação do livro coletivo Salada Seleta, resolvi republicar na internet este meu depoimento sobre esse bravo periódico alternativo mensal, que breve fará 42 anos do lançamento de seu número inaugural. O evento aconteceu no entorno da Banca do Louro, que foi um admirador e amigo do Inovação e de seus colaboradores.

 

O jornal Inovação foi, sem sombra de dúvida, o mais consistente e mais duradouro jornal alternativo a circular em terra piauiense, pois o seu primeiro número foi lançado em dezembro de 1977 e o último, em janeiro/fevereiro de 1992, numa edição especial e extemporânea, que foi na verdade o seu canto de cisne.

 

Este trabalho é um simples depoimento, escrito quase ao correr e sabor da pena, das lembranças e da saudade, embora sem perder de vista os documentos e os fatos concretos, além de informações verbais, e produzido por quem viveu intensamente essa aventura, na verdade uma odisséia, para a Parnaíba do início do jornal. Não pretende esgotar o assunto, mas apenas servir de apontamento para um trabalho de mais alentado fôlego, a ser feito por quem tenha mais tempo e mais paciência do que eu para pesquisar o arquivo do jornal e outras fontes, pois o periódico e o Movimento Social e Cultural Inovação (que lhe servia de esteio), bem se prestam a uma dissertação de mestrado ou a uma tese de doutorado, porquanto a meu ver não existiu em Parnaíba, e talvez mesmo no Piauí, uma proposta cultural e de luta social mais bonita do que a que se lhes erigiu em torno.

 

Em seu primeiro número, já o jornal, em edição mimeografada, tipo apostila, delineava a sua linha de ação e editorial, quando denunciava a carência cultural da Parnaíba do final de 1977, ao dizer em sua primeira página: “Somos carentes de bibliotecas, centros culturais de nível mais elevado e tudo que a juventude sinta estar realmente segura, apoiada por órgãos municipais, sociedades filantrópicas e outros órgãos deveriam olhar mais pela cultura parnaibana.” A seguir dizia que a sociedade, a exemplo do que ainda ocorre hoje, só queria saber de diversões, sobretudo em boates, restaurantes, bares de esquina e bate-papo sem interesse cultural. Ainda nesse primeiro número, se dizia alinhado com o MDB, partido de oposição ao regime militar, na época do bipartidarismo.

 

Nos seus primeiros passos e vagidos, o pasquim foi saudado por outros periódicos, entre os quais, o jornal O Dia, de Teresina, edição de 30.04/01.05.78, que trazia uma reportagem sobre a imprensa alternativa. Estampava as capas do pasquim-mor, o Pasquim (este, assumido até no nome), de circulação nacional, e a do Inovação, nº 6, de abril/1978, tendo como legenda a frase: “surge um ‘nanico’ em Parnaíba”. Ou seja, um nanico federal ao lado de um nanico estadual.

 

O poeta, escritor e professor Alcenor Candeira Filho, em seu importante livro “Aspectos da Literatura Piauiense”, publicado em 1993 pela Editora e Gráfica da Universidade Federal do Piauí, reconhece que no início o jornal manteve relações de cordialidade com as mais importantes lideranças do MDB, embora sem vinculações ideológicas com esse partido político. Contudo, ainda nos primeiros números, o jornal passou a atacar um dos próceres do MDB de Parnaíba, o prefeito João Batista da Silva, apontando as mazelas e equívocos de sua administração.

 

Ainda nesse livro encontramos a seguinte informação: “O Movimento Social e Cultural Inovação foi oficializado no dia 15 de janeiro de 1978, ocasião em que importantes figurões do MDB se fizeram presentes: o prefeito João Batista Ferreira da Silva (...), o vice-prefeito Roberto Broder, o ex-prefeito José Alexandre Caldas Rodrigues, o deputado federal Celso Barros Coelho, o presidente regional do MDB João Mendes Nepomuceno, o presidente da ACEP Francisco José Martins Jurity, o poeta Elmar Carvalho,  (...) e os jornalistas Reginaldo Costa e Francisco José Ribeiro.”

