João do Rego Castelo Branco - Capitão da conquista do gentio.
Por Reginaldo Miranda Em: 05/01/2017, às 12H53
Foi o mais graduado e mais importante militar piauiense durante a segunda metade do século XVIII, exatamente os primeiros cinquenta anos de nossa vida administrativa.
Nasceu João do Rego Castelo Branco em 7 de abril de 1719, na mui impropriamente chamada Vila da Parnaíba, depois conhecida por Vila Velha do João Gomes ou simplesmente Vila Velha, no delta do rio Parnaíba, arredores de onde hoje se assenta uma importante cidade de mesmo nome. Era filho do capitão-mor João Gomes do Rego Barra (ou Rego Barros)(1676 – c.1735), fundador da referida povoação, como procurador de Pedro Barbosa Leal; grande latifundiário, João Gomes adquiriu sesmarias entre as barras do rio Igaraçu e Parnaíba, incluindo a Ilha Grande de Santa Isabel. Era natural da freguesia de São Lourenço de Sande, concelho de Guimarães, arcebispado de Braga, onde foi batizado em 12 de abril de 1676, filho de Francisco Dias de Carvalho (natural do lugar do Carvalho, daí a origem do nome) e de sua mulher Maria Francisca do Rego, esta filha do clérigo Antônio Rodrigues, natural do lugar do Rego, daí a origem do nome da filha, e foi abade da freguesia de Mazarefes, em Viana do Castelo; o português João Gomes era irmão do padre Francisco Gomes, que deu aula de Gramática na Rua do Maciel, em Salvador, na Bahia e primo do padre jesuíta Domingos Gomes, que administrou as fazendas dos jesuítas no Piauí, deixando interessante estudo denominado Notícias do Piauhy, que publiquei em livro de igual título.
Seu pai foi casado duas vezes, sendo a primeira com a lisboeta Ana Castelo Branco de Mesquita, mãe do biografado, com quem teve dois filhos, de que ele é o caçula, antecedido por Maria Eugênia de Mesquita Castelo Branco. Depois de viúvo, o pai contraiu novas núpcias com a cunhada Maria do Monte Serrate Castelo Branco, também lisboeta, com quem teve mais quatro filhas: Francisca, Florência, Ana do Monte Serrate Castelo Branco e uma quinta cujo nome não sabemos informar. Eram ambas as esposas filhas de D. Francisco de Castelo Branco, natural de Portugal – irmão de D. Pedro de Castelo Branco da Cunha, 2º Conde de Pombeiro. Capitão de infantaria do exército português, mudou-se para o Brasil em 1693, servindo na guarnição de Pernambuco. A partir de 1700, serviu na do Maranhão, até quando faleceu, e dona Maria Eugenia de Mesquita, natural de Lisboa, falecida em naufrágio marítimo no ano de 1700, quando de mudança para o Maranhão. Eram todos oriundos de antiquíssimas e nobres famílias de Portugal.
Pouco se sabe sobre os estudos de João do Rego Castelo Branco, sendo, porém, um homem instruído, com formação acima da média, acreditando-se que tenha estudado inicialmente com os pais e depois em companhia de parentes, provavelmente do avô materno, em São Luiz do Maranhão, pela década de vinte.
O que há de certo, porém, é que cedo ingressou na carreira das armas, servindo com o pai no norte do Piauí. Naquele tempo era comum os meninos sentarem praça ainda adolescentes, o que certamente aconteceu com João do Rego Castelo Branco.
Porém, pouco depois de 1735, com a morte do pai, o jovem militar mudou-se para a fazenda Cajazeiras, no termo de Parnaguá, passando a servir com o capitão-mor, mestre-de-campo e capitão da tropa de guerra Antônio Gomes Leite, seu contraparente, casado com uma sua prima. Ainda muito jovem, com cerca de dezoito anos de idade, o acompanha em diversas entradas contra o gentio, inclusive nos combates contra a nação dos Paracatis, na qual é ferido o comandante da tropa. Destemido, ágil, corajoso, perspicaz, logo destacou-se no seio da tropa, recebendo menções honrosas e ascendendo nos postos militares.
