Por M. T. Piacentini

--- Ministro treinamentos e venho, há algum tempo, alertando meus alunos a não utilizarem com tanta frequência a expressão a gente, apesar de ser abusivamente utilizada pelos meios de comunicação, jornalistas e apresentadores. Exemplo: A gente se vê amanhã. / A gente tem envidado esforços para diminuir a violência. / A gente acha que está certo. No Aurélio lê-se: “quantidade maior ou menor de pessoas indeterminadas”. É incorreto usar o termo? Se positivo, qual argumentação posso utilizar? Roseana, Joinville/SC


--- Gostaria de informação onde empregar corretamente: a gente vai..., a gente vamos... Karla Salvador, São Paulo/SP


--- No Brasil se usa a expressão A GENTE todo o tempo. Queria saber como fica a questão do adjetivo depois de a gente. A frase “A gente fica cansada com tanta pergunta!” estaria correta mesmo se o sujeito fosse um homem? O que se ouve dos homens é “A gente fica cansado...”
Mônica K. Sant’Anna, São Paulo/SP


Usar “a gente” como variante de “nós” é de fato muito comum em nosso País. Trata-se da expressão comunicativa de um “eu ampliado” [eu + você(s), eu + ele/ela(s), eu + todos], classificado como “pronome pessoal” pelos gramáticos Celso Luft e Napoleão Mendes de Almeida; outros o consideram um pronome de tratamento ou indefinido. Nesse ponto pode não haver concordância, todavia é senso comum que o uso de “a gente” deve ser evitado na linguagem formal (ensaios, discursos, teses, dissertações etc.) e abolido de todo na linguagem técnica (uma lei, por exemplo).


Quando for usado coloquialmente, deve-se atentar para sua concordância:


1) o adjetivo concorda com a pessoa que fala:
- a gente fica aborrecida e está cansada de ouvir isso (mulher falando)
- a gente fica aborrecido e está cansado de ouvir isso (homem falando)

2) o verbo fica sempre no singular:
- a gente vai (e não “a gente vamos”), a gente sabe, a gente se interessa, a gente entende...


No entanto, admite-se o verbo na 1ª pessoa do plural quando ele vem na sequência mas distante da palavra “gente”, exatamente pela pluralidade que o falante deseja transmitir: “A gente conversou com o diretor, porém acabamos não pedindo nada, ficamos a ver navios”.


Na era Lula da Silva esse emprego tem se disseminado, já que em seus muitos improvisos o Presidente usa intensivamente a forma “a gente”, por sinal detectada também nos falantes de maior escolaridade.


Vários linguistas têm se ocupado da alternância das formas nós e a gente no português brasileiro. Foi com pessoas de formação universitária completa nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre que a professora Célia Regina dos Santos Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizou pesquisa intitulada “Nós e A Gente no Português Falado Culto do Brasil”. Eis algumas de suas observações e conclusões:


#     Há uma diferenciação no emprego de nós e a gente em relação a um uso mais restrito ou mais genérico. Houve maior favorecimento da forma nós nas situações em que o falante expressa sua opinião pessoal. Ao utilizar a gente, o falante se descompromete com o seu discurso, comentando assuntos gerais e não particulares. Na referência a um grupo grande de pessoas, indeterminado e difuso, prefere-se a gente.


#     Os falantes jovens empregam mais a gente e os falantes idosos, a forma nós. Os adultos com formação universitária completa estão utilizando as duas formas.


#     As mulheres tendem a usar mais a forma a gente do que os homens, e são elas que, “através da escola básica e da família, conduzem os membros da sociedade aos primeiros contatos com a linguagem, iniciando o processo de mudança linguística”.