 

 Além dos fundadores Reginaldo Ferreira da Costa e Francisco José Ribeiro, foram colaboradores da edição inaugural: Jeferson Ramos, Ângela, Bernardo Silva, Francisco Jurity, Marcos L. de R. Melo e Vicente Vicentino. Posteriormente, mas ainda no início, o jornal passou a contar com vários outros colaboradores, como Canindé Correia (uma espécie de guru do grupo), Alcenor Candeira Filho, Ednólia Fontenele, Airton Menezes, Vicente de Paula, Jorge Carvalho, Israel Correia, Diderot Mavignier, Mário Carvalho, Sólima Genuína, João Maria Madeira Basto, Fernando Holanda, Dr. Cândido Athayde, Dr. Celso Barros Coelho, Porfírio Carvalho, Francisco (Neco) Carvalho, Jonas Carvalho e Elmar Carvalho, além de outros colaboradores circunstanciais.

 

O Reginaldo Costa, além de fundador, foi seu diretor, redator e uma espécie de faz-tudo. Era um líder e incentivador. Era, verdadeiramente, um dínamo incansável. Várias vezes o vi varando dia e noite, preparando algumas das edições. Então é que se via a força de um ideal, slogan da global TV Rádio Clube (enquanto o do Inovação era um jornal sem colunista social), pois o Reginaldo fazia todo o trabalho de datilografia, montagem e planejamento gráfico, seja utilizando estêncil comum ou os destinados a mimeógrafo eletrônico.

 

Na primeira fase – a fase do mimeógrafo, de formato apostilado – o jornal foi quase sempre editado em Parnaíba, de forma algo clandestina, contando com o apoio de pessoas abnegadas e idealistas, cujos nomes ainda não podem ser revelados.

 

Em sua segunda fase, o Inovação tornou-se o primeiro jornal em off-set de Parnaíba, cidade que se orgulha de haver sido pioneira em várias coisas no Piauí. Era publicado em tamanho tablóide, e trazia várias fotografias e ilustrações de artistas parnaibanos, como Flamarion Mesquita, Bartolomeu Martins e outros mais. Portanto, registrou muito da História parnaibana recente, através de suas fotografias, desenhos, charges e cartuns. Mais uma vez era o Reginaldo, utilizando-se somente de uma pequena e modesta máquina de escrever elétrica, de cola, tesoura e estilete, quem fazia toda a diagramação, montagem e planejamento gráfico do valoroso e valente alternativo.

 

Na terceira fase, também em off-set, o Inovação quis seguir o padrão da grande imprensa, ao adquirir um tamanho maior, embora com menos página. Mas, então, já era o princípio do fim. Já as dificuldades de toda ordem, sobretudo as financeiras, começavam a falar mais forte e mais alto, o que terminou culminando com a desativação do jornal, cuja última edição foi aquela a que já me referi, de janeiro/fevereiro de 1992, que visava sobretudo a homenagear o seu grande incentivador e admirador Mário Carvalho, que falecera um pouco antes. Nessa edição de luto e de saudade foram publicados vários artigos, depoimentos e crônicas sobre o ilustre morto, escritos por Elmar Carvalho, Jonas Carvalho, Reginaldo Costa e João Maria Madeira Basto. Havia ainda um belo trabalho humorístico de quadrinhos, denominado “Expurgado por um desenhista expurgado”, da autoria do velho e sempre novo colaborador Flamarion Mesquita, e uma entrevista com o gerente executivo do Projeto de Irrigação Tabuleiro- Litorâneo, além de uma crônica do próprio Mário Carvalho, intitulada “A bodega do Zé Bento”, dentro da coluna “Projeto memória de Parnaíba/Jornal Inovação”. O editorial, além de ratificar o mesmo ideário do primeiro número, prometia a continuidade do jornal. Foi a primeira e última vez em que o Inovação não cumpriria uma promessa, pois foi aquela a sua derradeira edição, a sua última pá de cal e o seu verdadeiro e glorioso ocaso. O Inovação, de rica história e de bela trajetória, não mais circularia.

