JOAQUIM NABUCO

Centenário de falecimento de Joaquim Nabuco – I

JOAQUIM NABUCO1

Alberto Venancio Filho2

O centenário da morte de Joaquim Nabuco oferece oportunidade para o estudo de vários ângulos de sua destacada atuação e de sua excep­cional personalidade. Entre estes ângulos se situa a posição de acadêmi­co, membro da Academia Brasileira de Letras.

Esta trajetória constitui objeto do presente estudo, com respaldo de uma documentação nem sempre abundante.

Com a Proclamação da República é cortada a carreira política de Joaquim Nabuco com o abandono da vida pública. O afastamento é total, pois logo não atende aos apelos dos conterrâneos para se candidatar ao Congresso Republicano, nem na adesão ostensiva a movimentos monar­quistas.

Encontrava-se Joaquim Nabuco recém-casado, residindo em Pa­quetá no dia 15 de novembro, quando um amigo de barca veio anunciar a Proclamação da República. “A queda do Império” diria Nabuco em “Minha Formação”, “pusera fim à minha carreira... A causa monárquica devia ser o meu último contato com a política...”.

E escreveria:

“Em 1889 a 1890 estou todo sob a impressão do 15 de novembro seguindo-se ao 13 de maio. Em 1891 minha maior impressão é a mor­te do Imperador. De 1892 a 1893 há um intervalo: a religião afasta tudo mais, é o período da volta misteriosa, indefinível da fé, para mim uma verdadeira pomba do dilúvio universal, trazendo o rumo da vida renascente. De 1893 a 1895 sofro o abalo da Revolta, da morte de Sal­

1 – Conferência proferida na sessão conjunta do IHGB/ABL em 22 de setembro de 2010.

2 – Sócio titular do IHGB e Membro da ABL.

danha de que saíram meus dois livros “Balmaceda” e a “Intervenção”. Desde 1893, porém, o assunto que devia ser a grande devoção literária da minha vida, a Vida de meu pai, tinha-se já se apossado de mim e devia seguidamente durante seis anos ocupar-me até absorver-me.”

E diria posteriormente:

“Eu já começo a ver a sombra do número nove. Já disse que os noves são novas fases da minha vida. É curioso lembrar 49 o nascimento, 59 o internato (a separação da casa), 69 o Recife, 79 o Parlamento, a Abolição em 88. O casamento e a queda da monarquia 89, 99, que será um nove sem mais nada, um zero nove.”

Em fins de 1890 parte para Londres, com o propósito de exercer a advocacia e fará com o mesmo propósito uma segunda viagem. Mas essa atividade de advogado lhe está vedada, pois as empresas dependem do governo, e dele está afastado.

Em Londres publica “Agradecimento aos Pernambucanos” com res­posta ao apelo para se candidatar ao Congresso e na volta colabora no Jornal do Brasil recém-fundado por Rodolfo Dantas, seu grande amigo, mas logo em seguida deixa o periódico. Ao regressar da segunda viagem a Londres se ocupa de trabalhos literários e uma atividade frustrada, o exercício da advocacia.

Em sua casa se reúnem monarquistas, e lá é redigido em 1896 o Ma­nifesto da Nação Brasileira, assinado entre outros por Lafayete, Andrade Figueira e Assis Figueiredo, mas Nabuco se conserva alheio aos movi­mentos monarquistas. Ao apelo de Jaceguay pela Adesão à República, Nabuco responde em contrário com “O Dever dos Monarquistas”.

No refúgio de Paquetá, na mansão da Rua Marquês de Olinda e em Petrópolis, se dedica a leituras e cogita dos futuros livros em gestação; na residência da Rua Marquês de Olinda, tendo como vizinhos João Alfredo e Soares Brandão, egressos da Monarquia, o grupo se reúne à noite para as conversas chamadas Noites de São Petersburgo, referência ao livro de Joseph Maistre.

Alberto Venancio Filho

110

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 111 JoaquimNabuco

Em 1893 começou a organizar o arquivo do pai, o Senador Nabuco de Araújo, a fim de escrever-lhe a biografia; a redação começa em 1894 e conclui em 1896 e a biografia é publicada em 1897.

No ano de fundação da Revista Brasileira (1895), precursora da Aca­demia, Joaquim Nabuco estava assim num período de verdadeiro ostra­cismo, “dez anos de retraimento forçado”.

No ano de fundação da Academia, Joaquim Nabuco era admitido como sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e se empossa na sessão de 25 de outubro de 1896.

É curioso o tom saudosista do discurso, ao comentar os três motivos que fizeram aceitar a admissão. O primeiro motivo foi o pesar que ficara dos trabalhos de pesquisa, ao escrever a vida do senador Nabuco.

Após compulsar os vários materiais acumulados durante quarenta anos, diria:

“a abundância de documentos a respeito dele, não me fez senão ainda mais lastimar a perda dos arquivos de tantos homens nossos, arquivos que desapareceram de todo. Onde estão os papéis dos Andradas, de Feijó, de Olinda, de Vasconcelos, de Paraná e tantos outros, de quase todos os vultos de nossa história parlamentar? Ainda um filho, em que exista a preocupação do nome paterno, poderá por exceção, conservar os trabalhos e os documentos que ilustra aquele nome; na segunda geração, porém, espalham-se, perdem-se, vendidos em algum leilão obscuro, queimados ou varridos como inúteis.”

Sugeriu que se

“criassem lugares de conservadores da História Nacional, e que ho­mens como o Sr. Capistrano de Abreu, por exemplo, e outros que pertencem ao vosso quadro, tivessem a missão de colher os espólios políticos ou literários de valor para o país e que se achassem o perigo de ser destruídos. O Instituto me parece o abrigo mais tranquilo e mais seguro a que se possa confiar tão precioso depósito”.Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 112

O segundo motivo era ainda mais revelador: “um motivo de piedade nacional”.

“Nossa história está atravessando uma crise que se pode resolver, quem sabe, por sua mutilação definitiva. Uma escola religiosa (se re­feria ao positivismo) – se se pode dar com propriedade o nome de religião a uma crença que suprime Deus –, mais política em todo caso do que religiosa, pretende reduzir a história nacional a três nomes: Tiradentes, José Bonifácio e Benjamim Constant” e abstraindo-se de fazer um Brasil datar suas tradições somente da Independência. “To­marei porém a trindade em si.”

“Não discuto o papel de Benjamim Constant, a quem aliás, incon­dicionalmente, pertence o título que lhe deu a Constituição de 24 de fevereiro de fundador da República. Não hoje, e sim dentro de vinte ou cinquenta anos, é que se poderá julgar a sua iniciativa, o 15 de novembro, do ponto de vista da humanidade, que é o da civilização geral do mundo.”

E acrescenta:

“Reconheço o direito que tem tanto Tiradentes, como José Bonifácio a mais plena glorificação dos brasileiros; não creio, todavia, que Tira­dentes resuma em si todo o ingente esforço pela Independência brasi­leira, a ponto de absorver, para não falar dos outros, a glória dos heróis pernambucanos de 1817; e não acredito também que o concurso de José Bonifácio pese mais nas balanças da história do que o de Pedro I, cuja figura pretendem encobrir a dele, triste e ingrato papel mais de uma vez ele mesmo repeliu por lealdade patriótica”.

E continua:

“A ideia é que entre Tiradentes e José Bonifácio de um lado e Ben­jamin Constant do outro, isto é entre a Independência e a República, estende-se um longo deserto de quase setenta anos, a que posso dar o nome de deserto do esquecimento.”

Digo somente aquilo que está em vossas consciências, senhores, não é um deserto esse espaço de mais de meio século.R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 113 JoaquimNabuco

Tanto o primeiro como o segundo reinado assinalam constante pro­gresso material, intelectual e moral do nosso país.

Não, senhores, não há de se dizer que foi uma época perdida para o desenvolvimento nacional essa de dois reinados em que cresceram as nossas instituições parlamentares, com a força, a estabilidade e a florescência próprias do crescimento natural”.

E concluiria o tópico: “Não conheço mais belo episódio da instituição humana, do que esse que se pode escrever com duas datas, 7 de setem­bro de 1822 e 13 de maio de 1888. Não compreendo maior elogio para uma dinastia, do que poder afirmar que ela se preocupou mais com a dignidade dos seus concidadãos do que com a segurança do trono.”

De Dom Pedro II diria:

“Há, porém, uma qualidade que ninguém se atreveu a negar ao Im­perador: o seu ardente e quase exclusivo amor por este país. O Brasil teve para ele a força de um verdadeiro ideal de vida, isto é, a fascina­ção que a ciência tem para o sábio, a bandeira para o soldado, a cruz para o missionário.”

E ao finalizar:

“Entrando para o vosso número não faço, senhores, senão conformar-me à vontade que o Imperador, se vivesse, me teria manifestado do exílio. Foi este o meu terceiro motivo.”

Na sessão de 15 de dezembro de 1898 pronuncia no Instituto elo­gio dos sócios falecidos Garcez Palha, Couto Magalhães, João Mendes de Almeida, o Padre Belarmino de Souza, e entre eles Pereira da Silva, membro fundador da Academia.

Ao analisar-lhe a obra, aponta que:

“essa nova fase da independência foi também a que mais fascinou a Pereira Silva, que se fez seu historiador e que por isso recebeu do seu tempo o título de historiador nacional. Com efeito, depois da morte de Varnhagen é ele quem arrecada essa grande herança jacente.Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 114

Dessa obra pode-se dizer que não há outro igual: quem não quiser recorrer a ela terá que possuir uma verdadeira biblioteca, porque nin­guém mais escreveu a narração seguida de acontecimentos desde a independência até o fim, quase da monarquia. Ele era somente um vulgarizador, mas um vulgarizador convicto; o que queria era ser lido pelo maior número; que a massa tivesse a mesma impressão que ele, as mesmas imagens que recebia ao manusear rapidamente o passa­do.”

Concluía:

“Sua vida foi assim utilíssima; que a massa tivesse a mesma impressão que ele; ele distribuiu o pão de história aos milhares; são poucos os que sabem mais do que ele nos ensinou; ele é o mestre das primeiras letras da nossa história constitucional. E quando teremos outro? Não será decerto tão cedo e até lá ele ficará sem competidor.”

Na admissão do Instituto surge a Revista Brasileira da Academia Brasileira de Letras na nova fase de José Veríssimo, que definia a carac­terística da Revista naquele momento histórico:

“Este período é em nossa vida nacional de reorganização política e social. A Revista Brasileira não lhe pode ficar alheia e estranha. As questões constitucionais, jurídicas, econômicas, políticas e sociais, que nos ocupam e preocupam a todos, terão um lugar nas suas pági­nas republicanas, mas profundamente liberal, aceita e admite todas as controvérsias que não se achem em completo antagonismo com a ins­piração da sua direção. Em Política, em Filosofia, em Arte não perten­ce a nenhum partido, a nenhum sistema, a nenhuma escola. Pretende simplesmente ser uma tribuna onde todos que tenham alguma coisa que dizer e saibam dizê-lo, possam livremente manifestar-se.”

Nessa nova fase da Revista surge um novo ambiente de convivência e se forma um grupo de intelectuais e com eles Nabuco passa a conviver diariamente. O programa: “Em política, em filosofia, em arte, não perten­cer a nenhum partido, a nenhum sistema e nenhuma escola”, possibilitou que pessoas de convivências políticas mais diversas puderam conviver na Revista Brasileira e mais tarde fundar a Academia Brasileira de Letras.R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 115 JoaquimNabuco

Nabuco pertenceu ao grupo da Revista Brasileira “cujo agasalho nunca me faltou”, na qual publicou os primeiros capítulos do livro Um Estadista do Império. Mas para colaborar na Revista, indagava a José Veríssimo: “Até me alistar na sua Revista precisarei ver primeiro o que o senhor chama sua inspiração republicana.”

Na Revista iria predominar o puro aspecto literário e o espírito de tolerância que nela deveria se prolongar na Academia, como expressou Graça Aranha.

“A Revista Brasileira teve o dom da tolerância e da concórdia. Nas suas páginas e nas suas salas uma verdadeira confraternidade espiritu­al entre os homens os mais divergentes floresceu docemente. Era um encanto encontrarem-se ali monarquistas militantes como o Barão de Loreto, Taunay, Joaquim Nabuco, Eduardo Prado, republicanos des­temidos como Lúcio de Mendonça, socialistas como o dono da casa, anarquistas como o que foi por algum tempo sectário de Kropotkine e Elysée Réclus. A política não turbava aquele remanso literário. O que aí interessava era a literatura, e a esta Machado de Assis dava o mais expressivo cunho. Parece que nunca houve no Brasil até hoje um salão intelectual como o da Revista Brasileira. Ouvir Taunay contar, ou melhor, vê-lo ‘representar’ uma anedota pessoal, escutar o sussurro titubeante de Machado de Assis dissecando voluptuosamente um epi­sódio da vida, encher-se da sonora harmonia de Nabuco, acompanhar os paradoxos de Araripe Júnior, assistir às ‘demolições’ de José Verís­simo, deliciar-se na música secreta e exaltada de Raimundo Correia, viver enfim naquele ambiente de entusiasmo sentimental e aí fundir a fé na cultura imorredoura com a esperança na glória, jamais houve neste país maior gozo espiritual para um jovem brasileiro.”

Os depoimentos a respeito desse momento são unânimes:

“A redação da Revista Brasileira era na Travessa do Ouvidor, centro de reunião de uma grande e ilustre roda literária. Machado de Assis, Taunay, Joaquim Nabuco então no Rio, Silva Ramos, Lúcio de Men­donça, Graça Aranha, José Veríssimo, Inglês de Souza, João Ribei­ro, Sousa Bandeira lá se encontravam sempre à tarde. Conversava-se muito e tomava-se chá. Taunay e Nabuco se consolavam das suas de­cepções políticas, os outros eram quase todos mais moços, cheios de Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 116

aspirações, e Machado de Assis, sempre constante na sua dedicação às letras, se comprazia de ter encontrado, pela primeira vez na sua vida, um grupo.”

No comentário de Rodrigo Otávio:

“Todas as tardes, na ampla sala da Revista, à Rua Nova do Ouvidor, hoje Sachet, se reunia, sob o pretexto de uma generosa xícara de chá, um seleto grupo de colaboradores dela, do qual faziam assídua parte Machado, Nabuco e Taunay. Estes dois últimos, homens do Império, na bancarrota de sua assinalada situação política, dentro da nostalgia das honras evaporadas, foi para as letras que se haviam voltado; e, no convívio dos moços escritores do tempo, buscaram um derivativo para sua decepção. E outros, novos e ardentes, participavam dessa compa­nhia amável, a que presidia a graça perene de Machado.”

Do grupo da Revista Brasileira, diria Antônio Sales, um dos partici­pantes que não ingressou na Academia:

“Veríssimo, espírito céptico e mais do que isso libertário, oferecia com Aranha e Lúcio de Mendonça um contraste vivo com as mentalidades tradicionalistas e religiosas de Taunay e Nabuco. A palestra ganhava em interesse quando aparecia Inglês de Souza, profundo e discreto, analisando questões do dia, ou relembrando com Taunay e Nabuco figuras e episódios do antigo regime.”

Coelho Neto, quando da doação do Petit Trianon em 1923, escreveu um artigo

“A Consagração da Academia” e relatou o retrospecto histórico da instituição. Comparava as instalações precárias da Revista Brasilei­ra com o brilho dos participantes: “o negrume do recinto contrastava com o brilho da palestra que ali se tratava. Se as ideias fulgissem e as imagens relumbrassem, certo não haveria em toda a cidade casa mais iluminada do que aquela”. E se referiu aos conceitos diamantinos de Machado de Assis, ao esplendor dos períodos de Nabuco, a cintilação do espírito de Lúcio e dos paradoxos relampejantes de Paula Ney.R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 117 JoaquimNabuco

E Rodrigo Otávio apontou a presença dos dois grandes amigos, Na­buco e Taunay:

“Durante esse período de ostracismo, que durou dez anos, compôs Na­buco o melhor de sua produção literária. E, como não era então mais que um homem de letras, ia todas as tardes para a rodinha do salão da Revista. Também Taunay. Os dois, decaídos de sua brilhante posição política, curtiam as amarguras de um ostracismo que podia ser defini­tivo. Desfeito o círculo de seus antigos companheiros, lembraram-se de que eram escritores e o grupo da Revista, que era o da fina flor de nossa gente de letras, os acolheu com carinho. Eram dois tempera­mentos profundamente distintos. Nabuco mostrava certa tristeza na expressão, certa reserva na sua atitude melancólica, mas não perdeu a altivez do porte, superior, dominador, e o sorriso, quase permanente, que lhe aflorava aos lábios.

Taunay, ao contrário, era um desalentado. Toda sua expressão era de desconsolo manifesto e perene. Sentia-se-lhe a saudade da situação desfeita e ele mantinha sagrado o culto do Império. É preciso, en­tretanto, notar que Nabuco era robusto e são; Taunay estava doente. Ruía-lhe o organismo o mal tremendo da diabetes e ele, conhecedor do seu estado, amando a vida e tendo elementos para a fazer valer, tinha nisso um novo motivo de desconsolo. Entre os dois, se Nabuco era mais eloquente e vivaz na conversa, com sua voz cheia e harmo­niosa, Taunay era talvez mais interessante, na sua pequena vozinha, suavíssima, porém, monótona, pela variedade dos temas que versava, casos de guerra, histórias de viagens pelo interior do país, episódios governamentais e mesmo anedotas picantes, que Nabuco jamais seria capaz de contar. E o destino dos dois foi diverso. Nabuco deixou-se irresistivelmente levar pela tendência democrática de seu espírito e veio ainda a representar na vida pública do Brasil papel de notável e benemérito relevo; Taunay, depauperado pela enfermidade, foi defi­nhando aos poucos.”

Graça Aranha destacava a presença de Nabuco e Taunay no grupo da Revista Brasileira:

“A Academia, oriunda de um pacto entre espíritos amigos, hauriu nes­ta inspiração original a força intrínseca de que se mantém, e se vai Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 118

transmitindo às gerações que se sucedem. Joaquim Nabuco foi para os seus confrades um desses admiráveis “amigos” da Academia. Todos se sentiam desvanecidos da convivência desse homem extraordinário, que terminara as pugnas políticas em uma tão ofuscante auréola que o isolara das contingências da nova sociedade em formação no país. Em plena madureza, ainda moço, era venerado como um veterano herói. Tais eram a marcha acelerada em que ia o Brasil e a distância senhoril em que ficara Nabuco. Foi ele quem explicou a Academia à Nação e que lhe traçou o caminho a prosseguir. Na sua vida precária, sem pouso certo, sem meios, perseguida pela ironia, atacada pelo despeito, a Academia encontrou a sua resistência moral em Machado de Assis e Joaquim Nabuco, o par glorioso que ela pusera à sua frente, e cuja assistência justificaria diante do público a sua aparição no nosso caos literário.”

Joaquim Nabuco foi assíduo colaborador da Revista e o aparecimen­to das primeiras páginas do livro Um Estadista do Império, é saudado por Machado de Assis: “lamenta o crítico sagaz ter-se interrompido a carreira política de Joaquim Nabuco e por isso não se poder gravar no túmulo do senador Nabuco palavras semelhantes às que foram escritas na sepultura de Chatham, “o pai de Mr. Pitt”.

Machado a Azeredo:

“Na sala da Revista, Rua Nova do Ouvidor, 31, costumamos reunir-nos alguns, entre 4 e 5 da tarde, para uma xícara de chá e conversação: os mais assíduos são o Graça Aranha, o Nabuco, o Araripe Júnior, o Taunay, o João Ribeiro, o Antônio Sales, e ultimamente o Tasso Fra­goso. O José Veríssimo é da casa...”.