Estava, assim, nos sertões de Parnaguá, iniciado o seu batismo de sangue e a longa carreira militar em que iria notabilizar-se como o algoz dos nativos do norte de Goiás e sul do Piauí e Maranhão.
Por volta de 1740, aos 21 anos de idade, casa-se com Perpétua Luiza de Barros Taveira, filha de dona Antônia Gomes Travassos e de seu segundo esposo, o capitão-mor do Gurgueia, Gonçalo de Barros Taveira, todos de ilustrada estirpe.
Em 1743, acompanha o capitão-mor Antônio Gomes Leite na guerra defensiva que fazia contra os Guegués ou Gurgueias, conseguindo as pazes com os mesmos no ano seguinte e os aldear em número de 2.051, no lugar Guaribas, sendo sustentados com um lote diário de dez bois das fazendas daquele capitão.
Em 1745, com a ajuda desses indígenas aldeados e sob o comando do mesmo militar, faz nova entrada contra os indígenas no território de Goiás, desta feita contra a nação Akroá (Acoroás), de que morreram 32 indígenas e ficaram diversos feridos em um entrevero, resultando apenas 16 feridos e sem mortes de sua parte. Nessa oportunidade, conquistam e celebraram paz com oito mil indígenas, que aceitam a vassalagem e a catequização em suas próprias tabas. A falta de recursos inviabilizou a transferência para outro local.
Porém, em 1747, com a morte do capitão-mor Antônio Gomes Leite e a dura disciplina na catequese religiosa, os Guegués se rebelam, matando seu missionário e mais de sessenta pessoas no arraial e nas fazendas por onde passavam. Provocaram terror porque aprenderam a manusear e levaram consigo as armas de fogo do arraial, provocando rebeldia também nos Acoroás e Timbiras. Nessa conjuntura, o sargento-mor João do Rego Castelo Branco é reconhecido sucessor de Antônio Gomes Leite e nomeado cabo das tropas de combate aos indígenas rebelados. Para essa missão fora recomendado pelo ouvidor da Mocha, Mateus Pinheiro da Silva Botelho, que, em 6 de novembro do mencionado ano de 1747, informou ao rei ser ele “homem de reconhecida nobreza, capacidade e experiência, porque andara com seu comparente Antônio Gomes Leite em diversas bandeiras”(AHU. Piauí. Cx. 4. D. 285). Nessa missão, a primeira sob sua inteira responsabilidade, aos 28 anos de idade, mostra serviço a El Rei, atacando diversas malocas, matando uns e prendendo outros, não sem levar algumas flechadas, conforme declara em sua correspondência.
Novamente, no verão de 1751, o então sargento-mor João do Rego Castelo Branco parte em nova campanha contra os Guegués, que continuavam rebelados no sudoeste do Piauí. Levou por capelão da tropa frei José Antônio de Freitas. Nessa altura já ia se revelando como um militar que buscava resultados, partindo sem piedade contra o oponente. Passou a ferro malocas inteiras, aprisionando duzentos e trinta e tantos indígenas, depois de confrontos sangrentos, separando os mais renitentes, principalmente Timbiras, que foram condenados à escravidão e os demais ao aldeamento. Posteriormente, por ordem de El Rei, foram os indígenas escravos postos em liberdade. Foi, então, como resultado desta conquista, fundado no vale do rio Itapecuru, então termo de Aldeias Altas, hoje de Parnarama, no leste do Maranhão, o aldeamento de São Félix, sendo ele nomeado diretor do mesmo e nesse cargo permanecendo por oito anos, continuando o combate às tribos indígenas.