 

Logo no seu primeiro número, de dezembro de 1977, o Inovação trazia em suas páginas o conteúdo e a linha editorial, que seriam a sua marca registrada, até a última edição de jan./fev. de 1992, já referida e descrita. Nessa primeira edição, como nas demais, o jornal fazia reivindicações, críticas e apontava soluções. Tinha uma preocupação com os problemas sociais da cidade, principalmente das comunidades mais carentes. Demonstrava sintonia com o que se passava na aldeia global, ainda sem o rótulo globalizado da atual e famigerada “globalização”. Apresentava matérias literárias e culturais, além de se preocupar com a educação no município. Tudo isso seria uma constante, até o seu número final.

 

E assim se passaram dez anos, como diz a imortal canção popular. Nessa oportunidade, em artigo publicado no próprio periódico (nº 69 – janeiro/1988), titulado “Inovação – 10 anos de luta”, assim me pronunciei sobre o decênio: “Como sua direção editorial é de isenção e imparcialidade face às causas que defende, tem encontrado barreiras quase inexpugnáveis, apenas transponíveis graças ao esforço, que busca na própria dificuldade a sua própria força e a sua razão de ser (...)” E arrematei o texto, em alusão aos duplos sete anos de trabalho de Jacó, em sua luta pela conquista da bela serrana Raquel, que lhe era prometida e negada pelo pai Labão, com essas palavras: “E se outros dez anos não forem bastante, que outros dez sejam trilhados, apesar das ingratidões e da precariedade da vida fugaz”.

 

Em números mais recentes, expressivas figuras do mundo literário e cultural parnaibano, como Danilo Melo, Wilton Porto e José da Guia Marques, vieram integrar a plêiade inicial dos “inovadores”, mantendo-se a qualidade jornalística e literária do jornal, com pessoas do porte das mencionadas. Com o nível literário e cultural dos colaboradores, e depois com a impressão pelo sistema de off-set, o jornal mantinha-se num nível nem de perto alcançado pela imprensa parnaibana ainda hoje. Era um jornal informativo e de opinião, mas sempre combativo. Além das matérias “sérias” – reportagens e artigos – o alternativo também estampava excelentes matérias literárias, que marcaram época, no campo da poesia, da crônica e do conto.

 

Ainda em 28.08.83, através do Jornal da Manhã, assim eu já me pronunciava sobre o nosso pasquim: “Inovação é, atualmente, para algumas pessoas de Parnaíba, um jornal maldito. E incômodo, muito incômodo. Mas vale ressaltar que não obstante isso, ou exatamente por isso, é mais vendável e discutido que a grande imprensa de Parnaíba. Creio que em virtude de sua independência, de sua coerência para com a verdade, e de sua não omissão diante de fatos injustos e nocivos à comunidade”.

 

É preciso que se diga e agora vou dizer, sem vaidade, mas também sem falsa modéstia: antes de Alcenor Candeira Filho, com seus dois livros (“Sombras entre Ruínas” e “Rosas e Pedras”), impressos em mimeógrafo, pioneiros, inclusive em termos de Piauí, da utilização desse equipamento na confecção de livros, que passou a designar uma geração literária, deste escriba e do poeta V. de Araújo, ambos com poemas publicados, ainda nos idos de 1977/1978, nas páginas de “Folha do Litoral”, o que se via em Parnaíba eram poemas obsoletos e formalmente ultrapassados, sobretudo sonetos de cunho parnasiano, escola já destroçada em 1922, pelo movimento dos modernistas, mas cujos influxos ainda não haviam chegado a Parnaíba, ao menos publicamente, através de livros e jornais. Não mencionei o nome de Renato Castelo Branco em virtude de este notável escritor e poeta ter-se radicado em São Paulo há muitos anos e não haver publicado seus poemas modernistas em Parnaíba. Com o surgimento do Inovação, que provocou uma verdadeira revolução cultural e literária em Parnaíba, houve o ambiente literário propício para o aparecimento de novos nomes, que se somaram aos já referidos.