O nome de Nabuco constou sempre da lista dos futuros membros da Academia. Fundador da cadeira número 27 é eleito secretário-geral, exercendo o cargo até ausentar-se do país em missão no exterior e sendo substituído transitoriamente. Acompanhou então com interesse as ativi­dades da Casa, sempre presente quando da eleição do novo confrade.

A diretoria é eleita em 4 de janeiro: presidente Machado de Assis, secretário-geral Joaquim Nabuco e tesoureiro Inglês de Sousa. Em ou­R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 119 JoaquimNabuco

tra sessão são eleitos Silva Ramos primeiro-secretário e Rodrigo Otávio segundo-secretário.

A inauguração da Academia estava prevista para o dia 3 de maio. Dificuldade de local adiaram a cerimônia para o dia 20 de julho.

A sessão inaugural da Academia realizou-se na sala do Pedagogium, na Rua do Passeio, nº 82, prédio já demolido. O Pedagogium era um centro de aperfeiçoamento de professores, dirigido por Manuel Bonfim, e fora cedido, a pedido de Medeiros e Albuquerque, também acadêmico.

Machado de Assis comenta a sessão inaugural:

“Fez-se ontem a inauguração no Pedagogium e correu bem. Nem todos os membros aqui residentes compareceram à sessão, e grande parte, como sabe, reside no estrangeiro. A sessão inaugural constou de quatro palavras minhas abrindo a sessão, do relatório dos traba­lhos preliminares redigido pelo Rodrigo Otávio, e de um discurso de Joaquim Nabuco. Ambos houveram-se como era de esperar dos seus talentos”. Mais tarde Machado diria do discurso de Nabuco “que há muitas idéias. Posso divergir de um outro conceito, mas a forma lite­rária é primorosa.”

Nesta sessão Machado de Assis definiu de forma concisa e objetiva a Academia.

Declarava que assumindo o cargo de Presidente, pela consagração da idade: “Se não sou mais velho dos nossos colegas, estou entre os mais velhos.” E dizia ser simbólico da instituição, confiar na idade funções que mais de um espírito exerceria melhor. Apontava: “Não é preciso definir esta Instituição. Iniciada por um moço, aceita e completada por moços, a Academia nasce com alma nova, naturalmente ambiciosa.” Com a cau­tela de sempre Machado de Assis não apontava quem era o moço, mas evidentemente se tratava de Lúcio de Mendonça, que tivera a ideia da criação. Em seguida dava uma definição lapidar no clima conturbado do início da República: “O nosso desejo é conservar no meio da federação Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 120

política, a unidade literária. Tal obra exige, não só compreensão pública, mas ainda a nossa constância.”

Estava aí definido o espírito em que nascia a Academia, numa época de movimentos monarquistas e de outro lado exacerbações republicanas. Daí provinha a necessidade da unidade literária, evitando o receio de que o regime federativo que a Constituição de 1891 implantara pudesse que­brar a unidade nacional.

Mais adiante: “A Academia Francesa, pela qual esta modelou, sobre­viveu aos acontecimentos de toda casta, as escolas literárias e as trans­formações civis. A vossa há de ter as mesmas funções de estabilidade e progresso.” Eis outro sentido lapidar que Machado de Assis definiu para caracterizar a nova instituição, as funções de estabilidade mas ao mesmo tempo de progresso.

Falando da ideia dos patronos: “Declarava que o batismo das cadei­ras com o nome dos patronos é indício de que a tradição era o seu primei­ro voto da Casa. Cabe-vos fazer com que ele perdure.

E concluía: “Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam aos seus, a vossa obra seja contada entre as sólidas e importantes páginas de nossa vida brasileira.”

Na sessão de encerramento do primeiro ano acadêmico em 7 de de­zembro de 1897, expunha o programa para o ano seguinte como obriga­ção regimental:

“Como a nossa ambição nestes meses de início é moderada e sim­ples, convém que as promessas não sejam largas. Tudo irá devagar e com o tempo. Dentro do país achamos boa vontade e animação, que a imprensa tem nos agasalhado com palavras amigas, mas a vida desta primeira hora foi modesta, quase obscura.”

Talvez respondendo a certas objeções que devem ter surgido em re­lação à Academia, declarava:R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 121 JoaquimNabuco

“Nascida entre graves cuidados de ordem pública, a Academia Brasi­leira de Letras tem de ser o que são as associações análogas: uma torre de marfim onde se acolhem espíritos literários, com a única preocupa­ção literária, de onde estendendo os olhos para todos os lados, vejam claro e quieto”. Novamente nesse momento de indefinição Machado quis novamente definir o verdadeiro intuito e finalidade de institui­ção.

Indicava as tarefas a cumprir no próximo ano, andamento ao anuário bibliográfico, coligir os dados biográficos e literários, como subsídio para o dicionário biográfico nacional, e se for possível alguns ele­mentos do vocabulário crítico dos brasilianismos entrados na língua portuguesa. E comentava: “São obras de fôlego, cuja importância não é preciso encarecer a vossos olhos. Pedem diuturnidade paciência. A constância, se alguma vez faltou a homens nossos, é virtude que não pode morar longe desta Casa literária.”

Declarava em seguida, que:

“a Academia, trabalhando pelo conhecimento desses fenômenos, bus­cará ser com o tempo, a guarda de nossa língua. Caber-lhe-á então defendê-la daquilo que não venha das formas legítimas – o novo e seus escritores não confundindo a moda que perece com o moderno que vivifica.”

E conclui: “As investigações a que nós vamos propor, esse recolher de leitura, não será um ofício brilhante e ruidoso, mas é útil e a utilidade é um título, ainda nas academias”.

O discurso de Joaquim Nabuco na sessão inaugural é mais extenso e pode ser analisado sob dois aspectos: o primeiro, em relação às atividades da instituição, e outro, mais amplo, referente à função de escritor.

Lembra a permanência da instituição:

“A primeira condição de perpetuidade é a verossimilhança, e o que tentamos hoje é altamente inverossímil. Para realizar o inverossímil o meio heroico é sempre a fé; a homens de letras que se prestam a formar uma Academia não se pode pedir fé; só se deve esperar deles a Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 122

boa fé. A questão é se ela bastará para garantir a estabilidade de uma companhia exposta como esta a tantas causas de desânimo, de disper­são e de indiferentismo. Se a Academia florescer, os críticos deste fim de século terão razão em ver nisso um milagre; terá sido com efeito um extraordinário enxerto, uma verdadeira maravilha de cruzamento literário.”

Examina a escolha dos membros, feita pelos próprios em número de quarenta, com o símile da Academia Francesa, escolha quase força­da, pois tinha a medida do prestígio simbólico das grandes tradições. E acrescentava: “Não tomamos à França todo o sistema decimal? Podíamos bem tomar-lhe o metro acadêmico.” E com cautela diria: “Nós somos quarenta, mas não aspiramos a ser os Quarenta.”

A própria escolha não poderia ser evitada:

“Nenhum de nós lembrou o próprio nome, todos fomos chamados e chamamos a quem nos chamou. Houve uma boa razão para nos reu­nirmos ao convite do Sr. Lúcio de Mendonça; é que exceto essa, só havia outra forma de apresentação, era a oficial. Esta não seria de certo a mais inspirada, e não poderia ser tão ampla a nomeação por decre­to, enquanto uma eleição pública havia de ressentir-se da cor local. De qualquer modo que se formasse a série dos primitivos, a origem seria imperfeita; resultariam iguais injustiças. Não temos de que nos afligir: todas as Academias nasceram assim. Quem nos lançará em rosto o nosso nascimento, se fizermos alguma coisa; se justificarmos a nossa existência; criando para nós mesmos uma função necessária e desempenhando-a?”

Mas aponta:

“nós, os primeiros, seremos os únicos acadêmicos que não tiveram mérito em sê-lo, quase todos entramos por indicação singular, pou­cos foram eleitos pela Academia ainda incompleta, e nessas escolhas, cada um de nós, como que teve em vista corrigir a sua elevação isola­da, completar a distinção que recebera; só dora em diante, depois de termos uma regra, tradição e emulação em torno de nós, o interesse, a fiscalização da opinião, a consagração é que a escolha poderá parecer R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 123 JoaquimNabuco

um plebiscito literário. Nós de fato constituímos um primeiro eleito­rado”.

E assinala à proporção de ausentes

“a Europa sempre exerceu sobre a imaginação dos nossos homens de letras, uma atração perigosa. Houve, talvez, tempo em que Maga­lhães, Gonçalves Dias, Porto Alegre, Odorico Mendes, João Francis­co Lisboa, Salles Torres Homem, Maciel Monteiro, Gomes de Souza, Varnhagem, Joaquim Caetano, Pereira da Silva poderiam ter formado uma Academia Brasileira em Paris. Isso vinha lá de trás e continua hoje com a mesma força. Bem poucos homens de letras que recusa­riam a qualquer tempo um desterro para longe do país. Como quer que seja, foi preciso contar com essa migração certa do talento nacional, com esse tributo que ele pagou sempre a Paris”.

E quanto à proporção de velhos e jovens:

“Havia também que atender à representação igual dos antigos e os modernos. Uma censura não nos hão de fazer, sermos um gabinete de antiqualhas. A Academia está dividida ao meio, entre os que vão e os que vêm chegando; os velhos, aliás sem velhice, e os novos; os dois séculos estão bem acentuados, e se algum predomina é o que entra; o século XX tem mais representação entre nós do que o século XIX. Quanto a mim, já tomei o meu partido. . . Uma vez me pronunciei entre os dois e como o fiz no livro de uma jovem senhora do nosso pa­triciado, perdir-lhe-ia licença para reproduzir, creio que nos mesmos termos, essa minha última profissão de fé. “Nascido, dizia eu, em uma época de transição, prefiro em tudo, arte, política, religião, ligar-me ao passado que ameaça ruína do que ao futuro que ainda não tem forma. Eu não sou o poeta do quadro de Gleyre, vendo a barca das ilusões perdidas, dourada pelo crepúsculo da tarde, e abismado no seu próprio isolamento.”

E tratava do tema de tradição na escolha dos patronos:

“As Academias, como tantas outras, precisam de antiguidade. Uma Academia nova é como religião sem mistérios, falta-lhe solenidade. A nossa principal função não poderá ser preenchida senão muito tempo Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 124

depois de nós, na terceira ou quarta dinastia de nossos sucessores. Não tendo antiguidade, tivemos que imitá-la e escolhemos nossos an­tepassados. Escolhemo-los por motivo, cada um de nós, pessoal, sem querermos, eu acredito, significar que o patrono na sua cadeira seja o maior vulto das nossas letras.”

E em seguida:

“A lista das nossas escolhas há de ser analisada como um curioso do­cumento autobiográfico; está aí o sentido da minha. Entretanto, como nenhum de nós preocupou-se de escolher a maior figura de nossas letras, pode ser que algumas delas não figurem nesse quadro. Teremos meio de reparar essa falta com homenagens especiais.”

E apontava nomes que deveria preencher as cinco cadeiras restan­tes:

“Alexandre de Gusmão, Antônio José, Santa Rita Durão, São Carlos, Monte-Alverne, José da Silva Lisboa, Porto-Alegre, Sales Torres-Ho­mem, José Bonifácio, o avô e o neto”, este escolhido por Medeiros e Albuquerque, “Antônio Carlos, J. J. da Rocha, Odorico Mendes, Fer­reira de Menezes.”

O artigo 23 do Regimento determinava que

“cada acadêmico escolhesse para a sua Cadeira o nome de um vulto da literatura nacional”. No comentário de Rodrigo Otávio no relató­rio do primeiro ano, “reunindo assim, sob o mesmo teto, a veneração respeitosa pelos homens ilustres que engrandeceram a nossa histó­ria literária, num esforço fecundo dos que presentemente procuram engrandecê-lo ainda mais”.

A proposta deixava a critério do novo acadêmico a escolha do patro­no. Nabuco era de opinião que os patronos deveriam ser escolhidos por motivo pessoal, sem querer significar que o patrono devesse ser o maior vulto de nossas letras. Assim, escolheu a figura de Maciel Monteiro por pernambucanismo.R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 125 JoaquimNabuco

E menciona a escolha controvertida: “Foi assim, pelo menos, que eu escolhi a Maciel Monteiro. Nesse misto de médico poeta, de orador, de diplomata, de dandy que vem a morrer de amor, elegi o pernambucano.”

No comentário de Graça Aranha, Nabuco quis honrar o pernambuca­no, que enaltecera em outro discurso:

“O molde desses senhores de engenho que no século XVII como no século XVIII e no começo deste século davam quanto possuíam, terra, escravos, sangue, filhos, para as lutas em que o amor próprio pernam­bucano estava empenhado: teria ficado e ter-se-ia, talvez podido fixar como um traço permanente da raça essa nuance que encontrareis em Maciel Monteiro, em Boa Vista, em Nunes Machado, nos Cavalcanti, no Marquez de Recife, em Feitosa, como entre o povo, essa mistura de cavalheirismo e refinamento, a mesma no poeta ou no orador, no mili­tar ou no administrador, no tribuno ou no jornalista, no morgado ou no sertanejo. . . Não há, porém, sociedade que possa resistir à destruição constante de toda a sua flor, à cessão a outras paragens de tudo em que ela se revê com orgulho e amor. Como constituir um povo escolhido se é a escolha mesmo do que ele tem de melhor que lhe é constante­mente roubado? A combinação, o matiz, do antigo pernambucano, a sua fórmula mereciam ser conservadas; alguns de seus traços, são de uma delicadeza rara, de uma fidalguia incomparável. . . Estudai Nu­nes Machado, ou Feitosa, ou Suassuna, ou Sebastião do Rego, tantos outros, qualquer e não vos consolareis como eu. Como produzir essa cristalização perfeita.”

José Veríssimo criticou a escolha de Maciel Monteiro:

“Não foi senão um trovador de salão, caro às damas que se picavam de aristocracia e de espírito, um poeta retardatário que ainda compunha glosas, versejava em álbuns de senhores e improvisava com facilidade – gênero de talento muito prezado dos nossos avôs, mas hoje justa­mente desacreditado.”

Wanderley do Pinho lembra que “Nabuco parecia insinuar ser o Barão de Itamaracá o seu paradigma ao escolhê-lo para patrono da cadeira que ocupava na Academia Brasileira”. E apontava as semelhanças: “Ambos de Pernambuco, ambos poetas e escritores, ambos parlamentares, diplo­Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 126

matas, ousados nas modas.” Recordava, também, o platônico entusiasta que foi de Maciel Monteiro, diante das atrizes, com a réplica anos depois de Joaquim Nabuco”, em sua calorosa solicitude à Sarah Bernhardt”.

No volume “Poesias”, de Maciel Monteiro, publicadas em 1962 pela Comissão de Literatura do Conselho Estadual de Cultura de São Paulo, José Aderaldo Castelo faz um estudo profundo da obra poética, demons­trando ele ter sido um poeta de transição, misturando tratamento temático tradicionalista com romântico, mas com ênfase na exaltação da mulher como no famoso soneto Formosa, com o famoso verso inicial “formosa qual pincel em tela fina”. O estudo confirma que se Maciel Monteiro não foi um dos grandes poetas de seu tempo, como conclui José Aderaldo Castelo mas

“torna-se em face do momento de definição do romantismo brasileiro, um dos mais nacionais dos primeiros poetas, e além disso, indepen­dentemente em face do Gonçalves Magalhães, Porto Alegre, Sales Torres-Homem e outros, além de Gonçalves Dias”.

Para Eduardo Portella a escolha do patrono recaiu

“na personalidade prismática do seu conterrâneo Maciel Monteiro (1804-1868); encarnação fidedigna da mitologia romântica, precoce­mente cindida entre o trabalho e o lazer, a cumplicidade e a recusa, que o dandismo literário por ele cultivado conseguiu representar, nos termos do protocolo burguês então vigente”.

A devoção de Nabuco por Maciel Monteiro permaneceu, pois em 1905 indagava de Arthur Orlando:

“Diga-me. Não se poderá ler a obra literária de Maciel Monteiro co­ligida? Pernambuco devia-lhe bem isso se o atual Governador (Se­gismundo Gonçalves), há de ser simpático à idéia. Nela poderiam ser incluídos os discursos. E a correspondência onde estará? Dos tempos da diplomacia não haveria nada a apurar em Lisboa?”R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 127 JoaquimNabuco

E no discurso expõe a teoria dos expoentes:

“Algumas das nossas individualidades mais salientes dos estudos mo­rais e políticos, do jornalismo e na ciência, deixaram de ser lembradas . . . A literatura quer que as ciências ainda mais altas, lhe dê a parte que lhe pertence em todo domínio da forma. Outros nomes, estes literá­rios, estão ausentes, alguns, porém renunciaram às letras. Devo dizer que compreendendo a omissão destes, a uma Academia importa mais elevar o culto das letras, o valor do esforço, do que realçar o talento e a obra do escritor.”

“Apontando para a diversidade de figuras, ao percorrerdes a nossa lis­ta, vereis nela a reunião de todos os temperamentos literários conhe­cidos. Em qualquer gênero de cultura somos um México intelectual; temos a tierra caliente, a tierra templada e a tierra fria . . .”

Voltava-se para o futuro da Casa:

“A utilidade desta companhia, será, a meu ver, tanto maior quanto for um resultado da aproximação, ou melhor, do encontro em direção oposta, desses ideais contrários, a trégua de prevenções recíprocas em nome de uma admiração comum, e até, é preciso esperá-lo, de um apreço mútuo.”

E mudando de plano, acentua a responsabilidade do escritor:

“Porque, senhores, qual é o princípio vital literário que precisamos criar por meio desta Academia, como se compõe a matéria orgânica em laboratórios de química? É a responsabilidade do escritor, a cons­ciência dos seus deveres para com sua inteligência, o dever superior da perfeição, o desprezo da reputação pela obra. Acreditais que um tal princípio limite em nada a espontaneidade do gênio? Não, o que faz é somente impor maiores obrigações ao talento. A responsabilidade não pode ameaçar nenhuma independência, coarctar nenhuma ousa­dia; é dela, pelo contrário, que saem todas as nobres audácias, todas as grandes rebeldias. Em França a Academia reina pelo prestígio de sua tradição; exerce sua influência pela escolha, pela convivência e pelo tom; mantém um estilo acadêmico, como toda a arte francesa, convencional, acabado, perfeito. Nós não temos por missão produzir esse estilo, o qual, como toda concepção intelectual, escapa à vonta­Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 128

de e ao propósito, pode ser guardado e cultivado, mas não pode ser criado, obedece a leis de cristalização de cada idioma, à simetria de cada gênio nacional. Nós pretendemos somente defender as fontes do gênio, da poesia e da arte, que estão quase todas no prestígio, ou an­tes na dignidade da profissão literária . . . Não tenhamos tanto ciúme do gênio, o gênio há de revelar-se de qualquer modo; ele faz a sua própria lei, cria o seu próprio berço, esconde o seu nascimento, como Júpiter infante, no meio dos seus coribantes.”

E expõe:

“Basta essa curta história de nossa formação para se ver que não po­demos fazer o mal atribuído às Academias pelos que não querem uma literatura sombra da mais leve tutela, do mais frouxo vínculo, do mais insignificante compromisso. É um anacronismo recear hoje para as Academias o papel que elas tiveram em outros tempos, mas se aquele papel fosse ainda possível, nós teríamos sido organizados para não o podermos exercer.”