Como resultado dessa conquista e reconhecimento pelos serviços prestados, foi nomeado pelo governador e capitão-general do Maranhão por “capitão da conquista da guerra do gentio”. Nesse tempo o Piauí ainda estava anexado à Capitania do Maranhão.
Sobre essa conquista ainda disse o governador Gonçalo Pereira Lobato e Souza, do Maranhão:
“Pelo que alcancei neste cabo, parece-me que é homem de verdade e que enquanto andou na dita expedição observara o dito Regimento, e remetendo o conhecimento da conta da receita e despesa que nela fizera ao Desembargador Provedor da Fazenda desta Capitania; me informou este vocalmente, que não achara que fizesse, ou contivesse algum descaminho da Fazenda de V. Majestade”(AHU – Piauí – Cx. 5. D. 324).
Por esse tempo, se anima em pedir a El Rei o cobiçado hábito da Ordem de Cristo, declarando ser “pessoa das principais famílias do Maranhão, por ser descendente da casa dos condes de Pombeiro; que ele tem a honra de servir a V. Majestade naquele Estado voluntariamente; e levado do espírito dos que descende se resolveu a empreender a conquista do gentio; e sendo conhecido o zelo e valor com que executava todas as empresas foi chamado pelos governadores de V. Majestade para lhe encarregarem muitas, ocupando neste tempo todos os postos até o de cabo maior, em que mostrou a fidelidade de vassalo de V. Majestade, havendo-se em todos os combates em tal esforço, que em todas as ocasiões sem recear o perigo ficando em algumas delas ferido com setas, sempre teve bom sucesso, o que atribui à Onipotência Divina por ir com o sentido de fazer mais dilatados os Estados de V. Majestade e reduzir ao grêmio da Igreja maior número de católicos” (AHU. Piauí. Cx. 4. D. 312).
Embora situado em terreno fértil, por questão de policiamento e comércio foi o aldeamento de São Félix mudado para a fazenda Boa Vista, na freguesia de São Bento das Balsas, sudeste do Maranhão, de propriedade do capitão João do Rego Castelo Branco, em meado do ano de 1758. Essa decisão foi tomada em Termo de Junta realizado em 20 de junho do mencionado ano de 1758, no “lugar Trizidela, vulgarmente chamado Aldeias Altas”, com a presença do governador do Maranhão Gonçalo Pereira Lobato e Souza, que o convocou, dos ouvidores Manoel Cipriano da Silva Lobo, do Piauí, e Gaspar Álvares dos Reis, do Maranhão; dos capitães-mores Antônio Madeira Brandão, da vila da Mocha e Manoel Aires de Figueiredo, de Aldeias Altas, do capitão João do Rego Castelo Branco e outras autoridades.
Foi João do Rego Castelo Branco o artífice dessa mudança, tendo induzido as autoridades e doado a fazenda para implantar o aldeamento, tendo em vista ser local mais estratégico para defender as fazendas das ribeiras do Gurgueia e de Balsas, do ataque dos indígenas, que continuavam rebelados e reagindo às perseguições sofridas. Na oportunidade, se comprometeu a continuar dirigindo o aldeamento e à conquista do sertão, policiando desde a fazenda Cajazeiras, na freguesia do Gurgueia(Jerumenha), centro sul do Piauí, até a de Antônio Rabelo Bandeira, na freguesia de São Bento, no Maranhão. Também, visava essa mudança “fazer navegável o rio Itapecuru desde este lugar (das Aldeias Altas) para cima até a matriz de S. Bento das Balsas, em ordem a facilitar o comércio que atualmente lhe requereu os moradores da freguesia da Gurgueia, como também os índios situados junto à matriz de S. Bento” (AHU – Piauí – Cx 6. D. 387).
Todavia, em face de insatisfação com essa mudança e, provavelmente, fome, esses indígenas se levantam em fuga e desertam em outubro de 1759, embrenhando-se na mata, em rumo da freguesia de Pastos Bons. Contra eles, no ano seguinte, agora por ordem do primeiro governador do Piauí, João Pereira Caldas, parte novamente João do Rego Castelo Branco, trazendo-os à localidade depois de lutas e mortes(AHU – Piauí – Cx. 6. D. 387).