 

Com essa ambientação cultural criada em torno do Movimento Social e Cultural Inovação e do seu órgão de imprensa, houve a promoção de palestras, seminários e debates, inclusive com a integração entre Parnaíba e Teresina, antes tão distanciadas. Também a nossa gestão junto ao Diretório Acadêmico “3 de Março”, com a promoção desses eventos, e também de festival de música, jornada cultural e publicação de cartaz e livro de poemas, concorreu para essa efervescência artística, dantes nunca vista e nem depois, em nossa avaliação. Poetas de Parnaíba participavam de eventos em Teresina e vice-versa. Livros foram publicados com a presença de poetas dessas duas cidades. Basta que se compulsem as coletâneas “Aviso Prévio”, “Galopando” e “Em três tempos”, nas quais marcaram presença Alcenor Candeira Filho, Kenard Kruel, Paulo de Athayde Couto e Elmar Carvalho.

 

Graças sobretudo ao dinamismo e senso de organização do Reginaldo Costa, o alternativo sobrevivia independente de grupos políticos, e por isso tinha voz altiva e ativa. O jornal tinha um setor de assinaturas, que eram sempre renovadas, tanto de pessoas residentes em Parnaíba como em outras cidades e estados. Igualmente, possuía sua área de propaganda, quase sempre composta de anunciantes fiéis, que se mantiveram ao longo de toda a vida do periódico. Além disso, havia as pessoas que colaboravam financeira e economicamente, de forma espontânea, em virtude de admirarem o trabalho realizado. Esses três fatores contribuíram para a manutenção do alternativo.

 

Durante vários anos o jornal manteve uma biblioteca no centro de Parnaíba, onde ficava a sua sede, que era bastante freqüentada, sobretudo por jovens admiradores do trabalho desenvolvido pelos “inovadores” e sedentos por perspectivas culturais e nobres ideais, além de aspirarem a uma sociedade mais justa e mais fraterna, que era na verdade a pregação mais constante do Inovação, e talvez a sua utopia e desiderato final. Essa biblioteca prestou relevante serviço, além de ter servido de fator de integração e interação entre o jornal e seus leitores.

 

O jornal foi realmente pioneiro e inovador em várias posturas. Não foi um órgão meramente informativo e laudatório, mas formador de opinião, cultural e denunciador das arbitrariedades, desvios, desmandos e falcatruas administrativas, tanto em nível local, como estadual e federal. Não apenas denunciava, apontava soluções e sugestões. Foi talvez o único a verificar os problemas das comunidades, favelas e povoados. Inovou ao trazer na maioria de suas edições importantes entrevistas, sendo que algumas merecem destaque: a de uma prostituta anônima, humilde e pobre; a de Chagas Rodrigues, por ocasião de seu retorno à cena política do estado; a do padre Leonardo Martin, da linha progressista da Igreja, que parece ter levado uns puxões de orelha de seu bispo, pois depois tentou se retratar, embora a fita magnética provasse haver ele realmente falado o transcrito na entrevista; as concedidas pelos intelectuais e escritores Alcenor Candeira Filho, R. Fonseca Mendes e Assis Brasil; a do padre Ladislau João da Silva, a que farei referência à parte. Teve, ainda, o pioneirismo de trazer encartado em vários números um suplemento especial sobre variados assuntos. Foi igualmente o primeiro a fazer pesquisas de formato científico, com planilhas elaboradas pelo estatístico e professor Batista Teles, da UFPI, a respeito de problemas dos bairros, periferia e favelas parnaibanos, detectando problemas e perspectivas, que pudessem servir de orientação à administração municipal. Ressalte-se, também, o pioneirismo em promover debates e palestras, além da criação e manutenção da biblioteca, com livros literários, sociológicos, históricos e sobre economia, além de outros. Outro pioneirismo já foi ressaltado: a sua própria impressão em off-set, que possibilitou a utilização de fotografias e ilustrações. Inovou, ainda, ao criar uma seção de cartas, até por uma necessidade, pois vários leitores enviavam correspondências de apreço, solidariedade e admiração. Como se tudo isso não fosse o bastante, dedicava páginas às manifestações literárias e culturais.