E em frase lapidar:

“Eu confio que sentiremos todo o prazer de concordarmos em discor­dar; essa desinteligência essencial é a condição da nossa utilidade, o que nos preservará da uniformidade acadêmica”. E explicava: “Mas o desacordo tem também o seu limite, sem o que começaríamos logo por uma dissidência. A melhor garantia da liberdade e independência intelectual é estarem unidos no mesmo espírito de tolerância os que vêem as coisas d’arte e poesia de pontos de vista opostos. Para não podermos fazer nenhum mal basta isso; para fazermos algum bem é preciso que tenhamos algum objetivo comum. Não haverá nada co­mum entre nós? Há uma coisa: é a nossa própria evolução; partimos de pontos opostos para pontos opostos, mas como astros que nasces­sem uns a leste e outros a oeste, temos que percorrer o mesmo círculo, somente em sentido inverso. Há assim de comum para nós o ciclo, o meio social que curva os mais rebeldes e funde os mais refratários; há os interstícios do papel, da característica, do grupo e filiação literária, de cada um há a boa fé invencível do verdadeiro talento. A utilidade desta companhia será, a meu ver, tanto maior quanto for um resultado de aproximação, ou melhor, de encontro em direção oposta, desses R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 129 JoaquimNabuco

ideais contrários, a trégua de prevenções recíprocas em nome de uma admiração e até é preciso esperá-lo de um apreço mínimo.”

Nabuco fala do convívio com os jovens e procura resgatar a tristeza do ostracismo:

“Além da deferência devida à companhia a que me faziam pertencer, confesso-vos que aceitei a honra que me foi feita, atraído pelo prazer de me sentir ao lado da nova geração. Cedi também, devo dizer-vos, à necessidade que sente de atividade, de renovação um espírito mui­to tempo ocupado na política e que de boa fé acredita ter voltado às letras.”

E completa:

“Disse-vos porém, que vim seduzido do contato, ou quisera que pu­desse dizer, o contágio dos jovens. Como as diferentes idades da vida, se compreendem mal umas as outras, é a observação que vou fazendo na medida que caminho. Asseguro-vos que não suspeitava do que é a vista da mocidade tomada de outra margem da vida. Os que envelhe­cem não compreendem mais o valor das ilusões que perderam; os jo­vens não dão valor à experiência que ainda não a tem. Há dois climas na vida, o passado e o futuro. A Academia, como o nobre romano, tem a sua vila dividida em casa de verão e casa de inverno. Podeis habitar uma ou outra, conforme o vento soprar. Eu diria a todos os novos espíritos ambiciosos de abrir caminho para a glória; não receiem a concorrência dos mais velhos, sejam jovens e hão de romper tão na­turalmente, como os rebentos da primavera rompem a casca da árvore rugosa. Basta a mocidade, se for verdadeiramente a vossa própria mo­cidade que expressardes para um dar o nome.”

E fixando a posição da política:

“Na academia estamos certos de não encontrar a política. Eu sei bem que a política, ou tomando-a em sua forma a mais pura, o espírito público, é inseparável de todas as grandes obras: a política dos Faraós reflete-se nas pirâmides tanto quanto a política ateniense no Partenon; o gênio católico da Idade Média está na “Divina Comédia”, como o gênio protestante do Protetorado está no “Paraíso Perdido”, como o Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 130

gênio da França monárquica está na literatura e no estilo dos séculos XVII e XVIII. . .

Nós não pretendemos matar no literato, no artista, o patriota, porque sem a pátria, sem a nação, não há escritor, e com ela há forçosamente o político. Até hoje, apesar do cristianismo, que trouxe o sentimento de uma comunhão mais vasta, o gênio nada fez fora da pátria ou, pelo menos, contra a pátria. A pátria e a religião são em certo sentido cati­veiros irresgatáveis para a imaginação, condições do fiat intelectual. A política, isto é, o sentimento do perigo e da glória, da grandeza ou da queda do país, é uma fonte de inspiração de que se ressente em cada povo a literatura toda de uma época, mas para a política pertencer à literatura e entrar na Academia é preciso que ela não seja o seu próprio objeto; que desapareça na criação que produziu, como o mercúrio nos amálgamas de outro e prata. Só assim não seríamos um parlamento.”

Tecendo outras considerações, menciona leitura feita na Biblioteca de Buenos Aires de páginas assinadas por Bartolomeu Mitre, “a quem sinceramente admiro”, expondo a ideia de que a literatura hispano-ameri­cana ainda não produzira um livro. “Que livro”, diz ele, “se tomaria para uma viagem” – e Nabuco acrescentaria para o exílio?

“Senhores, hoje nenhum de nós se contentaria com um livro; um livro em poucos dias está lido e não gostaríamos de reler – para uma viagem precisamos levar uma biblioteca. . .

Nós podemos compreender-nos na sentença de Mitre; não tivemos ainda o nosso livro nacional, ainda que eu pense que a alma brasileira está definida, limitada e expressa nas obras de seus escritores, somente não está toda em um livro. Esse livro, um exator hábil, podia, porém, tirá-lo de nossa literatura. O que é essencial está na nossa poesia e em nosso romance.”

Não se poderá cogitar de que o livro cogitado por Nabuco inspirado por Mitre não estaria já em gestação, na descrição dos episódios da guerra de Canudos e que se tornaria Os Sertões? R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 131 JoaquimNabuco

E acrescentava:

“Temos pressa de acabar. Estamos todos eletrizados, não passamos de condutores elétricos, e o jornalismo é a bateria que nos faz passar para os nossos corações essa corrente contínua . . . Se fôssemos somente condutores, não haveria mal nisso, que sofrem os cabos submarinos? Nós, porém, somos fios dotados de uma consciência que não deixa a corrente passar despercebida de ponta a ponta e nos receber em toda a extensão da linha o choque constante dessas transmissões univer­sais...”

Discutindo o problema da unidade literária com Portugal, afirma com convicção Nabuco:

“Julguei sempre estéril a tentativa de criarmos uma literatura sobre tradições de raças que não tiveram nenhuma; sempre pensei que lite­ratura brasileira tinha que ser principalmente do nosso fundo europeu. Julgo outra utopia pensarmos em que nos haverá de desenvolver li­terariamente, no mesmo sentido que Portugal ou conjuntamente com ele em tudo que não dependa do gênio da língua. O fato é que falando a mesma língua, Portugal e Brasil tem de futuro destinos literários profundamente divididos como são os seus destinos nacionais. Querer a unidade em tais condições seria um esforço perdido.

Portugal, de certo, nunca tomaria nada essencial ao Brasil e a verdade é que ele tem muito pouco de primeira mão que lhe queiramos tomar. Uns e outros nos fornecemos de idéias, de estilo, de erudição, nos fabricantes de Paris, Londres ou Berlim ...

A língua é um instrumento de idéias que pode e deve ter uma fixidez relativa nesse ponto. Tudo precisamos empenhar para secundar o es­forço e acompanhar os trabalhos dos que se consagraram em Portugal, à pureza de nosso idioma, a conservar formas genuínas, características da lapidarias da sua grande época.”

Nesse sentido nunca virá o dia em que Herculano, Garett e seus su­cessores deixem de ter a vassalagem brasileira.Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 132

E na conclusão:

“A formação da Academia de Letras é a afirmação de que literária como politicamente, somos uma nação que tem o seu destino, seu ca­ráter distinto, que só pode ser atingida por si mesma, desenvolvendo sua originalidade com seus recursos próprios, só querendo, só aspiran­do a glória que possa vir de seu destino.”

No diário de Nabuco há uma referência lacônica do dia 20 de julho:

“Todo o dia no discurso, Inauguração da Academia Brasileira de Le­tras; pronuncio o discurso inaugural.” E no dia seguinte: “Corrigindo o discurso de posse que dou à Revista Brasileira.”

Sobre este discurso há comentários significativos.

Manoel Bandeira indicaria que: “O discurso de Nabuco foi uma pá­gina deliciosa, aguda e elegantíssima, temperada do mais fino humor.”

Para Luiz Viana Filho:

“O discurso, no qual traçou a história e os ideais da instituição, foi entremeado por algumas confissões. Batido pelo temporal, ele se reco­lhera à torre de marfim, e daí, meditativo, pudera divisar a existência de um novo ângulo, descobrindo aspectos que haviam sido impercep­tíveis nos dias de triunfo.”

E se reporta a outro trecho do discurso:

“Os que envelhecem não compreendem mais o valor das ilusões que perderam; os jovens não dão valor à experiência que ainda não tem”. A estes, no entanto, tranquilizou: “não receiem a concorrência dos mais velhos: sejam jovens e hão de romper tão naturalmente como os rebentos da primavera rompem a casca da árvore enregelada.”

Comenta Luís Viana Filho:

“Sim, Nabuco envelhecia. Embora com menos de cinquenta anos os sulcos colocados pelo Tempo nos dias rudes de ostracismo eram pro­fundos. Os cabelos, com aquelas ondas que lembram uma “invisível R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 133 JoaquimNabuco

tempestade”, embranqueceram inteiramente. É a coroa de neve no cimo do vulcão quase extinto.”

Levi Carneiro, falando na Academia na sessão de 15 de agosto de 1949, na comemoração do centenário de nascimento, assim definiu o dis­curso:

“Sua oração inaugural, modelar na forma e no fundo, tão atual hoje como no dia em que foi proferida, tornou-se manancial inexaurível em que, há meio século, gerações sucessivas de acadêmicos haurem alento e inspiração.

Por uma coincidência propícia, pode supor-se que, na condição em que, a esse tempo se achava, afastado da vida pública, fiel à monar­quia sem se adaptar à mentalidade dominante nas rodas monárquicas – Nabuco precisava da Academia, de uma ‘casa de boa companhia’, na expressão de Machado de Assis, que lhe fosse refúgio tranquilo, com ambiente adequado à expansão da sua constante e irreprimível vibração espiritual. Ele próprio diria que cedera ‘a necessidade, que sente, de atividade, de renovação, um espírito muito tempo ocupado na política e que de boa fé acredita ter voltado às letras.”

Levi Carneiro acrescentaria:

“Todavia, somente Joaquim Nabuco, aliando à condição de homem de letras de Machado de Assis, às preocupações políticas de Lúcio de Mendonça, definiu o sentido da Academia, fixou-lhe os objetivos, marcou-lhe o rumo da trajetória, transfundiu-lhe suas preocupações de arte e de patriotismo impregnado de humanismo. Era ele predestinado para essa obra luminosa, que reclamava, a par do espírito literário, espírito político. Sem isso, a iniciativa de Lúcio de Mendonça, como tantas outras similares, talvez tivesse curta duração. Nabuco deu-lhe longevidade, que reconhecera imprescindível, votando-a a uma tarefa eterna, para que se reuniriam velhos e novos, com o “mesmo espírito de tolerância os que vêem as coisas de arte e de poesia de pontos de vista opostos”, sem “matar no literato, no artista – o patriota”, defen­dendo “as fontes do gênio, da poesia e da arte, que estão, quase todas, no prestígio, ou antes na dignidade da profissão literária”, contribuin­do para a “uniformidade da língua escrita”, apesar da profunda sepa­Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 134

ração dos destinos literários de Portugal e do Brasil. Em suma, fez da Academia, uma nova, imprevista, oportuna afirmação do destino e do caráter, independentes, literária e politicamente, do Brasil.”

Wilson Martins examinou a criação da Academia no momento his­tórico:

“Em 1897, marca o início de um período em que a consciência na­cional se revela na fundação da Academia Brasileira de Letras, cujo discurso de instalação é proferido por Machado de Assis a 20 de julho daquele ano. Interpretando, com certeza, o consenso dos seus amigos e confrades, dizia ele, num eco indireto, mas evidente e inegável, das tormentas políticas e militares daqueles dias: ‘O vosso desejo é con­servar, no meio da federação política, a unidade literária’.”

Era o que dizia, por outras palavras, exprimindo as mesmas preocu­pações e pontos de vista idênticos, o secretário perpétuo Joaquim Nabu­co:

“‘Na Academia estamos certos de não encontrar a política’. Em face de tantas dissidências, divergências, ódios mal contidos, ressentimen­tos, ímpetos de vingança, os brasileiros buscavam instintivamente, como na revista de José Veríssimo, um ponto de encontro em que pudessem dialogar, não apesar, mas por causa das suas discordâncias – mesmo em literatura, mesmo sob a cúpula academizante do grande salão literário.”

Joaquim Nabuco foi assíduo às sessões a partir de 1897, embora no período inicial não fossem elas muito frequentes. Até 1899, das vinte e três sessões ele falta apenas a seis sessões, a primeira na segunda sessão preparatória de 23 de dezembro, uma em 1897, outras duas em 1898 e a última que comparece em 30 de novembro de 1898. As atas eram extre­mamente sucintas e não há registro de sua participação em plenário. Na sessão de 21 de junho de 1899, o presidente Machado de Assis anuncia que “o Sr. Joaquim Nabuco, secretário-geral, se retira para a Europa em missão do Governo, a qual o deverá apartar por alguns anos dos trabalhosR. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 135 JoaquimNabuco

acadêmicos”, sendo eleito para substituí-lo no cargo de secretário-geral Medeiros e Albuquerque.

Passando a residir no exterior, Nabuco nunca mais frequentará a Academia, só vindo ao Brasil em 1906, quando da Conferência Pan-ame­ricana, mas se conservara sempre interessado nas atividades da Casa, e sempre opinando nas eleições.

Discute-se no ano de 1898 um dístico para a instituição. José Verís­simo propõe o dístico “mente as musas dada” que foi rejeitada em sessão, preferida a sugestão de Nabuco “litterarum vincitur pace”. Mas na sessão de 26 de setembro Lúcio de Mendonça e José Veríssimo têm aprovado por unanimidade o verso de Machado: “Esta a glória que fica, eleva, hon­ra e consola.”

A correspondência entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco foi publicada em 1923 com organização, introdução e notas de Graça Ara­nha. Esta introdução pode ser considerada um dos melhores trabalhos de Graça Aranha e o volume constitui importante subsídio para a história da Academia, além de retratar a amizade dessas duas grandes figuras.

Graça Aranha ingressou na Academia como fundador aos vinte e oito anos, sem nenhum livro publicado. À sua recusa inicial aceitou com a insistência de Machado e Nabuco, pois pertencia ao grupo da Revista. Afeiçoou-se a Machado e sobretudo a Nabuco. Quando da morte deste escreveu à filha: “A morte de Nabuco é para mim a perda de meu melhor amigo. Ele foi para mim o primeiro dos homens de nossa pátria, o mais completo, o mestre, o guia, o exemplo, a admiração, o entusiasmo.”

Ao receber pedido de Veríssimo das cartas de Machado, Nabuco di­ria não estarem em ordem, a exigir um mês no mínimo de trabalho acura­do, mas resolvia deixar a tarefa para seu testamenteiro literário. E Graça Aranha seria o testamenteiro literário.

Graça Aranha deu todo o empenho neste trabalho. Não há referências à feitura do trabalho antes de 1922; durante a prisão pelo envolvimento Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 136

dos movimentos revolucionários de 22, aproveitara o tempo para escrever a introdução. Confessou que “foi uma dedicação discreta e intensa, carac­terísticas incomuns no seu modo de compor”, “concebia o trabalho como um estudo psicológico de ambos os homens, um estudo da sensibilidade desses escritores, da sensibilidade nacional”.

No prefácio à terceira edição da Correspondência entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco, com o título expressivo de As Duas Repúblicas, o Acadêmico José Murilo de Carvalho demonstrou como a Academia foi o objeto principal desta correspondência. Inicia-se por carta de Nabuco, aos 15 anos, aluno do Colégio Pedro II, agradecendo a Machado referên­cia aos seus versos publicada na revista Ao Acaso. Até 1889, durante 33 anos, são apenas seis cartas, mas com a criação da Academia e a ida de Nabuco para o exterior a correspondência se tornou frequente. Entre as 47 cartas, 37 eram relativas à Academia. Eram temas a instalação, a falta de recursos, a escolha de candidatos e as eleições.

E Graça Aranha assim conclui a apresentação da Correspondência:

“A fé religiosa de Joaquim Nabuco e a dúvida materialista de Ma­chado de Assis foram os baluartes em que se refugiaram os dois he­róis espirituais. Não quiseram transpor-lhes as muralhas. Não foram possuídos da tentação de ser Deus, não gozaram a áspera volúpia de criar o Universo, de comandar e serem obedecidos, de pesar sobre os destinos humanos.”

No ano seguinte à fundação, falecem dois acadêmicos: Luís Guima­rães Júnior e Pereira da Silva. Na sucessão deste último, Magalhães de Azeredo escreve a Machado com o apoio de Nabuco, lembrando o hábito da Academia Francesa de eleger o sucessor com afinidade do antecessor, o que ocorria com certa frequência. Alegando que estando no estrangeiro não podia votar,

“pedia que se não tiver compromisso, faça quanto lhe for possível para ser ele o nosso ilustre compatriota Barão do Rio Branco, um dos mais insignes cultivadores que hoje temos da história nacional e que tantos serviços de cidadão e de escritor tem prestado ao Brasil”.R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 137 JoaquimNabuco

Em carta a Taunay Nabuco secundava a sugestão de Magalhães de Azeredo:

“Não lhe parece que o Rio Branco deve entrar para a Academia na vaga do Pereira da Silva? Com os ausentes que podem votar, eu penso que ele teria maioria. Os trabalhos dele são os mais sérios que se tem feito entre nós em geografia e história militar, não sei se você viu a memória que ele apresentou ao Cleveland, é uma série de volumes de raríssima erudição e pesquisa.”

E comentava um artigo de José Veríssimo sobre o Barão:

“Ele (Veríssimo) mesmo não quererá reduzir a Academia a um círculo fechado de estilistas, gramáticos e literatos. Se pensar como eu, traba­lhe pelo Rio Branco, o nosso triângulo da Revista.”

Ao se cogitar da candidatura de Rio Branco, este alegava que na “instituição para uns ou doze ou quinze homens de valor havia rapazes mais ou menos jacobinos persuadidos de quem só são homens de letras quem faz versos. E concluía: “Estou velho demais (tinha cinquenta e dois anos) para figurar entre tantos rapazes.” Hesitante, Rio Branco telegrafa a Nabuco dez dias antes da eleição: “Aceitaria se fosse eleito. Mas entendo que não me devo declarar candidato.” E numa prova de confiança: “En­tretanto, resolvo por mim como achar melhor.”

Eleito diria Rio Branco:

“O Eduardo Prado, o Joaquim Nabuco, o José Veríssimo e outros ami­gos declararam-me candidatos e graças à sua influência foi aceito pela maioria de moços, provavelmente por terem entendido que a um dos raros velhos (Pereira da Silva) da Casa deveria suceder outro velho”. A eleição de Rio Branco, segundo Graça Aranha, foi o primeiro dos “grands seigneurs” que Nabuco “desejava um certo número”.

Vacilando ante a ideia de se tornar acadêmico, Rio Branco é um dos que mais se interessam pela vida da Academia, inclusive pelas eleições, nos quais, para desespero de Oliveira Lima, influi poderosamente. “É o nosso Richelieu”, escreve Nabuco a Veríssimo.Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 138

A morte de Taunay em 26 de janeiro de 1889 foi uma grande perda da Academia, pois ele se tornara um dos mais assíduos frequentadores da Revista Brasileira e granjeara a amizade e admiração de todos.