De fato, em 20 de setembro do referido ano de 1759, foi instalada a Capitania do Piauí, com a posse de seu primeiro governador, João Pereira Caldas, filho de Gonçalo Pereira Lobato e Souza, governador e capitão-general do Maranhão, já referido nestas notas. Então, indicado pelo pai, em princípio do ano de 1760, João Pereira Caldas encarrega o capitão João do Rego Castelo Branco de continuar perseguindo os indígenas de São Félix da Boa Vista e trazê-los de volta ao aldeamento, cuja missão é cumprida com êxito.
Satisfeito com o resultado da diligência o governador vai provê-lo na patente de tenente-coronel de cavalaria auxiliar e encarregá-lo de organizar e comandar o mesmo regimento. Era a mais alta patente entre os militares piauienses, sendo nomeado e sentando praça em 6 de dezembro de 1761, cujo ato foi confirmado por El Rei em 7 de outubro do ano seguinte(Arquivo Público do Piauí. Códice 162. P. 1v/30v). Todavia, o cargo não era remunerado com soldo, sendo-lhe dada em recompensa a administração de uma fazenda do Real Fisco, que fora confiscada aos jesuítas, como sucessores de Domingos Afonso Sertão. Sobre essa escolha disse o governador: “encontrei o homem certo para o lugar certo” – Mons. CHAVES.
Em face da guerra que se travava na Europa, de Portugal contra Castela e França, foi o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco designado pelo governador para guarnecer as barras do rio Parnaíba e do braço dele chamado Igarassu, por serem considerados lugares mais expostos a invasões. Por isso, mais dignos de vigilância. Desta forma, entre o mês de outubro de 1762 e junho de 1763, esteve comandando um competente corpo de tropa de cavalaria e de ordenança, de atalaia no litoral do Piauí, nas praias que ficam na ponta da ilha que jaz entre duas das sobreditas barras, com os olhos fixos no mar à espera do inimigo. Aí permaneceram por oito meses seguidos, alojados em barracas de palha por eles construídas, comendo carne de gado sequestrado das fazendas dos herdeiros de José de Abreu Bacelar e peixes e mariscos pescados no delta pela soldadesca. Felizmente, foi autorizado seu retorno a Oeiras, em face da paz celebrada entre os contendores, em fevereiro deste último ano, mas a eles só chegando a comunicação naquele mês. No regresso foi deixando alguns soldados em seus destacamentos de Parnaíba, Piracuruca e Campo Maior(Arquivo Público do Piauí. Códice 146. P. 84v/86. 117).
De retorno a Oeiras, não tem descanso o comandante João do Rego, logo reorganizando sua tropa para nova missão militar. Desta feita, seria o combate aos índios Guegués e Timbiras, no sul do Piauí e Maranhão, seus velhos conhecidos. Durante todo o restante do ano e princípio do seguinte foi ação principal do governo a requisição de indígenas e soldados, aquisição de armas e munições, assim como arrecadação dos mantimentos de boca. Então, em 7 de abril de 1764, parte à frente de seu comando para a vila de Jerumenha, onde o esperavam diversos soldados com alguns alqueires de farinha. Dali mandou uma parte da tropa, com mantimentos, armas e munições estabelecer arraial militar na boca do rio Uruçuí, conforme as instruções recebidas. E se dirigiu para Pastos Bons, no Maranhão, onde reuniria mais alguns soldados e os índios aliados do arraial de São Félix, que os esperavam. Entretanto, logo que saiu da vila de Jerumenha em busca da passagem do Parnaíba, donde atingiria Pastos Bons, entre este rio e o Gurgueia, teve o primeiro encontro com a nação Guegués, que no dia antecedente tinha atacado a casa e fazenda do vereador Antônio de Siqueira Barros, ferindo vários escravos. Então, depois de renhida peleja, sofre essa nação as primeiras baixas, refluindo, em seguida, para as terras dos Timbiras, onde João do Rego os alcança novamente, combatendo-os pela segunda vez e infligindo-lhes severas baixas. Resgata-lhes duas mulheres cristãs, cativas desta nação há mais de nove anos. Nessas duas pelejas se fizeram alguns prisioneiros, ficando diversos mortos na mata, para pasto das feras.