 

Foi um jornal tão corrosivo e independente em suas denúncias, que seu diretor Reginaldo Costa e os colaboradores Bernardo Silva e o hoje deputado Olavo Rebelo foram processados, os quais tiveram por advogado o jurista Celso Barros Coelho. Os processos, de autoria do prefeito Batista Silva, incomodado com as denúncias contra sua administração, terminaram sendo arquivados. O Reginaldo foi, por mais de uma vez, agredido fisicamente. Outras vezes, membros do jornal sofreram ameaças, inclusive eu mesmo.

 

O que talvez mais incomodasse no jornal fosse o nível de seus redatores e colaboradores, além da criatividade, aliada a uma linguagem irônica, humorística, e muitas vezes debochativa, que tiravam do sério os autoproclamados “homens sérios”. Isto para não se falar nos editoriais e reportagens, que eram verdadeiros açoites, nos lombos dos pulhas e aproveitadores de todos os matizes.

 

Apesar de no seu início, como já foi dito, ter sido impresso em mimeógrafo, no formato de apostila, era mais lido do que a imprensa tradicional de Parnaíba. Circulava bastante. Era lido, discutido e comentado. Passava de mão em mão, e era recomendado a outros leitores. Tornou-se um formador de opinião, faceta que incomodava sobremaneira a administração municipal, que tentou inviabilizá-lo, por diferentes meios, inclusive com a tentativa de aliciamento de um dos seus integrantes, com o aceno da criação de um outro jornal. Inclusive, sob os auspícios do prefeito Batista Silva, um jornal, o Abertura, foi criado, com a participação de colaboradores do Inovação, suponho que com a finalidade velada de desagregar o grupo. Ambas as tentativas não obtiveram êxito. Contudo, é bom que se diga, algumas das sugestões e alternativas do jornal foram acatadas, e algumas denúncias inibiram ações nefastas à cidade.

 

Para que se tenha uma pálida idéia de quanto o jornal se tornou incômodo, basta que se diga que vários de seus colaboradores sofreram ameaças e perseguições em seus empregos. A situação se tornou tão difícil que, a partir de determinada época, ainda na primeira fase, a do mimeógrafo, o jornal teve que ser impresso em Teresina e Fortaleza, contando com o apoio de padres da linha progressista da Igreja Católica e do Sindicato dos Bancários, pois o tempo e todas as portas de entidades estatais e paraestatais se fecharam para ele, e não havia quem tivesse a coragem de lhe ceder equipamento mimeográfico.

 

Com efeito, a importância do jornal era tão elevada e a sua influência tão marcante, que vários jornais surgiram sob seu influxo, graças ao ambiente cultural, literário e libertário, que lhe surgiu em torno, como uma de suas conseqüências. Gravitando em torno do Inovação, contando com seu apoio logístico, moral e até mesmo material, e tendo como colaboradores vários de seus membros, podem ser elencados os seguintes jornais: Litoral News (grupo Ônzimo), Impacto (grupo de jovens), Periferia (Camp), Folha Estudantil (estudantes do C. E. L. R.), Juventude e Participação (Ginásio Clóvis Salgado), Tetéu (D. A. “3 de Março”), Abertura (Grupo Força Jovem), Caminhando (universitários do C. M. R. V.), Querela (grupo Querela), Hora do Estudante ( estudantes secundaristas), Batalha do Estudante (Clube de Leitura do C. E. L. R.) e Força Jovem (estudantes secundaristas do Grupo Força Jovem). 