Nabuco foi incumbido de falar à beira do túmulo “com as derradei­ras homenagens do Instituto Histórico, ao qual ele pertenceu por tantos anos, do qual se separou na exaltação de um sentimento generoso e onde, por isso mesmo não diminuiu nunca o afeto e a admiração que todos o votavam”. E também “a saudade da Academia Brasileira para a qual esta perda é uma grande provação, porque ele não era só um espírito radiante, era para nós o centro, uma força de presença”.

Mas acrescentava “vim dizer meu próprio adeus ao companheiro, ao amigo de quem me separo”.

Dizia Nabuco:

“Acho-me sob a impressão de que tudo isto é um sonho: imagino Tau­nay vivo entre nós. Não o vejo morto e algum tempo passará antes que eu conceda à realidade todos os seus tristes direitos. É preciso sentir a sua ausência em nossas reuniões, perdermos um a um os hábitos que ele formou em nós, para os seus amigos compreendermos em toda a sua extensão, os acontecimentos de ontem.”

E terminava dizendo: “O Brasil inteiro terá orgulho de ti, já o tem ... Adeus meu caro Taunay, adeus.”

E Nabuco ainda no Brasil escreve em 10 de fevereiro de 1899 a Ma­chado sobre a sucessão de Taunay:

“Agora queira dizer-me como se vai formando em seu espírito a su­cessão do Taunay na Academia. . . O Loreto disse-me anteontem que na Revista aonde não vou há muito, falava-se em Arinos e Assis Bra­sil. Eu disse-lhe que minha idéia era o Constâncio Alves. O Taunay era um dos nossos, e se substituímos por algum ausente, como qualquer daqueles, teríamos dado um golpe no pequeno grupo que se reúne e faz de Academia. Depois ficaríamos sem recepção. O Arinos talvez viesse fazer o elogio. . . Eu, pela minha parte, que entre os dois votaria R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 139 JoaquimNabuco

nele, porque o elogio do Taunay pelo Assis Brasil (este pode ser re­servado para outra cadeira mais congenial com o seu temperamento) podia ser uma peça forçada; confesso-lhe que não vejo como o Cons­tâncio; mas se V. não pensa que o Constâncio tem a melodia interior, a nota rara, que eu lhe descubro, submeto-me ao mestre. Com o voto do Dória, que me prometeu, e o meu, o Constâncio já tem dois. Sr. você viesse, era o triângulo, e podíamos até falsificar a eleição. Sério!”

E Machado responde em 13 de fevereiro de 1899:

“Respondo à sua carta. Pensei na sucessão do Taunay logo depois que o tempo afrouxou a mágoa da perda do nosso querido amigo. A vida que levo, entregue pela maior parte à administração, não me permitiu conversar com os amigos da Revista mais que duas vezes, mas logo achei a candidatura provável do Arinos, e dei-lhe o meu voto; o Graça Aranha e o Veríssimo a promovem e já há por ela alguns votos certos, ao que me disseram. Assim, fiquei aliado, antes que V. me lembrasse o nome do Constâncio Alves. Também ouvi falar do Assis Brasil, mas sem a mesma insistência.”

Ao tomar conhecimento da designação de Nabuco para representar o Brasil na questão da Guiana, Machado se dirige a ele em 10 de março de 1889:

“Vai em carta o que lhe posso dizer já de viva voz, mas eu tenho pres­sa em comunicar-lhe, ainda que brevemente, o prazer que meu deu a notícia de ontem no Jornal do Comércio. Não podia se melhor. Vi que o governo, sem curar de incompatibilidades políticas, pediu a V. o seu talento, não a sua opinião, com o fim de aplicar em benefício do Brasil a capacidade de um homem que os acontecimentos de há dez anos levaram a servir a pátria no silêncio do gabinete. Tanto melhor para um e para outro.”

E voltando à Academia:

“Agora, um pouco da nossa casa. A Academia não perde o seu orador, (como Secretário-Geral) cujo lugar fica naturalmente esperando por ele; alguém dirá, sempre que for indispensável, o que caberia a V. dizer, mas a cadeira é naturalmente sua. E por maior que seja a sua Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 140

falta, e mais vivas as saudades da Academia, folgaremos em ver que o defensor de nossos direitos ante a Inglaterra é o conservador da nossa eloquência ante seus pares. A minha idéia secreta era que, quando o Rio Branco viesse ao Brasil, fosse recebido por V. na Academia. Fa­çam os dois por virem juntos, e a idéia será cumprida, se eu ainda for presidente. Não quero dizer se ainda viver, posto que na minha idade, e com o meu organismo, cada ano vale por três.”

Quando da designação de Nabuco, Graça Aranha comenta:

“Os amigos da Academia regozijam-se com a missão Nabuco, mas sentem separarem-se do ‘encantador’. Machado de Assis pressuroso felicita o país, mas não esquece a Academia, a sua preocupação tão absorvente como a da feitura em sigilo dos seus livros. Joaquim Na­buco ausenta-se, o seu posto na direção da casa não é preenchido, o seu substituto é provisório. A Academia não perde o seu orador, diz Machado, cujo lugar fica naturalmente esperando por ele. E logo a imaginação lhe mostra Nabuco perante a Inglaterra como conservador da eloquência da Academia diante dos seus pares.”

A última sessão no ano de 1899 realizou-se em 10 de agosto e a pri­meira sessão de 1900 só se realizou dez meses depois, em 23 de junho. Eram os “tempos heroicos” na expressão de Medeiros e Albuquerque. Tem-se a impressão que Nabuco estava a par dessa situação e de Pougues na França, escreve a Machado em 12 de junho de 1900:

“Não deixe morrer a Academia. V. hoje tem obrigação de reuni-la e tem meios para isso, ninguém resiste a um pedido seu. Será preciso que morra mais algum acadêmico para haver outra sessão? Que papel representamos nós então? Foi para isso, para morrermos, que o Lúcio e V. nos convidaram? Não, meu caro, reunamo-nos (não conte por ora comigo, esperemos pelo telefone sem fios) para conjugar o agoiro, é muito melhor. Trabalhemos todos vivos.”

Após a sessão de inauguração no Padagogium, a Academia peregri­nou por vários lugares até obter a sede no Silogeu Brasileiro, Revista Bra­sileira, Ginásio Nacional, Biblioteca Fluminense e nas sessões solenes no Ministério do Interior e Gabinete Português de Leitura, ficando algum R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 141 JoaquimNabuco

tempo no escritório de advocacia de Rodrigo Octávio. A obtenção de uma sede era preocupação de Machado, que a transmitia a Nabuco.

Machado informa com satisfação:

“A Academia parece que enfim vai ter casa. Não sei se V. se lembra do edifício começado a construir no largo da Lapa, ao pé do mar e do Pas­seio. Era para a Maternidade. Como, porém, fosse resolvido adquirir outro nas Laranjeiras, onde há pouco aquele instituto foi inaugurado, a primeira obra ficou parada e sem destino. O governo resolveu concluí-lo e meter nele algumas instituições. Falei sobre isso, há tempos, com o ministro do Interior, que não me respondeu definitivamente acer­ca da Academia; mas há duas semanas soube que a nossa Academia também seria alojada, e ontem fui procurado pelo engenheiro daquele Ministério. Soube por este que a nossa, a Academia de Medicina, o Instituto Histórico e o dos Advogados ficarão ali. Fui com ele ver o edifício e a ala que se nos destina, e onde há lugar para as sessões ordinárias e biblioteca. Haverá um salão para as sessões de recepção e comum às outras associações para as suas sessões solenes.

Seguramente era melhor dispor a Academia Brasileira de um só pré­dio, mas não é possível agora, e mais vale aceitar com prazer o que se nos oferece e parece bom. E olhando o futuro outra geração fará melhor.”

E Nabuco escrevia a Machado:

“Dê-me notícias da nossa Academia. Felicito-o por ter conseguido a casa. V. lembra-se da minha proposta que as 40 cadeiras tivessem insculpido, e com uma frase expressiva, o nome dos primeiros aca­dêmicos, que foram todos póstumos. Os chins enobrecem os ante­passados, nós fizemos mais porque os criamos, ainda que nisto não fôssemos mais longe do que os nossos nobres de ocasião muitas vezes têm ido.”

Nabuco, em carta de 12 de novembro de 1901, agradece a Machado as referências feitas a ele no discurso por ocasião da inauguração da her­ma de Gonçalves Dias no Passeio Público. Este comentara:Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 142

“quando em 1897 celebramos a nossa primeira sessão inaugural, Jo­aquim Nabuco, entre outras belas coisas, disse: “Se a Academia flo­rescer, os críticos deste fim de séculos terão razão em ver nisso mila­gre”.

E demonstrando Machado uma ponta de orgulho:

“Não sei o que pensaram os críticos daquele fim de século, mas os do princípio deste podem já ver alguma coisa menos comum. A Acade­mia vive. Os poderes públicos, por uma lei votada e sancionada com tanta simpatia, concederam-lhe favores especiais. Cumpre-nos agra­decer-lhes cordialmente. Se o não fazemos em casa nossa, é só porque a escolha de um próprio nacional ainda se não fixou, mas a Academia tem por si a lei e a boa vontade. Oportunamente estará aposentada de vez, e poderá então dispensar a magnífica hospedagem, que lhe dá agora o Gabinete Português de Leitura.”

Na mesma cerimônia, Medeiros e Albuquerque manifestava descon­forto na responsabilidade de falar substituindo Nabuco como secretário- geral:

“A substituição interina do nosso ilustre secretário-geral põe-me na contingência de ocupar a atenção desta assembléia, lendo o relatório do movimento da Academia. Nunca a substituição me foi mais pe­nosa. Não porque me doa o amor próprio ferido, sentindo que todos hão de estar a evocar a bela figura eloquente de Joaquim Nabuco e a fazer uma comparação, que só pode ser esmagadora. O amor-próprio desaparece neste momento. O que há apenas é, ao contrário, que eu re­clamo para mim ser nesta assembléia quem mais sente a desproporção entre o substituído e o substituto, e, por um desdobramento cerebral, enquanto profiro estas palavras mal alinhadas, lembro o que seria aqui a voz eloquente do dominador das multidões, que tanto soube outrora arrastar um povo inteiro à conquista da redenção para uma raça opri­mida, como saberia hoje tornar-se persuasiva e harmoniosa para nos falar da arte e do belo.”

Está vaga a cadeira nº 40 de Eduardo Prado e em 30 de agosto de 1901 de Londres Nabuco se dirigia a Machado:R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 143 JoaquimNabuco

“Aí vai o meu voto. Dou-o ao Afonso Arinos por diversos motivos, sendo um deles ser a vaga do Eduardo Prado. Para a cadeira do Fran­cisco de Castro eu votaria com prazer no Assis Brasil. Por que não reuniram as eleições num só dia?”

E a ideia dos expoentes é novamente lembrada:

“V. sabe que eu penso dever a Academia ter uma esfera mais lata do que a literatura exclusivamente literária para ter maior influência. Nós precisamos de um certo número de grands seigneurs de todos os par­tidos. Não devem ser muitos, mas alguns devemos ter, mesmo porque isso populariza as letras.”

Nabuco levanta em 12 de novembro de 1901 a questão do voto dos ausentes:

“Eu realmente penso que aos ausentes devia ser dado o direito de voto. Era mais honroso para os eleitos reunir o maior número possível de votos. Vs. estatuiriam o modo de enviarmos a nossa chapa, ou de po­der alguém da Academia votar pelos ausentes. Não haveria perigo de ata falsa nem de fósforos. O procurador ao votar, por exemplo, por mim declararia que eu lhe escrevera (mostrando o documento) para votar por mim nessa eleição no candidato F. Talvez o voto dos ausen­tes devesse ser aberto e declarado. Quem são os candidatos às duas cadeiras?”

E na sessão de 12 de dezembro de 1902 José Veríssimo propôs a al­teração do Regimento Interno para que os acadêmicos ausentes pudessem votar em cédula fechada. Rodrigo Otávio apôs considerações em sentido contrário e após debates a proposta foi aprovada. A Secretária da Aca­demia enviou circular aos acadêmicos e Nabuco ao receber a circular escreve a Rodrigo Otávio:

“Meu caro Dr. Rodrigo Otávio, recebi a circular e respondo mandando ao Machado a minha cédula. Infelizmente não podemos acompanhar o movimento e a cabala literária, que é a parte mais interessante das eleições acadêmicas. O nosso voto vai como que petrificado e não pode acompanhar as flutuações do escrutínio.”Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 144

A obtenção da sede é motivo de comunicação de Machado em 28 de janeiro de 1904:

“A nossa Academia Brasileira tem já o seu aposento, como deve saber. Não é separado, como quiséramos; faz parte de um grande edifício, dado a diversos institutos. Um destes, a Academia de Medicina, já tomou posse da parte que lhe cabe, e fez a sua inauguração em sala que deve ser comum às sessões solenes. Não recebi ainda oficialmente a nossa parte, espero-a por dias.”

A lembrança dos amigos está sempre presente na correspondência de Nabuco. Ora se referindo ao grupo, ora à Revista, ora à Academia. É curioso a marca que ficou das reuniões na Revista; mesmo depois de criada a Academia as referências a ele são frequentes. Em 6 de dezembro de 1899, mal chegado ao exterior, confidencia:

“Já em dezembro de 1901 recorda jantar de 900 talheres em Londres ao Lord Mayor: “Há dias lembrei-me muito com que saudade! dos jantares da Revista. Naquela multidão desconhecida, asfixiante, em que me sentia perdido, o que eu não teria trocado aquilo, Guidhall, Lord Salisbury, loving cup, loyal toasts pelas nossas festas do Hotel dos Estrangeiros.

Muitas saudades a todo o nosso grupo. Se não fosse ter vindo muito cambaleante de lá e ter-me feito bem a mudança de clima, meu desejo maior seria achar-me de novo no círculo da Revista. Rezo pela alegria e bom humor de cada um. O pior é quando alguém desaparece é bem duro para . . . quem parte.”

E comenta as eleições acadêmicas em janeiro de 1902: “Quanta falta me faz tudo isso. Não tenho outro desejo senão acabar o mais cedo possí­vel a minha tarefa e recolher-me a Academia. Será o meu Pritaneu.”

E em 28 de agosto de 1905, a lembrança: “Que saudades meu caro Machado, do nosso querido grupo (esse não é fechado), e cada um dos seus íntimos do Garnier.”R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 145 JoaquimNabuco

E Machado retribui na mesma moeda:

“A Academia vai continuar os seus trabalhos, agora mais assídua, des­de que tem casa e móveis. Quando cá vier tomar um banho da pátria, será recebido nela como merece de todos nós que lhe queremos.”

E com melancolia:

“Adeus, meu caro Nabuco, continue a lembrar-se de mim, onde quer que o nosso lustre nacional pela a sua presença. Eu não esqueço o ami­go que vi adolescente, e de quem ainda agora achei uma carta que me avisava do dia em que devia fundar a Sociedade Abolicionista, na Rua da Princesa. Lá se vão vinte e tantos anos! Era o princípio da campa­nha vencida pouco depois com tanta glória e tão pacificamente.”

Das viagens pela Europa, são os cartões de lembrança. Agradece Machado:

“Está V. em Roma, donde recebi o cartão postal com a galante lem­brança dos “meus três cardeais” (Nabuco, Graça Aranha e Azeredo). Três são para receberem a minha bênção, mas é de velho cura de al­deia, e sinto não estar lá também, pisando a terra amassada de tan­tos séculos de história do mundo. Eu, meu caro Nabuco, tenho ainda aquele gesto da mocidade, à qual os poetas românticos ensinaram a amar a Itália; amor platônico e remoto, já agora lembrança apenas.”

Em carta de 5 de janeiro de 1902 Machado relata a eleição do Afonso Arinos:

“Recebi o seu voto na véspera da eleição, como o do Graça, e ambos figuram na maioria dos 21 com que o candidato venceu. O Assis Brasil também era candidato, mas na hora da eleição o Lúcio de Mendonça retirou a candidatura, em nome dele, e daí algum debate, de que resul­tou ficar assentado por lei regimental que as candidaturas só possam ser retiradas por carta do autor até certo prazo antes da eleição. Note que todos ficamos com pesar da retirada. Como V. lembra era melhor que as duas eleições se fizessem no mesmo dia. Creio que assim a elei­ção do Assis Brasil seria certa. O Martins Júnior teve dois votos, e pa­rece que se apresenta outra vez. Também ouvi anteontem ao Valentim Magalhães que o Assis Brasil pode ser que se apresente de novo.”Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 146

Martins Júnior seria eleito nesse mesmo ano na vaga de Francisco de Castro, que falecera sem tomar posse, o mesmo ocorrendo com o su­cessor.

E acrescenta:

“agora mesmo estive relendo o seu discurso de entrada no Instituto, como tenho relido o mais do volume dos ‘Escritos e discursos literá­rios’ que V. me enviou, e naturalmente saboreando as suas belas pági­nas, idéias e estilo, e recordando os assuntos que passaram pela nossa vida ou pelo nosso tempo. Então vi que V. bem poderia responder ao Arinos, que entrou para a Academia, como homem de letras; ambos diriam do Eduardo Prado o que ele foi, com a elevação precisa e o conhecimento exato da pessoa”.

Nabuco responde:

“Estou às suas ordens para escrever a resposta ao discurso do Arinos, com algumas condições, porém. A primeira é que V. me dará tempo. A segunda que o Arinos me mandará o que o Eduardo escreveu; tenho tudo isso nos meus papéis e caixões, mas fora de mão. Não preciso a coleção do ‘Comércio de S. Paulo’, mas os ‘Fastos’, a ‘Ilusão’, ‘An­chieta’ as ‘Viagens’ (mesmo a título de empréstimo), e o que mais notável tenham publicado os jornais dele, o artigo sobre o Eça, por exemplo, conviria mandarem-me daí. A terceira é que o discurso do Arinos me seja remetido, isso é óbvio, mas que depois dele corra o meu prazo pelo menos de três meses. Aceitando V. e ele tudo isso, está tomado o compromisso. Para mim trabalhos desses são uma distração necessária dos meus estudos da questão.”

A escolha não se confirmava, Arinos seria recebido por Olavo Bilac em 18 de setembro de 1902.

A sessão de posse de Oliveira Lima realizou-se em 7 de junho de 1902 no Gabinete Português de Leitura, fundado em 1837 por um grupo de imigrantes portugueses e veio a se constituir no maior acervo de livros portugueses fora do país.R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 147 JoaquimNabuco

A construção do edifício iniciou-se em 1880 com a presença do Im­perador Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina, com o Imperador lan­çando a pedra fundamental. A inauguração do prédio se deu em 1888 com a presença da Princesa Isabel e do Conde D’Eu. Nabuco discursou em ambas as ocasiões; ficou célebre a frase de um dos discursos: “As pedras deste edifício parecem estrofes de Os Lusíadas”. Comentando a posse de Oliveira Lima nesse local, Nabuco indagava: “É singular que a Academia Brasileira de Letras precise de agasalho do Gabinete Português de Leitu­ra. Nem nessa área a nossa independência literária?”

Em carta a Machado de outubro de 1904, Nabuco insiste na ideia dos expoentes:

“A minha teoria, já lhe disse, devemos fazer entrar para a Academia as superioridades do país. A Academia formou-se de homens na maior parte novos, é preciso agora graduar o acesso. Os novos podem es­perar; em vez de entrarem agora por simpatias pessoais ou por serem de alguma coterie. A Marinha não está representada no nosso grêmio, nem o Exército, nem o Clero, nem as Artes, é preciso introduzir as notabilidades dessas vocações que também cultivem as letras. E as grandes individualidades também. Assim o J. C. Rodrigues, o redator do Novo Mundo, o chefe do Jornal do Comércio, que neste momento está colecionando uma grande livraria relativa ao Brasil, e o nosso Carvalho Monteiro de Lisboa? Com o Jaceguay entrava a glória para a Academia. É verdade que ele nenhuma afinidade tinha com o Mar­tins Júnior, mas a cadeira ainda está vaga – é a cadeira de Taunay e patrono Otaviano, e desses dois o Jaceguay seria o substituto indicado por eles mesmos.”