E por executar as instruções que levava do governador, se une em Pastos Bons à tropa do capitão José Nunes Maltez e prossegue a guerra contra a nação Timbira, nela empregando as forças militares com o desvelo de cinco meses, infligindo-lhes severas derrotas e grandes carnificinas, praticamente dizimando-a.
Sobre esse assunto é imprescindível o depoimento do historiador Odilon Nunes:
“Com os primeiros dias de agosto começam a chegar a Oeiras levas de prisioneiros que eram logo remetidos para S. Luís, ficando no Piauí apenas as crianças que eram distribuídas entre os moradores da capitania.
‘Antecedeu a todos o Ten. João Rodrigues Bezerra, com 143 presas combalidas de cansaço e fome, prestes e morrer, e João Pereira Caldas diria a João do Rego que foram os que unicamente escaparam do maior número com que V. M.ce o expediu.
‘Novos grupos chegam a Oeiras, desfalcados pela desídia e impiedade dos preadores. Ao todo, uns trezentos e cinquenta prisioneiros, excedendo de muito o número dos mortos. No primeiro recontro, aprisionaram 183 pessoas, e deixara-se quatrocentos mortos e feridos que ficaram no campo por aqueles matos” (NUNES, 1975: 114-115).
Insatisfeito com esses sucessos, de regresso em fins de outubro, ainda tenta continuar a guerra com os Guegués, fazendo-lhe algumas perseguições. Porém, o inverno que se avizinhava lhe atalhou os passos, deixando o inimigo assaz enfurecido(Arquivo Público do Piauí. Códice 146. P. 193-195; Códice 147. P. 15v-16v).
Na mesma ocasião, uma tropa que saiu de Parnaguá, com cem homens, cinquenta a menos que a de João do Rego, e sob o comando do capitão Manoel de Barros Rego, para bater as matas entre os rios Uruçuí e Balsas, nada conseguiu, sendo infrutífera a missão.
Novamente, em princípio do verão de 1765, o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco parte com sua tropa no cumprimento da luta e conquista dos Guegués, que, em represália ameaçavam a vila de Jerumenha. Depois de tomadas todas as medidas preparatórias, na segunda quinzena de maio está o tenente-coronel novamente no mato em busca dos indígenas. Apoiado no arraial ou presídio que fundara na foz do rio Uruçuí, onde hoje existe uma cidade de mesmo nome, sem muita demora trava contato com os Guegués na margem ocidental do rio Uruçuí, ainda no final de junho, aprisionando alguns deles. Logo mais, em 3 ou 4 de julho, contando com o auxílio do índio cristão do arraial de São Félix, Manoel de Matos, que era da mesma nação, conseguiu firmar paz com os Guegués, descendo com 434 deles, que chegam à vila de Jerumenha em 9 de outubro, logo mais alcançando Oeiras e fundando o arraial de São João de Sende, em 29 de novembro de 1765, nove léguas ao norte daquela cidade. Ainda hoje ali existe uma povoação de mesmo nome, no atual município de Tanque do Piauí, que recentemente foi desmembrado de Oeiras. Foi João do Rego Castelo Branco quem implantou o aldeamento, fazendo construir os edifícios necessários, a capela e os primeiros roçados, permanecendo como seu diretor, com pequeno interregno, até setembro de 1772, quando partiu para a conquista dos Acoroás. Foi sucedido na administração do lugar pelo filho Antônio do Rego Castelo Branco.
