Jesualdo Cavalcanti, por Hugo Napoleão

         Jesualdo Cavalcanti: competência e criatividade

         [* Hugo Napoleão do Rêgo Neto]

      Conheci Jesualdo na campanha eleitoral municipal de 1976, no palanque de um comício em Bom Jesus ao qual se fazia presente o então governador Dirceu Mendes Arcoverde. Usava “slack” que, aliás, era o traje apreciado pelo ex-presidente Jânio Quadros. De lá para cá foram quase 43 anos de longas e frutíferas conversas.

      Vinha de anos de luta e corajosa atuação. Na política estudantil presidiu o Grêmio Lítero-Cultural Desembargador Arimatéia Tito do Liceu Piauiense, a União Piauiense dos Estudantes Secundários e o Centro de Estudos da Mocidade Idealista.

       Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Piauí e pós-graduado em Administração de Empresas e Direito Público, foi Vereador em Teresina e teve seu mandato cassado e feito prisioneiro durante o regime militar. E eu, que fui advogado de preso político nesse período, bem posso avaliar o quão sofrido terá sido o impacto. Mas não se dobrou. Adotou o lema latino: “flectiri no flectari”. “Eu me curvo, mas não me dobro”.
 
      Prosseguiu sua jornada. Constituiu um escritório de consultoria e planejamento e participou dos trabalhos da seccional piauiense da Ordem dos Advogados do Brasil como seu Conselheiro. 
 
        Na década de 70, ele e eu passamos a integrar a Arena – Aliança Renovadora Nacional. Não pelo fato dos adversários estarem alojados no MDB – Movimento Democrático Brasileiro, mas em função de havermos considerado tratar-se de uma trincheira mais adequada para defendermos o retorno ao estado de direito. Postulávamos o fim dos Atos Institucionais e Complementares, a revogação da Lei de Segurança Nacional, a extinção do banimento, da prisão perpétua e da pena de morte.
 
         Éramos os liberais na Arena, diria eu. Posteriormente veio a ser criado, na Câmara dos Deputados, o “Grupo Renovador”. O decano era Teódulo de Albuquerque, da Bahia,Marco Maciel, Joaquim Coutinho e Ricardo Fiuza de Pernambuco, Antonio Mariz da Paraíba, Henrique Córdova de Santa Catarina, Norton Macedo do Paraná e eu do Piauí, dentre outros.
 
        De 1975 a 1978 foi secretário substituto de Indústria e Comércio. Quando cheguei ao governo em 1983 o convidei para titular da Secretaria de Cultura à qual foram aduzidas as funções Desportos e Turismo. A esta altura já era um combativo e eficiente deputado estadual. Exerceu igualmente as funções de presidente da Fundação Cultural. Conduziu a Secretaria com brilhantismo. Instalou espaços culturais e criou o Projeto Petrônio Portella fazendo editar obras da maiorimportância para a nossa história. Pela rede Rimo, fez “chover” hotéis pelo estado.
 
        No governo, eu quis construir uma nova sede para a Assembleia Legislativa do Piauí. Ele deu-me a ideia de permutar um piso inacabado de uma biblioteca estadual, às margens do Rio Poty, pelo velho prédio do Poder Legislativo que passou a abrigar a Secretaria. E lá está o imponente Palácio Petrônio Portella, com o memorial, guarnecido de fotos e condecorações doadas por D. Iracema Freitas Portella e de vasta coleção de jornais e artigos sobre sua vida. Instou-me, igualmente, a adquirir uma bela casa na Avenida Miguel Rosa para instalar a nova sede da Academia  Piauiense de Letras. Na sua Corrente – e como homenagem - instalei o governo do Piauí por três dias, em cerimônia na Praça Elizeu Cavalcante, onde existe a Igreja Matriz da Padroeira, Nossa Senhora da Conceição. Lá, além do hotel, conveniamos a
Casa da Cultura e o Estádio Jesy Lemos Paraguassú.
 
         Encerrado o governo, Jesualdo “costurou” minha ida para a APL, sob a batuta do saudoso professor A. Tito Filho, seu presidente. A propósito, guardo e consulto até hoje volumosa edição do Dicionário de Política que me ofertou de presente.
 
      Quando ele estava na Câmara e eu no Senado, participamos da delegação brasileira ao fórum Liberalismo na América Latina em Assunção, no Paraguai. Compúnhamos a delegação brasileira ao lado dos professores José Eduardo Farias da USP e Leôncio Martins Rodrigues Neto, da UNICAMP. Lá, proferi palestra que teve sua profícua colaboração. Eu estava com a Lêda e ele acompanhado de sua inseparável companheira, D. Socorro que, anos depois, me deu a honra de ser exímia Reitora da UESPI no meu segundo governo. Tiveram três filhos, Marina, Juíza Federal, Juliana, médica, e Jesualdo Filho, assessor do TCU, que faleceu prematuramente, causando incomensurável dor aos seus pais.
 
     Depois presidiu, com firmeza e equilíbrio, a Assembleia Legislativa. Nomeado conselheiro, foi presidente do Tribunal de Contas por duas vezes, dando-lhe modernidade, dinamismo e ajustes no modo de julgar assim como edificando nova e majestosa sede.
 
        Jesualdo Cavalcanti também fundou o Centro de Estudos e Debates do Gurguéia (Cedag) ao qual me filiei. Visava aprofundar os estudos para a criação do novo estado. Publicou Notícia do Gurguéia, Memória dos Confins, Sertões de Bacharéis e Tempo de Contar - o que vi e sofri nos idos de 1964. E chegou triunfalmente à Academia, contando com o meu decidido apoio
.
       Impossível omitir o chamamento que teve da sua Corrente para ser prefeito, coroando a laboriosa vida pública. Trata-se, aliás, de uma das mais férteis terras do Brasil em termos culturais. Talvez em função da aguerrida disputa e da contribuição de católicos e protestantes, consubstanciados no Colégio São José e no Instituto Batista Correntino e -porque não dizer- nas correntes políticas vinculadas às fazendas dos Macacos e Betel, o que me faz recordar Chimangos e Maragatos do Rio Grande do Sul. Na campanha ele, de certo modo, diluiu as divergências. Sua gestão foi realizadora e modernizante.
 
       Já hospitalizado, conversamos pelo whatsapp nos dias 7, 9 e 11 de fevereiro. Mandei-lhe uma cópia da capa do disco da campanha para governador em 1982, o prefácio de um dicionário de português publicado quando fui ministro e uma nota sobre a “costura” da minha eleição para a APL constante do meu livro que está noprelo (Eu fui advogado de JK) e Jesualdo me enviou fotos de uma comissão de acadêmicos que fora colher o seu voto na última eleição com as seguintes palavras:
 
        -Bons tempos aqueles! Muito obrigado pelo apoio. Sempre!
 
        Ao que respondi:
 
        -Que Deus te acompanhe e agasalhe!
 
        Brasília, 23 de fevereiro de 2019
 
        * Hugo Napoleão do Rêgo Neto é ex-governador do Piauí, ex-deputado Federal, ex-senador, ex-ministro, advogado e membro da Academia Piauiense de Letras.
 
      Leia no Portal Cidade Verde emocionante texto do jornalista e escritor, membro da APL,  Zózimo Tavares, em homenagem  à memória de Jesualdo Cavalcanti.