José Carlos Rodrigues é uma figura interessante, formou-se em di­reito pela Faculdade de São Paulo e ainda como estudante preparou um livro sobre direito constitucional que foi de grande valia na época. Oficial de gabinete do ministro Zacarias na pasta da Fazenda, por circunstân­cias desconhecidas radicou-se nos Estados Unidos onde durante dez anos publicou o jornal Novo Mundo, cuja redação foi visitada em 1876 por Pedro II. Retornando ao Brasil, destacou-se como homem de negócios e Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 148

acumulou uma importante brasiliana que hoje se encontra na Biblioteca Nacional.

Durante quinze anos foi diretor do Jornal do Commercio dando uma feição nova ao jornal e acolhendo escritores como Euclides da Cunha e Pontes de Miranda. Amigo íntimo de Nabuco e Rio Branco, foi em sua residência que o Presidente Campo Salles convidou Nabuco para a arbi­tragem da Guiana. Convertido ao protestantismo escreveu um livro sobre as religiões acatólicas no Brasil.

Augusto Carvalho Monteiro era brasileiro, mas radicou-se em Portu­gal. Formado em direito em Coimbra, pertencia à roda de intelectuais de Guerra Junqueira, Gonçalves Crespo, Simões de Castro e outros. Possui­dor de grande fortuna era chamado o Monteiro Milhões. Homem culto, foi grande colecionador de raridades, tendo organizado um museu com coleções de borboletas, conchas, mobílias e pratas. Conhecia a fundo o latim, era camonista, possuía uma das coleções as mais completas, e cus­teou várias edições de Os Lusíadas, provindo certamente desse interesse as relações com Joaquim Nabuco.

Seguramente era melhor dispor a Academia Brasileira de um só pré­dio, mas não é possível agora, e mais vale aceitar com prazer o que se nos oferece e parece bom. Outra geração fará melhor.

E meses depois informou:

“A nossa Academia Brasileira tem já o seu aposento, como deve saber. Não é separado, como quiséramos; faz parte de um grande edifício, dado a diversos institutos. Um destes, a Academia de Medicina, já tomou posse da parte que lhe cabe, e fez a sua inauguração em sala que deve ser comum às sessões solenes. Não recebi ainda oficialmente a nossa parte, espero-a por dias.”

O Diário registra em 17 de outubro de 1902, carta a Jaceguai:

“Quando a Academia?” Você sabe que terá o meu voto.”R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 149 JoaquimNabuco

A carta é a primeira sondagem pelo nome de Jaceguai. Eram amigos, no Diário há várias outras referências a ele, estiveram juntos em Londres quando da estada de Nabuco em 1882 e Jaceguai era adido naval, e Na­buco frequentou mais de uma vez a fazenda de Jaceguai em Mogi das Cruzes.

A insistência de Nabuco pela eleição de Jaceguai pode ser contrapos­ta à polêmica mantida a respeito do livro “Balmaceda”. No livro Nabuco acentua os pendores do Chile e a inaptidão do Brasil para a república. E depois de várias considerações conclui que a República constituía ame­aça à sobrevivência às liberdades públicas tão prudentemente cultivadas pela sabedoria do Imperador.

Jaceguai, em carta publicada no Jornal do Commercio e depois in­cluída em folheto com o título de “O dever do memento”, declara que a monarquia foi uma planta artificial que só pode medrar enquanto vivificá-la o estrume da escravidão e que é inconciliável com a tendência do povo um regime como o monárquico fundado no privilégio. E apelava aos monarquistas para que abandonassem ressentimentos ou incompreensões para servirem ao regime que melhor se ajustava às condições do país. E terminava com um apelo a Nabuco para que “viesse a ilustrar no regime político do Brasil com esse nome venerado, com que vosso pai ilustra”. E nutria a esperança de que Nabuco, transpondo os Andes, ainda vivesse para ilustrar o novo regime político. O estudo (de Jaceguai), segundo Bar­bosa Lima Sobrinho”, é admirável pela clareza da exposição, pelo vigor da frase, pela profundeza e segurança do conceitos e revelava o escritor até então não revelado; e para José Veríssimo:

“Lembra-me a surpresa admirativa com que os homens de letras le­mos há uns cinco anos, a sua carta pública ao Sr. Joaquim Nabuco. Todos reconheceram nesse marinheiro um publicista e um escritor de raça, com todos os atributos que, cultivados, fazem os melhores.”

Nabuco responde com um opúsculo intitulado “O Dever dos Monar­quistas”. Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 150

“O dever dos monarquistas sinceros, mesmo quando a monarquia es­tivesse morta, morreria politicamente com ele. Deseja que os monar­quistas sinceros continuem fiéis ao regime a que serviram, e indagava com razão, que influência tinham tido na República os monarquistas que passaram e respondia que nenhuma. A influência, para os que res­tavam, deveria ser moral, guardando fidelidade aos seus princípios e ao seu passado. Talvez, essa atitude, melhor que qualquer outra, pu­desse servir de freio ao novo regime, que ainda não superara a fase de agitações e de desordens, consubstanciadas na ditadura militar.”

Em 18 de agosto de 1903 retoma a ideia dos expoentes:

“Meu voto é pelo Jaceguai, caso ele se tenha apresentado. Se o Quinti­no se apresentar, será do Quintino, pela razão que dou na carta inclusa quanto aos da velha geração. Não creio que o Jaceguai se apresente contra o Quintino. Nesse caso V. explicaria a este o meu compromis­so; a minha idéia sobre a representação da Madrinha, que mesmo a ele não deve ceder o passo; a minha animação ao Mota dizendo-lhe que desde a fundação eu pensei que homens como ele, Lafayette, Ferreira Viana, Ramiz Galvão, Capistrano e os outros que V. sabe deviam ser dos que têm a honra de ser presididos por Machado de Assis. (Vejo que V. presidiu ao presidente no outro dia). Isto lhe devia ter causado prazer. O discurso do Oliveira Lima esteve excelente; o que ele disse menoscabando a diplomacia e a cozinha francesa, [as duas coisas de que ele mais gosta, a terceira, V. sabe, é fazer livros], foi naturalmente para a galeria. O Salvador manteve as tradições acadêmicas, não dei­xando sem retribuição a boa moeda portuguesa, e manuelina hospita­lidade portuguesa.

No caso de não haver candidatura Jaceguai, à qual eu daria o meu voto no conclave, quando mesmo ele quisesse ter esse voto único (único parece não seria, pelo que me disse o Graça Aranha), nem candidatura Quintino...”

E se referindo a Quintino:

“Quintino, V. sabe, esteve sempre associado para mim com V.; segun­do me lembro, o Castor e Pólux dos meus quatorze anos, por volta de 1863, e o brilho do talento dele foi muito grande. Como todas as que R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 151 JoaquimNabuco

se desindividualizam, ou despersonalizam, para se tornarem coisa pú­blica, propriedade das massas, matéria demagógica, podemos dizer, o diamante nele desapareceu no cascalho, e desde a República ainda não lhe li uma página, nem sequer uma frase, que me lembrasse o antigo escritor. Mas ainda assim, pelo seu passado, ele tem direito à nossa homenagem, e não há dúvida que mesmo hoje lhe bastaria (sei que isto lhe é impossível, mas só isto) sacudir os andrajos políticos para mostrar o velho paladino intemerato, com aquele gládio arcanjelesco, tão nosso conhecido. Ou estarei eu enganado?”

Machado escrevia em 17 de julho de 1903 a Azeredo sobre a suces­são de Valentim Magalhães, mostrando discretamente a preferência por Euclides da Cunha:

“Vamos ter eleição acadêmica em meados de setembro. Não quero insinuar-lhe o voto, mas o candidato que parece reunir maioria é o Eu­clides da Cunha, autor de ‘Os Sertões’. Estamos concentrados a votar nele, começando por Rio Branco.”

Machado de Assis a Nabuco em 7 de outubro de 1903, manifesta satisfação pela eleição de Euclides da Cunha:

“Já deve saber que o Euclides da Cunha foi escolhido, tendo o seu voto que comuniquei à assembléia. Não se tendo apresentado o Ja­ceguay nem o Quintino, o seu voto recaiu, como me disse, no Eucli­des. Mandei a este a carta que V. lhe escreveu. A eleição foi objeto de grande curiosidade, não só dos acadêmicos, mas de escritores e ainda do público, a julgar pelas conversações que tive com algumas pessoas. Mostrei ao Jaceguay a parte que lhe concernia na sua carta. Espero que ele se apresente em outra vaga, não que me dissesse, mas pela simpatia que sabe inspirar a nós todos, e terá aumentado com a intervenção que V. francamente tomou.

No caso de não haver candidatura Quintino, nem Jaceguai, o meu voto será pelo Euclides da Cunha, a quem peço que então V. faça chegar a carta inclusa. Se o Jaceguai nos frequenta ainda, mostre-lhe o que digo dele nessa carta ao Euclides. E “voto no autor de um livro sobre Canudos que o Graça me diz ser notável.”Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 152

Mais tarde transcreve carta a Graça Aranha:

“Quanto aos Sertões não pude (ler). Não é o caso somente de em­pregar a expressão tão expressiva: Les arbres empêchent de voir la forêt, aqui também a floresta impede de ver as árvores. É um imenso cipoal. A pena do escritor parece-me mesmo um cipó dos mais rijos e dos mais enroscados. Decerto talento há nele, e muito, mas o talento quando não é acompanhado da ordem necessária para desenvolver e apresentar, há alguma em mim que me faz fugir dele. Como lhe digo, falta-me a compreensão do cipoal.”

Graça Aranha escrevia a Machado sobre as excursões na Europa com a companhia de Nabuco:

“Machado de Assis era o companheiro imaginário dessas peregrina­ções. Nabuco não o esquece nas suas visitas piedosas aos grandes mortos da literatura; vai pela Europa escrevendo-lhe o nome em todos os santos lugares dos escritores e ainda o faz na América do Norte, quando visita a morada de Longfellow. Também em Paris o represen­tou na missa do editor de ambos, de um dos sempre velhos Garnier. Mas não o fez na missa do imperador. Nabuco, extremamente delica­do, absteve-se de representá-lo e fazer o amigo ausente participar da­quele tributo, pois ninguém sabia exatamente o conceito de Machado de Assis sobre Pedro II. Se lhe prestou alguma homenagem seria a da simples estima.”

Em correspondência a Rodrigo Otávio em fevereiro de 1903, pedia notícias da Academia: “Ela é a nossa ‘muette’, como chamam em francês a tropa.”

Machado informa:

“A recepção do Euclides não se fará ainda este ano. Já há dois elei­tos que estão por tomar posse, o Augusto de Lima, de Minas Gerais, e o Martins Júnior, de Pernambuco. Não é esta a razão; as entradas se farão à medida que estiverem prontos os discursos, e é possível que o Euclides se prepare desde já. Responder-lhe-á o Afonso Arinos. A recepção deste foi muito brilhante; respondeu-lhe o Olavo Bilac”. Designado no ano seguinte pelo Barão do Rio Branco para a chefia da Missão de Reconhecimento do Alto Purus, Euclides parte para a R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 153 JoaquimNabuco

Amazônia e só se empossa em dezembro de 1906, recebido por Silvio Romero.”

E Nabuco em longa carta de 8 de outubro de 1904:

“E a nova eleição? Não falo da eleição do futuro presidente (tratava-se da eleição de Afonso Pena), da qual parece já se estar tratando aí, mas da eleição do novo acadêmico. O Bandeira escreveu-me e eu teria prazer em dar-lhe o meu voto, mas o meu voto é seu, V. aí é quem vota por mim. Eu pensei que o Jaceguay desta vez se apresentaria. Ele, porém, achou mais fácil passar Humaitá do que as baterias encobertas do nosso reduto. Quais são essas baterias? A do Garnier lhe daria uma salva de. . . quantos tiros? Onde estão as outras? Eu nada sei, mas se ele for candidato, meu voto é dele, pela razão que fui eu quem lhe su­geri o ano passado a idéia. V. terá uma carta minha dizendo que ele não se apresentaria contra o Quintino. Não sei por que o Quintino não foi membro fundador. E seguramente estranhei essa anomalia na Revista, anomalia tanto maior quanto o nosso criador era grande entusiasta do Quintino. Agora a entrada do Quintino não tem mais razão de ser, porque pareceria que ele adquiriu título depois da fundação, quando o tinha antes de quase todos os fundadores. A exclusão dele é pois um fato consumado, como seria a do Ferreira de Araújo, se vivesse, como é a do Ramiz, a do Capistrano, que não quiseram. Se o Quintino não recusou, supõe-se que recusou, fica assentado que recusou. Podemos declará-lo; não podemos confessar que o esquecemos. Se entretanto ele se apresentar, julgo melhor esperar outra vaga para a combinação e eleger dois ao mesmo tempo. Eu acho bom dilatar sempre o prazo das eleições, porque no intervalo ou morre algum dos candidatos mais difíceis de preterir, ou há outra vaga.”

Nabuco se preocupava com a solidão de Machado. E de Londres escrevera a 8 de dezembro de 1904 a Rodrigo Otávio:

“Ele precisa mais do que nunca da simpatia, interesse e solicitude dos seus súditos, e realmente penso que lhe devíamos demonstrar a nossa admiração, oferecendo-lhe um testemunho qualquer, sem esperar pelo seu jubileu de escritor, o qual aliás deve estar próximo.”Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 154

Novas notícias de Machado em 24 de junho de 1905:

“Nós cá vamos andando. A Academia elegeu o seu escolhido, o Souza Bandeira, que talvez seja recebido em julho ou agosto, respondendo-lhe o Graça Aranha. A cerimônia será na casa nova e própria, entre os móveis que o ministro do Interior, o Seabra, mandou dar-nos. Vamos ter eleição nova para a vaga do Patrocínio. Até agora só há dois candi­datos, o padre Severiano de Rezende e o Domingos Olímpio.”

Ainda não se apresentara Mário de Alencar, que às instâncias de Ma­chado só se inscreveu no último dia.

E tratando da vaga de José do Patrocínio em 30 de setembro do mes­mo ano:

“A carta dá-me a indicação do seu voto no Jaceguai para a vaga do Patrocínio. O Jaceguai merece bem a escolha da Academia, mas ele não se apresentou, e, segundo lhe ouvi, não quer apresentar-se. Creio até que lhe escreveu nesse sentido. Ignoro a razão, e aliás concordo em que ele deve fazer parte do nosso grêmio.”

Machado a Nabuco em 30 de novembro de 1905:

“O Arthur Orlando também não se apresentou. Os candidatos são os que já sabe, o padre Severiano de Rezende, o Domingos Olímpio e o Mário de Alencar; provavelmente os três lhe haverão escrito já. A eleição é na segunda quinzena de outubro, creio que no último dia”. Registre-se que empenhado na eleição de Mário de Alencar, Machado não faz nenhum comentário a respeito.

A eleição de Mário de Alencar, apadrinhado por Machado de Assis, e no momento sem obra expressiva, foi uma das mais controvertidas, mas Mário de Alencar veio a se tornar um grande acadêmico. Me­deiros e Albuquerque diria “que sua eleição foi, porém, o primeiro escândalo acadêmico, porque o concorrente de Mário de Alencar era Domingos Olímpio, cujo romance Luzia Homem, bastava para fazê-lo muito superior”. E acrescentava: “Mas quem podia recusar a Macha­do?”R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 155 JoaquimNabuco

E Nabuco justificava: “Votei pela divida em que estava com o pai por o ter atacado, quando jovem, com tanta falta de veneração...”. “De­pois sabe que desejo agradar Machado, pai do cenáculo”. Nabuco se re­fere à polêmica que mantivera em 1875 com José de Alencar no jornal O Globo, quando tinha apenas vinte e seis anos. Alencar com quarenta e seis anos já se destacara com expressiva bagagem literária. A polêmica se inicia quando Alencar protesta contra o público que deixara de assistir à encenação de sua peça O Jesuíta. Certamente Nabuco deve ter visto a oportunidade de se projetar, e no curso do debate vários temas são aflo­rados como o problema da linguagem, o debate sobre o lugar da cultura africana e do escravo e liberto na sociedade brasileira. Alencar mostra que sua obra não é imitação de nenhuma estrangeira. A argumentação de Nabuco tinha aspectos contraditórios e já se assinalou que empregava “chicanas de advogado”.

E na proximidade da eleição, informa Machado:

“Há tempo para vir o seu voto, e estou pronto a recebê-lo; se quiser que eu escreva a cédula, Possi ser seu secretário. Basta indicar o nome.”

Com a vaga da cadeira de José do Patrocínio, Nabuco escreve em 28 de julho de 1905 a Arthur Orlando, certamente por ter recebido alguma consulta e insiste no nome de Jaceguai.

“O meu voto para a vaga do J. do Patrocínio na Academia Brasileira é do Jaceguai. Penso que a Marinha deve estar representada no nosso grêmio desde que possui um escritor como aquele. Assim teremos lá também a glória das armas. Ele, porém, que atravessou sem temer as baterias lendárias de Humaitá, tem medo de passar as da Academia. Nesse caso o meu voto seria para Arthur Orlando, este se quisesse tentar a campanha, auxiliado por outros amigos. Isto mesmo escrevo ao Machado de Assis.”

E indagava a Arthur Orlando:

“Não sabia da existência da Academia Pernambucana de Letras e quisera saber se os seus Estatutos vedam apresentar a ela a minha Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 156

candidatura. Esse é o torrão sagrado, e agora tudo que se refere à sua história é objeto do meu culto filial.”

E referindo-se a eleição para a vaga de José do Patrocínio, escreve Nabuco:

“Seria lastimável se as candidaturas as mais brilhantes que em nosso país possam surgir, como essas, recuarem diante de qualquer suspeita de haver na Academia grupos formados e fechados. Devemos torná-la nacional.”

E num travo de melancolia:

“Que saudades, meu caro Machado, do nosso querido grupo (esse não é fechado) e de cada um dos seus íntimos do Garnier! Dê-lhes um apertado abraço por mim.”

Machado posteriormente trata de outros assuntos e volta ao tema das candidaturas, e se permite um comentário discreto:

“Na Academia não há nem deve haver grupos fechados.”

E comentando a recusa de Jaceguai:

“Não compreendo que ele que não teve medo de passar Humaitá o tenha que atravessar a praia da Lapa.”

Na vaga de Patrocínio seria eleito Mário de Alencar em rumorosa eleição.

E quando da vaga de Pedro Rabelo, preenchida por Heráclito Graça, escreve Nabuco demonstrando impaciência:

“Vejam como vão preencher a vaga da Academia. Desta vez eu votarei somente no Jaceguai e, se ele não for candidato, em ninguém. Penso que a Marinha deve entrar para o nosso grêmio. É falta de imagina­ção nacional não construí-lo assim. Devemos todos desprender-nos de preocupações pessoais. Os moços podem esperar. Eu quisera ver o R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 157 JoaquimNabuco

Jaceguai apresentar-se ainda que para ser derrotado. Queira fazer-lhe constar a minha fidelidade e o meu voto.”