Em 1771, no governo de Gonçalo Lourenço Botelho de Castro(1769 – 1775) tem início a conquista dos índios Acoroás(Akroá). É novamente João do Rego Castelo Branco nomeado comandante da tropa de conquista. Devido às constantes queixas dos moradores do termo de Parnaguá, foi organizada nova campanha contra os mesmos, composta a tropa por 150 homens, entre esses diversos índios Jaicós e Guegués. Partiram de Oeiras no final do inverno, dirigindo-se pelo termo de Pastos Bons e vale do Balsas. Encontraram os Timbiras, aprisionando 124 deles e os enviando ao governador, escoltados por alguns soldados da tropa. Por não virem acorrentados como índios guerreiros desvencilham-se a caminho, fugindo cerca de vinte indígenas.
Mais tarde, em princípio de setembro, consegue surpreender e aprisionar uma maloca de 74 Acoroás, remetendo-os para Oeiras, pelo capitão Ignácio Paes Maciel. Continuando em sua marcha alcança o vale do rio Tocantins, onde novamente surpreende uma maloca da mesma nação, aprisionando 104 deles, em sua maioria mulheres e crianças, uma vez que os homens conseguiram fugir para as montanhas. Conta-se que foram surpreendidos ao romper do dia, ao tempo em que se achavam entretidos com a sua dança, e que era esta a única hora que tinham de divertimento. Então, vendo os homens que nação os conseguiram seguir, suas mulheres e filhos, combinaram descer seu cacique Bruenque que, enfim, após algum entendimento, aceitou a proposta de paz formulada por João do Rego. Consistia esta na imediata remessa para Oeiras de 97 índios, libertando-se 7 daqueles presos. E em razão do inverno que se avizinhava, no descimento para o mês de abril do ano seguinte, de outra aldeia vizinha e também do resto da gente que em diversas malocas ficou dispersa pelo mato, a fim de viverem na mesma Capitania estabelecidos.
Dessa forma, em princípio do verão de 1772, Bruenque, à frente de sua tribo, abandona as terras do Tocantins e é conduzido ao Piauí, satisfazendo o compromisso assumido. No mês de julho, nos subúrbios de Oeiras, arrancham-se 876 Acoroás. Logo mais chega o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco com mais 190 indígenas da mesma nação, totalizando 1237 Acoroás, acertando com o governador estabelecê-los numa mata do Poti, certamente onde hoje se localiza a cidade de Teresina. Porém, a caminho se enamora de uma mata nas cabeceiras do riacho do Mulato, ainda no termo de Oeiras, aí os estabelecendo em virtude de verificar a existência de seis léguas de terreno fértil. Era 26 de setembro de 1772, quando foi fundado o aldeamento de São Gonçalo de Amarante, hoje cidade de Regeneração. João do Rego, novamente implanta a estrutura mínima com construção de edifícios, capela e roçados iniciais, assumindo a direção do lugar.
Porém, em face da grande quantidade de bocas e escassez de alimentos começou a reinar a fome, pois foi escassa a ajuda do governo. Então, os indígenas abandonam o aldeamento em fuga na noite de 21 para 22 de janeiro de 1773, o que se repetiu na noite de 2 de abril. Buscavam suas antigas moradas. Contudo, sob o comando do diretor João do Rego grande foi a repressão e mortandade no combate às deserções. O velho militar permaneceu na aldeia castigando os que ficaram ou iam sendo remetidos pelos soldados. Entregou a campanha pelo sertão ao filho Félix do Rego Castelo Branco, em benefício de quem Botelho de Castro mais tarde pede favores elogiando-o. Depois dessa repressão restaram apenas cerca de 380 indígenas, tendo alguns conseguido fugir, porém, a maior parte sendo chacinada. Desde então, João do Rego Castelo Branco, já velho e cansado, com princípio de cegueira, permanece na missão de São Gonçalo, tocando as obras necessárias para sua implantação, à custa da Real Fazenda, inclusive o edifício da igreja. Em 1774, ainda orientou o filho Félix do Rego na infrutífera campanha de recaptura de alguns Acoroás desertores. Nesta campanha, mesmo indo até às margens do rio Tocantins, não encontrou as presas desejadas, mas aprisionou mais de 150 Timbiras, que foram enviados em sua maioria ao governador. João do Rego permanece na direção do aldeamento até o final de agosto de 1777, quando é interinamente substituído pelo filho Félix do Rego.