 

Os principais articuladores do Inovação eram boêmios; boêmios no bom sentido da palavra, no sentido de que éramos apreciadores de uma cerveja estupidamente gelada com tira-gosto de caranguejo e de uma boa música. Nesses momentos de libações etílicas, como diria o folclórico e histórico Pacamão, traçávamos estratégias administrativas e políticas para o jornal; levantávamos pautas e matérias, além de que discutíamos problemas internos, que bem podiam ser a administração de egos, acaso momentaneamente inflados, como a discordância saudável em torno de algum assunto. Também eram discutidos os problemas financeiros e econômicos do jornal. Éramos um grupo homogêneo, até certo ponto apenas, pois havia os mais pragmáticos e os mais românticos, aqueles que acreditavam que a ditadura militar poderia ser derrubada a partir de um poema. E, por acaso, o regime militar não terá caído por causa da força da poesia – a poesia dos ideais e das ideias?

 

Agora, sim, vamos ao caso da entrevista com o padre Ladislau – Ladislau João da Silva. Creio que nos últimos meses do primeiro semestre de 1981, o referido sacerdote foi espancado por um latifundiário de Esperantina (ou por pessoa a mando deste). O proprietário se sentia naturalmente incomodado com as pregações e com as campanhas de conscientização política do padre, que inclusive organizara, por ocasião das comemorações do 7 de Setembro, uma passeata com trabalhadores carregando seus instrumentos de trabalho, como foices, enxadas, machados, etc. Suponho que o latifundiário e outras pessoas graúdas de Esperantina se sentiram irracionalmente ameaçados, daí por que o vigário sofreu o espancamento, fato que obteve alguma repercussão na mídia estadual, embora não tanto como merecia. Por essa razão, embora o Inovação não dispusesse de estrutura, eu e o Reginaldo resolvemos ir a Esperantina, bem distante de Parnaíba, para entrevistá-lo. No auge de nossa juventude e de nossa saudável boêmia e “irresponsabilidade”, seguimos pela manhã, em minha motocicleta, parando em quase todos os botecos de beira de estrada para tomarmos uma “calibrina” e batermos um papo. Chegando à cidade de Batalha, já nas proximidades de nosso destino, nos demoramos um pouco, em um bar, e entramos numa inconseqüente discussão sobre quem era maior: se Chico Buarque ou Ivan Lins. Eu defendia o primeiro, o Reginaldo, o segundo. Evidentemente, ainda não chegamos, passados quase vinte anos, a uma conclusão a respeito. Fizemos uma longa e bela entrevista, publicada com todo destaque na edição de nº 37, junho/julho de 1981, do Inovação, inclusive como Suplemento Especial, com direito a capa ilustrada e tudo mais. A viagem em si e a conversa com o entrevistado me renderam o poema “7 de Setembro”, dedicado ao padre, e publicado na mesma edição da entrevista, em que eu vociferava com toda a força de minha ardente juventude:

 

       Ai! Guernica

       Ai! Picasso

Ai! grito explodindo

em forma de cogumelo

de uma grande dor

       atômica

       atônita

       agônica

       e sem

       sentido.