Em 29 de outubro de 1906 ocorre o falecimento de Franklin Dória. Nabuco volta à presença do conterrâneo:

“Meu caro Dr. Arthur Orlando,

Creio que fui eu quem primeiro lhe falou da Academia. Desejo vê-lo lá por seu talento e superioridade e também por ser Pernambuca­no, mais um Pernambucano. Sabe que sempre fomos muito clannish. Como lhe disse, porém, eu tinha que dar precedência ao Jaceguay por me ter batido muito pela representação da nossa Marinha na Acade­mia. Esqueceu-me dizer-lhe que tinha tomado há alguns anos, com o Machado, o compromisso de votar pelo Assis Brasil, se ele se apre­sentasse de novo. Agora dizem-me do Rio que tratam da candidatura dele. Neste caso o meu compromisso com ele é anterior, mas o melhor seria esperar-se por outra vaga para os elegerem juntos, se os seus partidários são como creio os mesmos dele.

Deixe-me dizer-lhe, o Sr. é já da Academia na opinião do país, isto é, figura entre os 40 (podemos tomar um algarismo muito menor) mais notáveis espíritos do nosso tempo para todos; para alguns, como eu, figura entre os primeiros dez. O meu voto será seu, não havendo, po­rém, a competição do Assis Brasil, de quem não cogitei ao falar-lhe, por me haverem dito que ele havia desistido de todo depois das duas non-réussites.”

E alertando para os azares das campanhas eleitorais:

“Faz-me honra insistir, porque as nossas eleições dependem muito de compromissos pessoais e não juízos sobre o merecimento e o valor relativo dos competidores. Nem em uma academia há que atender so­mente ao valor literário ou intelectual, há também atender à represen­tação das classes, por isso me interesso pela da Marinha, se não temos o Exército, mas falta-nos o clero. É preciso não darmos a entender que falta intelectualidade a nenhuma das grandes vocações entre nós. O Sr. em todo caso não pode ser diminuído e não deve aborrecer-se não entrando da primeira vez.”Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 158

Tratando da vaga, Nabuco escreve a Machado:

“O meu voto é pelo Dr. Arthur Orlando se ele for o único candidato e, tendo competidores, ainda é dele exceto se os competidores forem o Assis Brasil e o Jaceguay, que têm compromisso meu anterior em cartas escritas a você mesmo. Queira portanto votar por mim, confor­me estas instruções. Não me deixe o Dr. Orlando naufragar em uma combinação que lhe garanta a eleição para a futura vaga. Um homem como ele pode ser vencido numa eleição acadêmica, não pode, porém, ser derrotado sem pesar para os eleitores. A nossa balança é de pesar ouro somente. Ele mesmo, estou certo, não se aborreceria de ser se­gunda escolha em competição com o Dr. Assis Brasil, que já teve uma, ou duas, non réussites.”

Machado a Nabuco em 6 de dezembro de 1904:

“Indo à carta anterior, dir-lhe-ei que a inscrição para a Academia terminou a 30 de novembro, e os candidatos são o Osório Duque-Estrada, o Vicente de Carvalho e o Souza Bandeira. A candidatura do Jaceguay não apareceu; tive mesmo ocasião de ouvir a este que se não apresentaria. Quanto ao Quintino, não falou a ninguém. A sua teoria das superioridades é boa; os nomes citados são dignos, eles é que parecem recuar. Estou de acordo com o que V. me escreve acerca de Assis Brasil, mas também este não se apresentou. A eleição, entre os inscritos, tem de ser feita na primeira quinzena de fevereiro. Estou pronto a servir a V., como guarda da consciência literária, por mais bisonho que possa ser. Há tempo para receber as suas ordens e a sua cédula.

Eu desejava-lhe, entretanto, uma vaga que lhe permitisse falar de Per­nambuco largamente, mas teria que escolher entre mim e o Oliveira Lima e nenhum dos dois ele podia preferir ao outro. Em todo caso alguém mais da Filosofia que o Dória. Mas é odioso esperar vagas determinadas.”

Machado responde:

“Dei conta aos colegas da Academia de seu voto na vaga do Loreto em favor do Arthur Orlando. Para tudo dizer dei notícia também do voto que daria ao Assis Brasil ou ao Jaceguay. A este contei também o texto R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 159 JoaquimNabuco

da sua carta, e instei com ele para que se apresente candidato na vaga do Teixeira de Melo (a outra está encerrada e esta foi aberta), mas in­sistiu em recusar. A razão é não ser homem de letras. Citei-lhe, ainda uma vez, o seu modo de ver que outrora me foi dito, já verbalmente, já por carta; apesar de tudo, declarou que não. Quanto ao Assis Brasil, foi instado pelo Euclides da Cunha e recusou também. A carta dele que Euclides me leu parece-me mostrar que o Assis Brasil estimaria ser acadêmico; não obstante, recusa sempre; creio que por causa da non réussite. Sinto isto muito, meu querido Nabuco.

As eleições desde logo constituíram a vida da Academia. Graça Ara­nha atesta que: “nada interessa tanto à vida acadêmica como uma elei­ção. Parece que aqueles homens, escapos da política mas guardando fielmente o espírito eleitoral do brasileiro, desforram-se em eleger confrades, exercendo uma função considerada um privilégio, quando raramente votam fora da Academia, mesmo para escolher o Presidente da República. Na Academia o sentimento eleitoral é o mais ativo de todos, e a Academia Brasileira, graças ao seu quociente de mortos, jamais foi uma Academia morta. Os abençoados mortos deram-lhe a mais preciosa das vidas – a vida eleitoral.”

E comenta a atuação de Machado como Presidente:

“A Academia é uma obsessão para Machado de Assis. O seu gênio torna-se eleitoral. É curioso ver o céptico combinar sucessões, imagi­nar o “quadro” acadêmico. E tudo com a maior sutileza, sem violên­cia, sem impor os seus desejos. Os amigos, porém, adivinharam-nos e esforçam-se em servir ao presidente e ao mestre. Ausente, Joaquim Nabuco toma parte em todas as combinações e é eleitor firme de Ma­chado de Assis. Se por acaso este se demora em informar o que vai pela Academia, é Nabuco quem o interroga. Assim, os dois inspirado­res da Academia vão lhe dando o sopro de vida e completando a sua organização, que se opera lentamente, como convém a uma “igreja” que viverá pelos séculos dos séculos...”

Em 10 de agosto de 1905 é empossado Souza Bandeira, recebido por Graça Aranha, e se inaugura a nova sede no Silogeu Brasileiro. Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 160

E Machado sobre a recepção de Souza Bandeira:

“A recepção do Bandeira esteve brilhante. Lá verá o excelente discur­so do novo acadêmico. Respondendo-lhe, o Graça mostrou-se pensa­dor, farto de idéias, expressas em forma animada e rica”. E com uma ponta de orgulho: “A Academia está, enfim, aposentada e alfaiada; resta-lhe viver.”

Depois da posse Graça Aranha faz oferecimento a Machado de Assis de um ramo de carvalho de Tasso enviado por Nabuco. Tratava-se da velha árvore do poeta de Jerusalém Libertada, conservado como preciosa relíquia no mosteiro de Santo Onofre nos arredores de Roma. O ramo vinha com autenticação do síndico da cidade. O gesto faz lembrar refe­rência anterior:

“Eu ainda guardo de sua primeira viagem a Roma algumas relíquias que V. me deu aqui – um pedaço dos muros primitivos da cidade, outros dos restos da termas de Caracaia. Agora basta que eu ouça de longe o eco de suas vitórias diplomáticas e V. de nossos aplausos e saudações.”

Graça Aranha comenta:

“Durante a sua viuvez Machado de Assis, refugiado na Academia, tivera um instante de desvanecimento e este lhe foi proporcionado pela delicadeza imaginativa de Joaquim Nabuco.”

Graça Aranha escreve a Nabuco logo após receber a oferenda:

“Por cima estava o endereço com a sua letra! Então, tive a ânsia de conhecer o mistério. Abri-a. Era a Poesia. . . Como a sua alma é gran­de, jovem e terna! Tive uma delicada e rara emoção naquele momento diante daquele ramo de carvalho que traduz a agonia de um poeta e me era mandado por outro poeta”. Poderia acrescentar – “e que se destinava a outro poeta.”

Sugeria Nabuco que a Academia oferecesse o ramo a Machado de Assis, mas deixava a critério de Graça Aranha fazer a apresentação, pois “ninguém sabe dizer-lhe tão bem como o Sr. o que ele gosta de ouvir e de R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 161 JoaquimNabuco

ninguém, estou certo, ele consideraria vassalagem tão honrosa para seu nome.

E terminaria com frase antológica: “Devemos tratá-lo com o carinho e a veneração com que no Oriente tratam as caravanas a palmeira solitária do oásis”.

Graça Aranha discursa entregando o ramo:

“Uma tarde de primavera, quando, num cenário de cores maravilho­sas, esvoaçam espectros que vem da História, um viajante cheio do recolhimento que as coisas eternas inspiram sob o Janículo, para em frente a um mosteiro e, tendo Roma aos pés, perde-se na contempla­ção de uma árvore... Uma bela árvore é um dos grandes poemas da vida, o esplendor e a glória da forma e do amor que, rasgando a terra, se agiganta, postada em face do sol num gesto de resignação e aga­salho, fantasma imóvel, solitário, respirando, carpindo e abrindo-se em frutos. Aquela árvore no convento de Santo Onofre, no Janículo, é mais que tudo isto. É o carvalho de Tasso. As suas raízes longín­quas mergulham nas lágrimas de um gênio. Aquela hora de agonia universal, quando a melancolia revela os mistérios, e tudo se esvai da realidade e se diviniza em símbolos, Joaquim Nabuco, que era o viajante iluminado, pensa em colher um ramo da árvore da poesia e do infortúnio. E como não pode haver mais significativo tributo à glória de um homem, ele pede à Academia que ofereça a Machado de Assis esta relíquia piedosa.”

Duas poesias são declamadas na cerimônia: “O Carvalho de Zeus” por Alberto de Oliveira e “A Véspera do Capitólio” por Salvador de Men­donça.

A iniciativa muito sensibilizou Machado que logo agradeceu a Na­buco:

“Escrevo algumas horas depois do seu ato de grande amigo. Em qual­quer quadra da minha vida ele me comoveria profundamente; nesta em que vou a comoção foi muito maior. Você deu bem a entender, com a arte fina e substanciosa do seu estilo, a palmeira solitária a que vinha o galho do poeta. O que a Academia, a seu conselho, me fez ontem Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 162

basta de sobra a compensar os esforços da minha vida inteira; eu lhe agradeço haver-se lembrado de mim tão longe e tão generosamente. O Graça desempenhou a incumbência com as boas palavras que V. receberá. Antes dele o Rodrigo Otávio leu a sua carta diante da sala cheia e curiosa. Ao Graça seguiram com versos de amigo o Alberto de Oliveira e o Salvador de Mendonça.”

Conhece-se assim, pelo próprio homenageado, o teor da festa. Ma­chado comenta com Azeredo: “Não respondi nada; não tanto porque me falta o dom da palavra e do improviso, como porque a minha comoção era grande.” Estava profundamente sensibilizado.

Prova disso é que, mais de três meses depois, ele torna ao assunto, em carta para Roma:

“É verdade, meu querido amigo, os colegas da Academia entenderam mostrar por um modo expressivo que me querem, e o fizeram com tal arte e tão boa maneira que aumentaram de muito a gratidão que já lhes tinha.”

A resposta de Machado a Oliveira Lima, que se manifestara a respei­to, também é expressiva:

“Meu prezado amigo. Recebi e cordialmente lhe agradeço o cartão postal de 16 de setembro, em que junta as suas finezas às que os ami­gos da nossa Academia me fizeram. Faltava a sua palavra para com­pletar a bondade de todos. No ponto da vida a que cheguei, e no meio da grande solidão moral em que vivo, os favores literários são ainda a melhor consolação e o mais forte esteio. Naquela noite não agra­deci de palavra o que me fizeram e disseram, não só porque nunca me coube improvisar nada, e apenas sei ler atado e mal, mas ainda porque não poderia falar, se soubesse, tal foi a minha comoção. Em verdade, a manifestação foi calorosa, as vozes que me falaram amigas e verdadeiras, daqui e de fora, novas e velhas. Além disso, a falta da minha pobre esposa, que sentiria grande alegria, como sempre teve em tudo o que era benevolência para mim, fez crescer a minha comoção. Tive de ficar calado, mas todos me compreenderam e me perdoaram o silêncio.”R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 163 JoaquimNabuco

Magalhães de Azeredo se queixa por não ter sido intermediário ou participante da oferta e Nabuco lhe explica:

“Quanto à sua queixa, não preciso dizer o prazer com que a li. É sem­pre um prazer ver que você aprecia desse modo a minha afeição. Per­dôo-lhe as injustiças por causa do amor. Mas eu sou inocente, como o seu coração, e, se não o seu, como o que bate ao lado dele lhe terá feito sentir. Em primeiro lugar, esse ramo do carvalho de Tasso não foi tra­zido por mim de Roma; foi-me mandado pelo Barros Moreira, a quem o pedi, para substituir outro que eu de lá trouxera em 1888. Depois é que me veio a idéia de o mandar ao Machado, mas nunca imaginei tal festa, nem que me publicassem a carta. Tudo foi para mim uma grande surpresa. A amabilidade que eu disse ao Graça Aranha lhe teria dito, se você estivesse lá e ele ausente. Eu sei que o Machado o admira e estremece e que sua saudação a ele seria inimitável, e romana, a que o Tasso mesmo faria.”

Nessa ocasião um grupo de amigos incumbiu o pintor Henrique Ber­nardelli, que fizera há pouco o retrato de Arthur Napoleão, de retratar Ma­chado. E o pintor pôs no quadro a figura do lendário carvalho. Machado a Nabuco:

“O artista, para perpetuar a sua generosa lembrança, copiou na tela, sobre uns livros, o galho do carvalho de Tasso. O próprio galho, com a sua carta ao Graça, já os tenho na minha sala, em caixa, abaixo do retrato que você me mandou de Londres o ano passado. Não falta nada, a não ser os olhos da minha velha e boa esposa que, tanto como eu, seria agradecida a esta dupla lembrança do amigo.”

Quando da subscrição para o retrato de Bernardelli, Nabuco escreve a Rodrigo Otávio em 17 de agosto de 1905:

“Muito prazer deu-me há dias a sua carta relativa à Academia e ao Machado. Peço ao Banco do Comércio que lhe entregue 200$000. É a minha modesta contribuição para o retrato do nosso grande escritor nacional.”

Passados três anos Machado escreve a Mário de Alencar:Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 164

“Uma das melhores relíquias da minha vida literária é aquele galho do carvalho de Tasso que Joaquim Nabuco me mandou há três anos, por intermédio do Graça Aranha, e este me entregou em sessão da nossa Academia Brasileira. O galho, a carta ao Graça e o documen­to que os acompanhou conservo-os na mesma caixa, em minha sala. Perguntei-lhe há tempos se queria dar destino a essa relíquia, quando eu falecesse: agora renovo a pergunta. Talvez a Academia consista em recolher o galho como lembrança de três de seus membros e da sua própria bondade em se reunir para completar o obséquio de Nabuco e de Graça Aranha. Peço-lhe também que se incumba de o saber opor­tunamente. Caso não deva ali ser guardado, estou que haverá em sua casa algum recanto correspondente ao que sei possuir em seu coração, e onde ele possa recordar-lhe a saudade de um velho amigo desapa­recido.”

E Mário de Alencar responde a Machado: “Se vier porém o que eu não desejo, farei o que a sua bondade me incumbe, e a Academia receberá por meu intermédio o legado honroso.”

E em carta a Nabuco:

“Escrevo ao Mário de Alencar pedindo-lhe que venha à minha casa, quando eu morrer, e leve aquele galho de carvalho de Tasso que você me mandou e o Graça me entregou em sessão da Academia. A caixa em que está com o documento que o autentica e a sua carta ao Graça peço ao Mário que os transmita à Academia, a fim de que esta os con­serve, como lembrança de nós três, você, o Graça e eu.”

Hoje, tal como desejava, o galho está entre as relíquias da Acade­mia.

E falando das atividades da Academia em 14 de maio de 1907:

“Estas são as notícias eleitorais. Dos trabalhos acadêmicos já há de ter notícia que, por proposta do Medeiros, estamos discutindo se con­vém proceder à reforma da ortografia. Ao projeto deste (tendente ao fonetismo) opõe-se logo o Salvador de Mendonça, que apresentou um contraprojeto assinado por ele e pelo Rui Barbosa, Mário de Alencar, Sílvio Romero, Euclides da Cunha, Lúcio de Mendonça. Este propõe R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 165 JoaquimNabuco

que a Academia cuide de organizar um dicionário etimológico, fazen­do algumas emendas segundo regras que indica. O João Ribeiro opõe-se ao contraprojeto, e as nossas três sessões têm sido interessantes e são acompanhadas na imprensa e no público.”

E novamente o nome de Jaceguai:

“Como para a vaga do Barão de Loreto só concorreu o Dr. Arthur Or­lando, o meu voto prometido a ele sob condição de não ser o Jaceguai, nem o Assis Brasil candidato, é dele ipso facto. Sob a mesma condição dou o meu voto na eleição para a vaga do Dr. Teixeira de Melo ao Paulo Barreto. Concorrendo ou o Jaceguai ou o Assis Brasil, o meu voto será do que concorrer. Concorrendo os dois, do Jaceguai. Terei sido quem o animou a apresentar-se e tenho sempre sustentado que a Marinha falta na nossa Academia (assim como o Exército, mas no Exército não sei de escritor igual ao nosso Jurien de La Gravière), por isso votarei no Jaceguai por mais que me custe não poder dar também o meu voto ao meu colega Assis Brasil. Queira V. votar por mim de acordo com estas instruções.”

Jurien de La Gravière foi um almirante da marinha francesa, ajudan­te de ordens de Napoleão III. Colaborador da Revue dês Deux Mondes, publicou obras sobre a Marinha. Foi eleito para a Academia Francesa em 26 de janeiro de 1888 substituindo o Barão Charles de Viei-Castel.

Afinal, três anos depois Jaceguai se candidatava. E Nabuco se ale­gra:

“Acabo de receber uma carta do Machado dizendo que Jaceguay afi­nal cedeu à minha instância e que se apresenta candidato na vaga do Teixeira de Melo. Estou certo de que ele terá o voto do Rui e conto que também tenha o seu. Para mim a eleição dele será um grande prazer. O Rui pode telegrafar os dois votos de Haia.”

No discurso de posse, Jaceguai não se refere ao antecessor Teixeira de Melo. Explica “diante deste último nome sou forçado a calar-me, des­toando talvez das praxes acadêmicas. Revelar-se-á porém a singularidade, ante a minha confissão, ingênua talvez, de não haver conhecido o homem Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 166

nem a sua obra. A minha abstenção neste caso, creio ser a maior homena­gem que prestar possa à sua ilustre memória. Não seria digno dela, nem de mim mesmo, ler apressadamente as produções para vir aqui fazer delas e do autor um panegírico convencional”. Certamente Jaceguai teria con­dições de fazer o elogio do antecessor e as explicações para o fato foram sugeridas por ter Teixeira de Melo no livro “Efemérides Nacionais”, ao tratar da passagem de Humaitá, citado o nome do comandante da divi­são Delfim Carlos de Carvalho, depois barão da Passagem, e omitindo o nome de Jaceguai, Comandante do navio Barroso.