Com o afastamento do governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, que retornou ao reino, em 1º de janeiro de 1775, assume em seu lugar uma Junta Trina de Governo presidida pelo ouvidor-geral Antônio José de Moraes Durão, e tendo por membros o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco, portador da mais alta patente militar e o vereador mais velho do Senado da Câmara de Oeiras, capitão-mor Domingos Barreira de Macedo, este último sendo substituído no ano seguinte por José Esteves Falcão. Em face da amizade de João do Rego com o antigo governador, de que Durão era inimigo, logo começou a azedar a convivência dos membros no governo interino. Então, desde 11 de janeiro de 1776, João de Rego abandona o governo e se afasta para o lugar de São Gonçalo, onde também era diretor. À vista disso, em pouco tempo começa uma correspondência acre entre os dois, a despeito de assuntos corriqueiros.
Mesmo afastado dos trabalhos no governo interino, somente em 12 de junho de 1777, foi substituído pelo capitão de dragões Fernando José Velozo de Miranda e Souza, oficializando, assim, sua saída do governo do Piauí. Porém, com a morte do rei Dom José e queda do Marquês de Pombal, assim como injunções de João do Rego, o bacharel Antônio José de Moraes Durão é afastado do governo e preso em 3 de dezembro do mesmo ano. Estava, assim, restaurado o prestígio da família Rego Castelo Branco no Piauí.
Durante todo o restante de sua vida o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco ficou ligado a esses dois últimos aldeamentos indígenas. Em 1778, foi nomeado inspetor das duas aldeias, com autoridade superposta à dos diretores. Em 9 de julho de 1778, porque insistisse em extinguir o aldeamento de São João de Sende e levar os indígenas dali para São Gonçalo, fogem os mesmos, sendo trazidos de volta ao lugar. Ainda assim em dezembro do mesmo ano já estavam alguns homens da aldeia estabelecidos em São Gonçalo, dividindo-se, então, a aldeia dos Guegués.
Em 12 de setembro de 1779, João do Rego manda transferir à força todos os indígenas de São João de Sende para o aldeamento de São Gonçalo. Porém, no feriado do Natal daquele ano, entre cinquenta e sessenta indígenas retornaram sem consentimento ao seu antigo aldeamento. Foram então trazidos de volta, à força, por ordem do diretor João do Rego. Contudo, às margens do riacho do Bacuri, provavelmente o atual riacho do Jacaré, em 8 de janeiro de 1780, os indígenas conseguiram libertar-se de um libambo de couro ao qual vinham presos, embrenhando-se na mata. Perseguidos pelo ajudante Félix do Rego e seus soldados, são recapturados e quatro deles degolados, tendo as cabeças enfiadas em postes no centro da aldeia de São Gonçalo para terror dos demais indígenas. Tudo respaldado pelo tenente-coronel João do Rego Castelo Branco. O assunto foi objeto de devassa, sendo condenado João do Rego, seu filho e alguns auxiliares, tendo o primeiro assumido espontaneamente as responsabilidades. Posteriormente, foram perdoados por ato do general do Estado D. Antônio de Sales e Noronha e sentença do ouvidor do Maranhão, Julião Francisco Xavier da Silva Siqueira Monclaro(AHU. Cx.24. D. 1246).