 

Episódio rumoroso, que mereceu todo o interesse do jornal, foi o da destruição da Praça da Graça, pelo prefeito Batista Silva. O logradouro foi destroçado, com a finalidade de que uma outra praça (moderna) fosse construída em seu lugar, em vez de ser apenas preservada e restaurada a já existente, que era de grande beleza, e fazia parte do patrimônio afetivo e sentimental de várias gerações de parnaibanos, que ali brincaram, namoraram, amaram e passearam com seus filhos e netinhos, sendo o recanto encantado de tantas recordações e saudades. O fato é que a praça foi aniquilada, e os meses se passaram sem que uma outra fosse construída. Os escombros foram devidamente ocultados da vista dos parnaibanos, através de um tapume de madeira compensada. Eu sei disso muito bem porque morava na Praça da Graça, mais exatamente no apartamento dos Correios, de onde eu vislumbrava, outrora, uma mágica nesga da velha e bela praça. O Inovação que, como já frisado, se tornou um formador de opinião, e tinha muita força na comunidade, especialmente junto às lideranças mais jovens, começou uma veemente campanha pela reconstrução da praça, cujos tapumes chamava de “Muro da Vergonha”. As verrinas e catilinárias atingiam de morte o prefeito e os mentores da infeliz idéia de destruição do logradouro. A luta do pasquim começou a apimentar o brio e o sentimento da mocidade parnaibana, o que terminou culminando com a derrubada do “Muro da Vergonha”. Na noite de 31 de agosto de 1979 vários estudantes e pessoas do povo derrubaram os tapumes que encobriam os escombros da praça. Empilhavam as peças de madeira e tocavam fogo, numa verdadeira, guardadas as proporções e os motivos, derrubada da Bastilha, que no nosso caso denominamos de “Derrubada do Muro da Vergonha”. Eu tudo presenciei, pois como já disse morava na praça. Peguei uma bicicleta e fui chamar o Reginaldo Costa e o Bernardo Silva, que através do maldito/bendito Inovação contribuíram para que essa “revolução” acontecesse, o que terminou por forçar a reconstrução da praça, embora num modelo que não tinha toda a beleza e encantamento do anterior. O editorial, escrito pelo prof. Benedicto Jonas Correia, descreve o episódio com exatidão e veracidade, e lhe dá uma correta interpretação histórica e sociológica. O jornal dedicou um Caderno Especial sobre esse importante acontecimento da recente História de Parnaíba, inserido na edição de nº 22, de setembro/1979, na qual foi publicado o meu poema “Balada da Praça da (Des)Graça”, cujos versos finais descrevem o verdadeiro carnaval cívico, em que houve queima de foguetes e bombas de São João, com pessoas e carros circulando e buzinando em torno dos destroços da praça, que varou a noite do dia 31 de agosto até a manhã do dia seguinte:

 

Mas no dia da vingança

da derrubada do “Muro da Vergonha”,

que impedia o povo de contemplar

a terra revolvida, o relógio

tombado, a pérgula arruinada,

o povo percorria as ruas,

em verdadeiras passeatas marciais,

em olímpica apoteose,

sob o aceno das palmeiras imperiais,

que antes choravam orvalhos

em prantos, lamentações e ais

pela ruína dos cimentos,

das pedras e dos cascalhos.

 

O Inovação foi um jornal que marcou toda uma época, a época em que circulou, em que passava de mão em mão, em que era discutido, incentivado, admirado e aplaudido. Outro não existiu antes, mais valente e destemido, nem tampouco existiu nem existirá depois. Marcou de forma indelével toda uma geração, a geração daqueles que o fizeram com amor e dedicação e sem nenhum apego aos metais.

 

Encerro este depoimento com as mesmas palavras que disse, mais de década e meia atrás, e que foram transcritas pelo também ensaísta Alcenor Candeira Filho, em seu precioso livro, já referido: “Se alguém, algum dia, escrever um ensaio isento e imparcial sobre a cultura parnaibana não poderá olvidar, jamais, o jornal INOVAÇÃO”.

 

Texto publicado na revista Cadernos de Teresina, ano XII – nº 31 – dezembro/99, no Almanaque da Parnaíba, na plaqueta Aspectos da Literatura Parnaibana e no livro A Poesia Parnaibana.