Em janeiro de 1908, escrevendo a Nabuco Machado comenta as últi­mas recepções na Academia – a de Arthur Orlando saudado por Oliveira Lima, sem a presença do Presidente Afonso Pena, que, doente se fizera re­presentar, e a de Augusto de Lima, recebido por Medeiros e Albuquerque. Dizia: “Enfim, a Academia vai sendo aceita, estimada e amada. Quando V. tornar de vez à nossa terra, cá terá o lugar que com tanto brilho ocupou e é seu naquela casa. O que não sei é se ainda me achará neste mundo; revele-me esta linha de rabugice, é natural aos 69 anos.”

A saudade da Academia e do país acabrunhava Nabuco:

“Mais que saudade da nossa Academia e da Revista de que ela nasceu! É uma grande provação viver longe dos amigos, em terra estranha, como estrangeiro. Sobretudo acabar assim. Mas espero voltar ainda antes da morte. E então os meus 60 futuros procurarão acompanhar os seus futuros 70 até ao fim das respectivas casas. Oxalá!”

Aproximava-se o fim. Um ano antes da morte de Machado, Nabuco escreve sobre as conferências em universidades norte-americanas e Ma­chado comenta:

“Muito lhe agradeço suas boas palavras sobre as minhas conferên­cias de Yale. A 28 de agosto devo estar em Chicago, já lhe disse. Aqui levo uma vida de peregrino, de universidade em universidade.”

As conferências pronunciadas nas universidades norte-americanas mantêm a mesma linha de pensamento dos dois discursos no Gabinete R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 167 JoaquimNabuco

Português de Leitura na década de 80, mas divergem a meu ver das consi­derações expendidas no discurso de inauguração da Academia.

No primeiro desses discursos, afirmava:

“Quanto ao poema, deixai-me dize-lo, ele nos pertence também um pouco. Quero esquecer a língua portuguesa que nos é comum e a su­cessão legítima que nos faz tão bons herdeiros dos contemporâneos de Camões, e do velo Portugal dos Lusíadas, como os Portugueses do século XIX. Tomarei somente a obra de arte.

Qual é a idéia dos Lusíadas, se eles não são o poema das descobertas marítimas e da expansão territorial da raça portuguesa? O descobri­mento do Brasil não fará parte desse conjunto histórico?”

Nas conferências que pronunciou em universidades americanas so­bre Camões:

O que está também presente é a exaltação da obra do poeta como representante da língua portuguesa. Assim falando na Universidade de Yale sobre O Lugar de Camões na Literatura ela avança para a influência na cultura espanhola: “O nome (Os Lusíadas), só por si, era um toque de reunir para a nacionalidade. A obra prima de Camões”.

E reforçando a ideia:

“Esta a primeira impressão dos Lusíadas: o culto da pátria. A obra foi planejada para ser um monumento nacional, cujas estátuas ou meda­lhões fossem as figuras da história portuguesa; as batalhas portugue­sas, seus vastos frescos, a viagem à Índia, o friso que o circunda; os mares e terras descobertos, seu pavimento de mosaico.”

No Diário de Nabuco, em 23 de fevereiro de 1909, há referência curiosa: “Escrevo ao general Dantas Barreto que resolvi não votar mais para a Academia enquanto durar minha ausência.”

Mas nesse último ano de vida a Academia continuava objeto de preocupações de Machado. Escrevendo a Nabuco em 8 de maio diria: “A Academia conclui as férias e vai recomeçar a publicação da Revista. Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 168

Nesta daremos os escritos originais que pudermos, alguns inéditos e o Boletim.”

Mas anos depois o clima de cordialidade parece esmaecer. No Diário em 20 de junho de 1908 há referência à carta a José Veríssimo em que ele conclui: “Sinto ver que em nossa Academia não reina a cordialidade da Revista (Brasileira). Este foi o bom tempo do qual levo saudades. Muito sentiria o seu rompimento com o João Ribeiro.” E assina: “Velho cama­rada da Revista.”

Um dia antes da morte de Machado, Nabuco escrevia a Graça Ara­nha, preocupado com a saúde do amigo:

“O estado do Machado causa-me verdadeira consternação. Como pas­saremos sem ele? Cada ano reduz-se o círculo das afeições e das ad­mirações dos que entram na velhice. Esta tem certo pudor em contrair amizades novas, em criar novos cultos pessoais. Os moços, como o Sr., ainda tem muito que ver, muito com quem se ligar, e a natureza lhes renova as afeições ao passo que as vão perdendo. É muito diferente aos 60 e deve ser terrível mais tarde. Deus lhe dê um declínio curto e um fim suave, se ele começou a entrar na decadência. Mas também a quanta ternura, a quanto carinho de nossa parte essa não obriga!”

E carta de Nabuco a Machado de 3 de setembro de 1908, escrita após a morte de Machado:

“V. fechou-se nos seus hábitos como a tartaruga na concha, mas ao contrário dela não carrega consigo a sua casa. Se não fosse assim eu lhe aconselhava que se mudasse para perto do Graça. Receio que V., só, esteja vendo gente triste e cultivando a amizade de velhos, em vez de tomar um banho de mocidade prolongado e constante.

Quanto ao seu livro “Memorial de Aires” li-o letra por letra com ver­dadeira delícia por ser mais um retrato de V. mesmo, dos seus gostos, da sua maneira de tomar a vida e de considerar tudo. É um livro que dá saudade de V., mas também que a mata. E que frescura de espírito! É o caso de recomendar-lhe de novo a companhia dos moços, mas íntima, em casa. V. perece sentir isto com o Tristão e com o Mário de Alencar. Mas o benefício de infiltrar mocidade não seria para V. só, R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 169 JoaquimNabuco

seria também para eles. V. é a mocidade perpétua cercada de todas essas afetações de velhice.

Não se lembre dos 70 e terá 40. Somente não me acostumo à ortogra­fia. Creio que lhe terá custado reconhecer-se na nova.”

No mês da morte, em 1o de agosto, em última carta Machado falava ao amigo:

“A Academia vai andando; fazemos sessão aos sábados, nem sem­pre e com poucos (vinte sessões e uma média de seis acadêmicos. A sua ideia relativamente ao José Carlos Rodrigues é boa. Falei dela ao Graça e ao Veríssimo, que concordam; mas o Graça pensa que é melhor consultar primeiro o José Carlos; parece-lhe que ele pode não querer; se quiser parece fácil. Não há vaga, mas quem sabe se não a darei eu?”

Veríssimo descreve a Nabuco os últimos dias de Machado:

“Na manhã do dia anterior, estando eu com ele no quartinho do pavi­mento térreo da casa em que padeceu e faleceu, ele sempre com a ideia da morte presente, disse-me:

– Veríssimo, você mande contar este desfecho aos amigos que estão fora – e nomeou-o, Sr. Nabuco, em primeiro lugar.

Uma das suas últimas alegrias, ainda claramente manifestada, foi ou­vir de Graça Aranha a leitura da sua carta sobre o ‘Memorial de Aires’. Ainda falou do Sr. com o carinho de sempre, ouvindo as suas palavras depois.”

E da morte:

“O seu enterro foi um triunfo e jamais no Brasil um puro intelectual, um escritor, morrendo, despertou na alma nacional tal comoção. Não preciso dizer-lhe que o Sr. esteve sempre presente no nosso espírito nestes momentos angustiosos. Todos tínhamos o mesmo sentimento: do abalo e do pesar que a morte do Machado lhe ia causar, e todos Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 170

sentíamos a sua ausência da nossa família literária neste momento do­loroso, e de uma grande saudade sua.”

A morte de Machado é comentada no diário de Nabuco: Recebo esta tarde telegrama do Rio Branco: “Faleceu hoje Machado de Assis.” Ontem eu havia escrito ao Graça sobre ele. Bom amigo. Telegrafo ao Rio Branco. “O Brasil perde sua maior glória literária, nós amigo querido.”

Com a morte de Machado Nabuco escreve a Graça Aranha:

“O Machado dava-me notícias da Academia, agora já não sei mais quem dará. Suponho que virão somente do Itamaraty, pedindo o voto à última hora.”

Mas tinha um prognóstico otimista da Casa: “Espero que a função dela se manterá de ser um Pantheon em vida, mas com caráter literário bem acentuado.”

E recordava a teoria dos expoentes:

“Lembre-se que desde o começo pensei que entrar homens como o Lafaiete, o Quintino, o Ramiz, o Capistrano. Estes dois não quiseram, como não quis o Ferreira de Araújo.”

Um ano antes de morrer, em 21 de dezembro de 1909, Nabuco escre­ve à Graça Aranha pedindo que lhe escreva: “Eu vivo muito só.”

Nabuco continuou sempre interessado pela Academia, como revela as cartas. No último ano de vida, negando o voto a um candidato para votar em outro: “Com prazer lhe daria o meu lugar, mas tenho amor à Academia pelo Machado.”

Abrindo os trabalhos do ano acadêmico de 1910 em 7 de maio, José Veríssimo na Presidência declara de forma lacônica

“que é seu dever comunicar oficialmente à Academia o falecimento do seu preclaro consócio Joaquim Nabuco. É desnecessário repetir neste momento o louvor do grande escritor e a saudade que deixou o que­R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 171 JoaquimNabuco

rido companheiro. Todos os presentes conheceram-no e amaram-no, e sentem o que não poderiam exprimir as palavras que ora disses. Na conformidade do regimento declara aberta a vaga de Joaquim Nabuco e marca o prazo de dois meses, a contar da presente data, para a apre­sentação de candidatos”.

Morto Machado em 1908 e Nabuco em 1910, só treze anos mais tarde será publicada a correspondência. A morte de Machado lhe deve ter atingido e a de Nabuco foi um golpe muito mais forte. Três dias após escreveria à filha: “A morte de Nabuco é para mim a perda de meu melhor amigo. Ele foi para mim o primeiro dos homens de nossa pátria, o mais completo, o mestre, o guia, o exemplo, a admiração, o entusiasmo.”

Os anos seguintes foram de intensa atividade, primeiro como repre­sentante do Brasil na Holanda, e a partir de 1914 numa atuação intelectual tanto no Brasil como na França, depois participante ativo em favor dos aliados na Primeira Guerra e retornando ao Brasil para se juntar ao mo­mento modernista.

Na sucessão de Joaquim Nabuco ocorreu escolha que talvez não ti­vesse sido desejada pelo antecessor. Não se tem notícia de como surgiu a candidatura do general Dantas Barreto, mas o fato que em 10 de setem­bro de 1910 quando da eleição, ele já era falado como o futuro ministro da Guerra da Presidência Hermes da Fonseca e deixaria o cargo no ano seguinte, para participar das “salvações estaduais” como governador de Pernambuco (1911-1915). Há indicações de que ele prometera obter o prédio do Palácio Moroe para a Academia, pois Oliveira Lima veicula que “a Academia escolheu Dantas Barreto por ser ministro da guerra e sobretudo por haver prometido, segundo propalava o Coelho Neto, obter o chamado Palácio Monroe – Pavilhão de Exibição – para sede de uma companhia que era então composta de frades medicantes”.

Dantas Barreto tinha várias obras, um drama A Condessa Hermí­nia em 1833, um romance Margarida Nobre em 1866 e vários livros de cunho militar como A Última expedição a Canudos (1898), e Impressões Militares (1910).Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 172

Nessa sucessão atribuiu-se a Rio Branco o apoio a Dantas Barreto. Em carta a um amigo desmentiu a versão, dizendo “preferir pessoas como Quintino Bocaiúva ou outro homem desse porte nas letras e na política”.

Inscreveram-se na vaga além do general Dantas Barreto, também dois pernambucanos, Regueira da Costa e Alfredo de Carvalho. Silvio Romero autoriza Arthur Orlando a votar em Alfredo de Carvalho. Olivei­ra Lima afirmava “não me pesa na consciência ter contribuído para dar a Nabuco semelhante panegirista: votei em Alfredo de Carvalho, apesar deste ter tido a fraqueza de retirar a sua candidatura diante do soldado de Canudos”. Ambos desistem. Quando da eleição, Graça Aranha comentara “que assalto à Academia” e recusa o pedido de Coelho Neto para votar no general.

O discurso de Dantas Barreto na sucessão de Joaquim Nabuco em 7 de janeiro de 1911 é repleto de ironias, relatando inicialmente que, quando Nabuco veio ao Brasil em 1906 se encontrava em Mato Grosso “conduzindo batalhões e bocas de fogo para restabelecer a harmonia de uma população” e nem sequer pode ver “os estragos que o tempo havia produzido nesse moço elegante, de uma beleza insinuante e atraente que até aos homens impressionava e atraía”.

Afirma que sua eleição seria uma homenagem ao Exército, que de­pois de considerações sobre a vida de Joaquim Nabuco, fazia afirmações curiosas:

“sua educação literária foi desde o começo encaminhada para centros de maior atividade, para outras civilizações mais ruidosas, sem que talvez ele mesmo percebesse a intenção de quem o guiava para esse destino. Já resultava conhecer melhor o francês e o inglês, do que a língua do seu país que lia relativamente pouco”.

E noutro passo:

“E, contudo, se fosse mister isolar-se das grandes fascinações que es­tragam a alma e o corpo, que constituem a suprema felicidade de quem nunca soube o que eram restrições aos seus desejos saciados, Joaquim R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 173 JoaquimNabuco

Nabuco não resistiria de certo, se tivesse que embrenhar-se na solidão de um país selvagem como Humboldt ou Euclides da Cunha, nas som­brias regiões dos Andes ou das florestas amazônicas brasileiras, não suportaria um mês. Matava-o a nostalgia desse tumultuoso meio onde formava o seu espírito delicado.”

Apontava ademais que

“era um mundano dos mais requintados e vitoriosos, que passara por todas as sensações violentas dos meios mais exigentes na Inglaterra, como na França. Na Itália, como nos Estados Unidos da América do Nor­te.”. E de sua educação literária “daí resultava conhecer melhor o francês e o inglês do que a língua do seu pais que lia relativamente pouco”.

Mas acentuava o papel político:

“descortinou com amplitude e sagacidade a multidão de nossos erros. E foi, talvez, dos estadistas brasileiros, o que melhor os caracterizou, profligando os nossos males institucionais e traçando o quadro fiel das taras hereditárias que maculavam o nosso organismo representativo”.

E terminava concluindo:

“dizem que Joaquim Nabuco não foi bem um escritor profissional, um poeta, um artista, como entendem os conhecedores dessa técnica do belo. Não posso entrar nessa apreciação escabrosa, tanto mais quanto fiz uma leitura superficial das obras, também porque falta competên­cia para julgá-la”.

Carlos de Laet no discurso de resposta contesta a afirmação de Dan­tas Barreto, mostrando que foi a personalidade dele que a Academia esco­lheu, relata o seu papel no Exército e aproveita a oportunidade para con­testar o monarquista que aceitara um emprego do governo republicano.

Diz então Carlos Laet:

“Quando Nabuco sempre vitorioso pelo donaire e pela fidalguia, sem­pre festejado como exigiam os seus elevados méritos, incomparáveis dotes pessoais, quando Nabuco, em torno de si via-se estrondear-se Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 174

os aplausos dos seus antigos adversários, claro é que meu coração já não podia estar com ele, porque o meu ficara no penhasco onde ele me assinalara o posto de honra.”

E numa comparação militar, prossegue:

“Imaginai, General e Confrade, que apenas sois uma praça de pré, sentinela postada nas linhas extremas de um acampamento, após te­meroso desastre que vos impõe dobrada vigilância... A noite é escura e bem escura é aquela em que ainda nos achamos, pois anoiteceram os princípios e bruxuleia a fidelidade aos ideais. Súbito um vulto trans­foge. Fitais a escuridão por lobrigar quem seja. . . Não, não se trata de um simples subalterno. Discernis as insígnias de alto posto. É um chefe, um chefe querido que vai levar aos adversários o contingente do seu mérito e talvez o segredo da vitória . . . Levais arma à cara e fazeis fogo. Francamente, General, vós teríeis feito o mesmo – e foi o que eu fiz.”

A crítica acerba de Carlos Laet foi entendida como uma crítica da Academia e assim comentou pela imprensa Constâncio Alves: “Fora a Academia quem fuzilara Nabuco com um tiro disparado por Nabuco.” O presidente em exercício José Veríssimo veio a público para esclarecer que a crítica era de caráter pessoal.

Companheiro de farda sucede a Dantas Barreto Gregório da Fonse­ca. De Nabuco traça referência em frase emblemática: “Entre os nossos homens célebres, Joaquim Nabuco destaca-se com distinção rara. A sua vida tem os característicos a obra de arte – unidade e beleza.”

Levi Carneiro, terceiro ocupante da cadeira número 27, traçaria um perfil minucioso de Joaquim Nabuco e mencionaria a dificuldade de as­sentar-se nesta cadeira:

“Joaquim Nabuco deixou vaga esta cadeira, talvez para sempre. Sua sombra envolve-nos a todos os que por ela passarmos. Talvez até o próprio Maciel Monteiro; Nabuco ter-lhe-á tomado o lugar, tornando-se, verdadeiramente, o patrono da cadeira.R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 175 JoaquimNabuco

Cada um dos que a ocuparem desejará fixar os traços do predecessor inesquecível, revivendo-lhe a personalidade empolgante. Cada um de nós ficará, assim, mais ou menos, relegado, por seu sucessor imedia­to, a esquecimento, ou a plano inferior. Os que nem suportaríamos o confronto de personalidades menos destacadas, preferiremos ficar so­brepujados por ele, que é, em nossa literatura, figura singular e incom­parável. De mim vos confesso, desde já, que bendigo minha própria previsão — imaginando que, algum dia, meu sucessor preferirá falar de Joaquim Nabuco a falar de mim.”

Destacaria também o papel político:

“Ele mesmo reconheceu que era político o próprio fundo de sua ima­ginação. Ninguém viu mais longe, nem mais penetrantemente, o de­senvolvimento de nossa vida política. Ninguém apontou, com maior clareza, a persistência dos males resultantes do regime escravagista. Somente ele – o maior apóstolo do abolicionismo – terá percebido que a solução propugnada já não removeria todos os males. Somente ele terá previsto as vicissitudes do regime federativo não realizado oportunamente pelo Império. Somente ele terá percebido, ou percebeu melhor que ninguém, que, preenchida a missão histórica de formar e fortalecer a unidade nacional, cabia ainda ao Império salvá-la, organi­zando a federação.”

E acentuaria o seu patriotismo:

“Sentindo e amando o Brasil, ninguém o serviu mais devotadamente; ninguém o pôs mais alto em todos os atos e pensamentos.

O que lhe determiu e orienta a ação política é o desejo de servir o Brasil, pode mesmo dizer-se, em frase sua – o desejo de realizar ‘alguma coisa em que o país se reveja com a consciência satisfeita’. Não lhe basta a própria satisfação íntima do dever cumprido. Ao que aspira é a conten­tar a sua gente, o seu país, de sorte que este se reveja em sua obra – ‘com a consciência satisfeita’.

Seu devotamento ao serviço do Brasil culminou em a defesa da ques­tão da Guiana, apaixonou-se pela causa. Afirmou nela a índole de advoga­Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 176

do. Tratou-a com o entusiasmo habitual; confessou que nada sabia fazer sem o concurso da profunda convicção e do seu entusiasmo. E desse caso, pode dizer: Fiz tudo o que me era possível, empenhando no meu trabalho toda a minha vida, dando-lhe todo o meu amor.”