Em 1779, mesmo completamente cego, João do Rego Castelo Branco, auxiliado pelo filho Antônio do Rego, ainda enfrenta penosa e infrutífera campanha contra os índios Pimenteiras, perlustrando as cabeceiras do rio Piauí. Como resultado desse esforço redigiu um interessante Diário.
O tenente-coronel João do Rego Castelo Branco, mesmo velho e cego, ainda retornou à administração do aldeamento de São Gonçalo em diversas oportunidades(de setembro a dezembro de 1777; pela terceira vez, de 18.8.1784 a 6.10.1788; quarta vez, de 4.6.1792 a 12.8.1793; e, finalmente, pelo quinto e último período, de 7.10.1795 a 1798, quando foi afastado pelo governado D. João de Amorim Pereira). Pode parecer estranho e contraditório, mas tinha o respeito e estima da maioria dos indígenas do lugar.
Faleceu no estado de viúvo, em sua residência, na cidade de Oeiras, vítima umas febres, às 11h da manhã de 7 de agosto de 1800, com 81 anos de idade, sendo assistido pelo padre Cosme Damião da Costa Medeiros, e o corpo sepultado na capela de N. Sra. do Rosário, da mesma cidade, do seu cruzeiro para dentro.
Segundo informação constante no Censo Descritivo do Piauí, realizado em 1762, João do Rego possuía cinco filhos, sendo dois varões e três varoas. Todavia, conseguimos localizar o nome de apenas quatro destes, a saber: 1. Ajudante Antônio do Rego Castelo Branco, foi casado com Ana Joaquina de Menezes e foram pais de um único filho, o capitão-mor João Nepomuceno de Castelo Branco; 2. Ajudante Félix do Rego Castelo Branco, casado com Joana Angélica de Menezes, irmã da precedente, esta ainda existindo em 1818, deles descendendo os Marreiros de Castelo Branco; 3. Ana Pulchéria do Monte Serrate Castelo Branco, que contraiu dois matrimônios, respectivamente, com seu primo Antônio José Leite Pereira de Castelo Branco e, depois, com o capitão Antônio Pereira da Silva(2.º casamento deste), com ilustrada descendência nos dois leitos; por fim, Joana Angélica Dorotéa Castelo Branco, casada com seu primo, o capitão Pedro Luiz de Abreu Bacelar, irmão do primeiro esposo de sua irmã.
A vida de João do Rego Castelo Branco foi muito densa e ocupa uma página interessante da história piauiense, merecendo estudo mais aprofundado. É bastante controverso, suscitando debates acalorados, sendo muito maltratado pelos historiadores piauienses. Cometeu excessos, é verdade, contudo agiu sempre a serviço do Estado, sendo quase sempre exaltado pelas autoridades e recebendo diversas homenagens em seu tempo. Paralelamente, foi um construtor de povoações e cidades, edificador de templos religiosos, devoto católico, organizador de forças armadas, defensor do território pátrio e, assim, detentor de larga folha de serviços prestados à coroa e a pátria. Infelizmente, executando a política de sua época, com alguns lamentáveis excessos, também escreveu uma página que melhor seria se não existisse. Ao público de hoje, com a maior isenção possível, está aí a revelação de uma densa trajetória de vida.
Que cada um faça o seu juízo de valor.
* A fotografia que ilustra a matéria foi tirada na década de cinquenta, sendo da Praça São Gonçalo, vendo-se o antigo mercado público, na cidade de Regeneração(PI), cujas raízes assentam no aldeamento indígena fundado pelo tenente-coronel João do rego castelo Branco, em 27.9.1772.
** Com alterações promovidas pelo autor para retificar os dados sobre a família paterna do biogradafo, com base em documentação inédita recém analisada.
(Excerto do livro ainda inédito: MIRANDA, Reginaldo. Piauienses notáveis. Teresina: APL, 2017).
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* REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Atual presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí. Contato: [email protected]