No discurso de resposta, Alcântara Machado assinala o papel de Na­buco na criação da Academia:

“Era com a latitude que às Letras confere Descartes no Discurso de Método, era assim que ele concebia o Instituto de cuja fundação par­ticipara. Queria franqueá-lo aos valores autênticos da nacionalidade que tivesse como denominador comum o espírito. Sonhava à maneira de um Senado do pensamento brasileiro.”

Levi Carneiro voltaria ao tema em 1960, em sessão especial da Aca­demia. Após tratar do período de ostracismo diria:

“Sobrevem então a Academia. Não seria para ele a satisfação da vai­dade de literato, sim a expressão social e política da cultura. É uma coincidência fortunada que precisamente se abrisse para acolhê-lo e confortá-lo, nos dias depressivos que vivia, a sala da Revista Brasilei­ra, de José Veríssimo e, depois, dali, a Academia. Foi-lhe providencial esse refúgio, essa obra duradoura, a que se dedicasse com o costu­mado entusiasmo, a paixão pela inteligência, pela beleza, pela terra natal. Ele caracterizou a Academia, fixou-lhe o sentido, a orientação, os rumos; fê-la duradoura e imperecível. Numa sugestão secundária, deixaria a marca da continuidade, da tradição que a Academia haveria de estabelecer, ao propor a designação do patrono de cada cadeira.

De resto, se para ele foi providencialmente oportuna a criação da Academia, para a própria Academia foi decisiva – digamos, como ele próprio estimaria que se dissesse, terá sido um favor de Deus – a sua presença entre os que a fundaram, no momento preciso em que ele mais se lhe poderia dedicar pessoalmente.”

E em comentário:

“Por igual, não esquecia o encanto das afinidades pessoais na Acade­mia quando lhe realçava a missão política. Na correspondência com R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 177 JoaquimNabuco

Machado de Assis frequentemente designa os acadêmicos que mais preza, ou os que ele desejaria ver na Academia, pela expressão “um dos nossos.”

Na conclusão:

“Decorrido meio século, podemos dizer que se ele aqui sempre esteve, de agora em diante mais intensa lhe sentiremos a presença e o con­vívio, os que nunca trataram com ele até os que nem o viram, todos os que nos reunimos aqui sob a sua definição do alto sentido desta instituição em que transfundiu alguma coisa de sua própria persona­lidade.”

Quero crer que o próprio Joaquim Nabuco gostaria desse ambiente, haveria de lhe ter sentido a falta, nas sedes precárias que a Academia foi tendo. Talvez por isso, teria dito, alguma vez, que na antiga sala da Revista Brasileira era melhor que na Academia.”

A Levi Carneiro sucede Otávio de Faria que aponta que

“de todos os seus detratores triunfa Nabuco em sua integridade de espírito, em sua fidelidade a si mesmo. E aí está ainda hoje – e hoje mais do que nunca – na sua figura de corpo inteiro, talvez o maior que tenhamos pelo seu conjunto, de pensador e de político, de homem de ação e de escritor, de memorialista e de diplomata, de estilista que manejou a palavra com mais arte – lembro apenas a evocação de Mas­sangana – e com mais força persuasiva – basta reler seus discursos da campanha abolicionista – de pessoas cuja finura e cuja cultura – não nos esqueçamos de representou a quarta de Nabuco no Parlamento – marcou um dos pontos mais elevados a que chegamos neste país”.

O atual ocupante da cadeira número 27 Eduardo Portella, empossado em agosto de 1891 assinalava:

“Nabuco é o intelectual orgânico, cuja bússola política movimenta-se norteada por indicações éticas. Com ela, chega ele à cena pública e, acompanhado por ela, sabia retirar-se nos momentos oportunos, sem conceder o que não se concede, sem trair, sem falsificar. O vigor moral do seu discurso não deixa dúvida, quanto à lisura e à honradez das Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 178

relações matinais entre o intelectual e o poder no Brasil. É que para o antiáulico Nabuco, o político eticamente respaldado, o escritor livre, o poder constitui um valor transitivo, tanto mais necessário quanto mais se fizer sinônimo de serventia pública.”

A Academia inaugurou em 12 de junho de 1912 em sessão solene os bustos de Machado de Assis, Joaquim Nabuco e Lúcio de Mendonça, obra do artista Jean Magrou.

O Presidente José Veríssimo iniciou a cerimônia:

“A Lúcio de Mendonça, a Machado de Assis e a Joaquim Nabuco deve principalmente a Academia a sua existência”. E de Lúcio de Mendon­ça diria ser “o poeta e o sonhador que misturou às suas paixões políti­cas, o seu sentimentalismo romântico, foi o inventor da Academia.”

Quanto a Machado de Assis:

“deu à invenção de Lúcio de Mendonça o apoio decisivo da sua ade­são. E a sua adesão calorosa, para o temperamento tão avesso, aos nossos fáceis alvoroços traduziu-se num constante e caprichoso apre­ço à Academia”.

E testemunharia José Veríssimo:

“Segundo lhe ouvi, ele imaginava-a como um elemento de conserva­ção da nossa unidade nacional, uma força de defesa do nosso falar ver­náculo e da nossa unidade literária. E ninguém certamente mais digno do que Machado de Assis, de apadrinhar este generoso ideal.”

Falaria então de Joaquim Nabuco:

“Joaquim Nabuco, o vigoroso e gentil espírito, o grande idealista que soube fundir numa obra de rara elevação e de suprema elegância todas as cambiantes do seu forte pensamento, trouxe à idéia de Lúcio de Mendonça o concurso precioso do seu prestígio. E mais, sagrou-a ao nascer para a vida e suas lutas, num discurso inaugural, que é um dos primores do gênero nas nossas letras. E fora talvez único se a oração R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 179 JoaquimNabuco

simultânea de Machado de Assis, na sua concisão ática, lhe não dis­putasse a primazia.”

E concluía dizendo que:

“o nosso confrade Souza Bandeira vos dirá melhor do que eu não poderia fazer, os sentimentos com que a Academia Brasileira, com a vossa gentilíssima audiência comemora hoje estes seus queridos e saudosos companheiros?”

Souza Bandeira relembra:

“há quinze anos, na sessão de abertura da Academia, Machado de Assis, o seu Presidente, e Joaquim Nabuco, o seu Secretário-Geral, cargos que conservaram até deixarem para sempre esta Companhia e este mundo, traçaram em nobilíssimas palavras a rota que devia seguir a nossa corporação”.

“Machado de Assis, cuja ironia sorridente mal disfarçava uma alma generosa e meiga, vaticinou dias cheios de vida à instituição que então nascia, a qual buscaria ser com o tempo a guarda da língua e da litera­tura nacionais. No crepúsculo do século XIX e da própria vida, aquele belo espírito encontrou palavras de bondade com que confiou aos mo­ços a missão de levar a instituição até o século XX, que já começava a despontar, e deste através do dobar eterno dos anos, até a consagração definitiva dos séculos que hão de nascer.”

E se referindo a Joaquim Nabuco:

“Joaquim Nabuco, na distinção tão nobre da sua forma, expôs em pá­ginas admiráveis um como programa da Academia, onde demonstrou a sua utilidade, explicou a sua razão de ser, e previamente respondeu, com a superioridade de vistas que sabia ter, a todas as objeções que a malignidade tem depois acumulado contra ela.”

Na oração, dizia de Nabuco:

“Já passou para a Academia a época das lutas iniciais. Agora tem ela firmada a sua individualidade. É indiscutível a sua influência. O ardor Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 180

com que as mais notáveis personalidades procuram fazer parte dela, a violência mesma dos ataques que lhe são dirigidos, provam suficien­temente ser ela uma força nacional.

Não sei se a Academia se pode ainda dizer jovem, nem tão pouco se já se pode considerar velha. Quando se trata de coisas do espírito, de­saparece a noção do tempo. Que são quinze anos para a eternidade da consagração póstera? Que são quinze minutos para a vertigem da pro­dução intelectual? Como quer que seja, a Academia já chegou à idade da parada do espírito a que se referia Nabuco. Já se pode sentar à beira do caminho e alongar o olhar pelo passado. Nesta hora de recolhimen­to, pensando na sua criação, não pode esquecer os seus criadores. Eis por que entendeu chegado o momento de, antes de continuar a jorna­da, deixar hoje aqui plantada, como marco miliario, a sua homenagem aos três altos espíritos a quem deve a sua existência: – Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Lúcio de Mendonça.”

Após afirmar que

“foi Lúcio de Mendonça quem teve a primeira lembrança da nossa instituição”, Souza Bandeira analisa os primeiros anos da República, em que ficaram de lado as questões intelectuais, com o desencadear do militarismo, falência nas finanças com a bancarrota do Estado, o desastre das especulações, desorganização dos partidos políticos, o desrespeito da lei. E acrescenta: “quem se lembraria de fazer versos, escrever ensaios, delinear romances, tratar enfim de coisas de espíri­to?”.

E surge a criação da Revista Brasileira:

“Foi então que José Veríssimo teve a idéia ousada e feliz de fundar a “Revista Brasileira”. Quando, na dispersão geral, ninguém se lembra­va de coisas intelectuais, o Diretor da Revista levantou a bandeira da cultura, chamando a campo todas as boas vontades. Não se inquiria da idade, posição social, das opiniões políticas, religiosas ou literárias dos colaboradores. O que se exigia era talento, cultura e desejo de trabalhar. Cedo tornou-se a Revista o centro para onde concorreram todas as aptidões, o campo em que se reuniam os intelectuais de todos os matizes. Formou-se um ambiente de bom gosto e de civilidade que R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 181 JoaquimNabuco

concorreu muito mais do que se supõe para modificar a nossa bar­baria primitiva. A sala da travessa do Ouvidor tornou-se o ponto de partida de um movimento que se irradiou pelo país inteiro. A hora do chá reuniam-se ali diariamente quase todos os que no Rio de Janeiro se ocupavam de coisas do espírito. Era de ver como os Barões, os Viscondes e os Conselheiros conversavam familiarmente sobre po­lítica com jovens jacobinos de chapéu desabado. Ateus impenitentes discutiam religião com fervorosos católicos. Os sobreviventes do ro­mantismo, os parnasianos impassíveis, e os tenebrosos simbolistas, fraternizavam docemente, movidos pelo mesmo amor à poesia, que cada um entendia ao seu modo. E até, inverosímil coisa, gramáticos inveterados trocavam idéias sobre colocação de pronomes, sem se jul­garem obrigados a trocar insultos! Desapareceu a Revista Brasileira no meio da indiferença que a grande massa revela entre nós por tudo o que excede das coisas vulgares. Ficou, porém, indelével, o traço forte que ela deixou no desenvolvimento da nossa mentalidade.”

E em seguida trata da iniciativa de Lúcio de Mendonça:

“O espírito entusiasta de Lúcio de Mendonça, percebendo nas boas palestras da Revista Brasileira que os nossos intelectuais se podiam encontrar para tratar de coisas do espírito, apertando os laços que os uniam, teve a idéia de fundar a Academia Brasileira, idéia que, segun­do afirmam, tinha passado muitas vezes pelo espírito de D. Pedro II.

Com a energia de que dispunha, reuniu elementos, expediu convites, aplainou dificuldades, dissipou escrúpulos, animou boas vontades, desfez receios e poucos meses depois estava fundada a Academia. Neste movimento inicial, teve Lúcio de Mendonça a colaboração de­cisiva de Machado de Assis, que consagrou à Academia todo o vigor do seu belo espírito, e de Joaquim Nabuco, que lhe ofereceu o ardor simpático com que se devotava às causas.

Dadas as dificuldades que entre nós se deparam acometimento desta ordem, só um temperamento como o de Lúcio de Mendonça poderia levar a efeito a fundação da Academia. Outros, possuindo qualidades que talvez lhe faltassem; poderia fazer a instituição chegar a sua fase atual. Era necessário, porém ser um sonhador e um combatente para tirar do nada a sua formação.”Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 182

E se volta para Joaquim Nabuco:

“O terceiro busto que hoje inauguramos é o de Joaquim Nabuco. A Academia lhe devia testemunhar de modo solene a sua gratidão, e por vir um pouco tardia, a cerimônia de hoje é quase uma reparação.

Não sei que fada presidiu ao nascimento desse homem a quem nada faltou na vida para ser completo. A beleza física sempre o acompanhou desde a mocidade, volvendo com a mudança de idade. A distinção de maneiras; a correção fidalga dos gestos e atitudes, a natural e despren­dida elegância, faziam dele um tipo de outra civilização, formando o modelo perfeito, perdoai-me a irreverência do barbarismo, do que deve ser um gentleman. O seu talento era superior. A sua cultura vas­tíssima. Explorou quase todas as províncias da literatura. Foi poeta, historiador, crítico, publicista. Como orador obteve verdadeiros triun­fos. Na praça pública arrastou as multidões. No Parlamento os seus discursos ficaram como modelos de eloquência, elegância e elevação. As suas orações acadêmicas são a glória da nossa companhia e seriam a honra de qualquer Academia. Nas suas conferências não se sabe o que mais admirar, se a beleza da forma, se a elevação dos conceitos.”

E tratando da Abolição:

“Moço ainda, sentiu o referver das paixões populares, sorveu a em­briaguez da aclamação das turbas dominadas pela sua eloquência, e pôs tudo isso ao serviço da grande causa da abolição.

Todos vós sabeis qual foi o seu papel nesse período épico da nossa história. A sua pena cintilava na imprensa, a sua palavra quente e for­mosa ecoava nos comícios ou na Câmara, o seu espírito atilado fazia combinações com os elementos que podiam aproveitar à causa.

Todos os meios serviram para ativar o grande acontecimento a que deixou imperecivelmente ligado o seu nome. Pode ver realizado o seu sonho, e em 13 de maio triunfou ao lado dos seus companheiros, encarnando então a alma nacional.”R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 183 JoaquimNabuco

Referindo-se aos livros:

Um Estadista do Império, obra sem par na nossa literatura, síntese admirável de toda a história constitucional do Brasil, cheia de vistas largas sobre a nossa evolução política, penetrada de um grande amor filial, mas ao mesmo tempo povoada de retratos vivos das principais figuras do segundo Reinado.

É o seu delicioso livro Minha Formação. Recordai-vos como devorá­vamos os artigos em que foi a princípio publicado na Revista Brasilei­ra, penetrados da elegante filosofia dos conceitos, enlevados pelo bom gosto da forma encantadora?

Bom gosto é principalmente a qualidade dominante do seu feitio li­terário. Tão pouco habituado andamos a essa distinção, raríssima no nosso meio de agitados e apoplécticos, que devemos constantemente recorrer aquele livro para repousar o espírito de tanta literatura incha­da. Livro como Minha Formação não o possui outro no seu gênero, a nossa literatura.”

E comentando esses dois livros:

“Estes dois livros admiráveis, dos quais nunca se falará bastante nesta casa, não absorveram, porém, a sua atividade, que coincidiu, então, com a florescência da Revista Brasileira. Nabuco não esquecia a sua qualidade de homem de ação, e tinha a sua atenção voltada para as coisas políticas. Escreveu o seu belo perfil de Balmaceda, esplêndido trabalho da psicologia política. Analisou na Intervenção Estrangeira os documentos diplomáticos relativos à Revolta de 1893, e demons­trou que foi graças ao auxílio das esquadras estrangeiras que ela pode ser dominada.”

E analisa o retorno à vida pública:

“A sua volta à atividade política foi ainda uma nova série de triunfos. Secundando a ação imortal de Rio Branco, forçou a entrada do Brasil no convívio das nações americanas. Criou para a nossa pátria um am­biente internacional. Só com o prestígio da sua fúlgida pessoa, o nosso embaixador em Washington conquistou para o nosso país uma posição igual à das grandes potências do mundo.”Alberto Venancio Filho R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 184

E aprecia o último livro:

“Não me sobra tempo para dizer do seu último livro Pensées Deta­chées, produzido durante a sua ausência da pátria. Ainda um terceiro livro, único no gênero em nossa literatura. Único pela vernaculidade tão bem manejada, que iludiu os próprios mestres da língua francesa. Único pela elevação do pensamento, pela penetração da sua análise, pela profundeza dos conceitos. Basta dizer que no gênero, até agora, nós só tínhamos as ‘Máximas’, do Marques de Maricá. Único ainda, pela sinceridade dos sentimentos, a qual deixa a nu a profunda evo­lução do seu espírito, que passou gradualmente do cepticismo para a crença, sem perder nunca o fundo essencial de tolerância e de cordura. Seja qual for o ponto de vista religioso de quem o ler, a ninguém dei­xarão de comover as páginas admiráveis em que ele explica “como pode reunir no coração os fragmentos quebrados da cruz, e com eles recompor os sentimentos esquecidos da infância.”

E após elogiar o trabalho do escultor Jean Magrou, destaca a contri­buição dos três grandes espíritos:

“O papel das instituições como a nossa é manter bem alto o facho da cultura. Quer os grandes espíritos, como os que hoje celebramos, quer os que lhes podem apenas dar a expressão de sua silenciosa admira­ção, são todos manifestações da mesma força, poderosa e irresistível, que arrasta no turbilhão toda a humanidade. Integrando-nos todos nes­ta força, teremos cumprido o nosso dever. E como ainda dizia Joaquim Nabuco: “Somos uma gota de água no oceano. Tenhamos consciência de que somos gota de água, mas também a tenhamos de que somos oceanos.”

A atuação de Joaquim Nabuco na Academia pode ser abrangida na expressão de Anibal Freire “na sua ação cultural, menor da extensão do que a de outros, porém atraente como poucas, pela variedade e destreza, representa um dos pontos altos da intelectualidade brasileira. Não lhe cabe senão pelo abolicionismo conquistar os favores da popu­laridade. Toda a sua atividade posterior se desenvolveu ao abrigo dos estímulos da multidão. Por isso sua ação se confina no domínio puro do pensamento. Ninguém o excederá nesse terreno e a sua influência se há de se fazer sentir na proporção de suas idéias pelo livro, pela tribuna, pela cátedra.”R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):109-185, out./dez. 2010 185 JoaquimNabuco

Num curto espaço de tempo faleciam Machado de Assis (1908), Eu­clides da Cunha (1909) e Joaquim Nabuco (1910); Domício da Gama teria frase tocante:

“Machado de Assis, Euclides da Cunha e Joaquim Nabuco fazem falta ao meu coração de brasileiro confiado no futuro de uma nação que teve dessas inteligências. Mas Nabuco era sem dúvida o maior porque tinha o orgulho que é a espinha dorsal dos vitoriosos.”

Em análise percuciente sobre Nabuco e a Academia, Eduardo Por­tella apontava o encontro de Nabuco e Machado:

“Quando Joaquim Nabuco juntou-se a Machado de Assis, para fundar a Academia Brasileira de Letras, deu lugar a um encontro perfeita­mente previsível. Dois espíritos superiores reuniram-se para erguer uma instituição que se ocupasse da proteção da língua portuguesa e da literatura brasileira. Não pensaram em nada que pudesse fazer o jogo do chauvinismo luso ou de um prematuro fundamentalismo brasileiro. Tratava-se de unir as nossas forças intelectuais, no encalço do Brasil altivo e ativo. Jamais contemplativo.

Se Nabuco foi antes o intelectual público, e Machado, o obstinado decifrador da alma humana, nem por isso se apagaram as afinidades tecidas no interior de uma realidade mesclada, de um nacional cosmo­politismo, simultaneamente, ambicioso e sereno.”

E após estudar a trajetória de Nabuco concluía:

“É desses Nabucos, desses homens livres e qualificados, que se cons­titui a legitimidade e a perenidade da Academia Brasileira de Letras.”

sangana: uma glosa

187

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (449):185-203, out./dez. 2010