Até onde nos levará a Informática?

(Miguel Carqueija)
                                        



    Foi de forma intempestiva que Rodolfo da Câmara apareceu na cobertura do Dr. Francis Olinda Spruce, em Petrópolis. Vinha esbaforido e apavorado, molhado pelo ruço. Francis estava com a esposa e os filhos, e Rodolfo, portando a sua valise estufada, não escondia a sua agitação:
— Desculpem por aparecer assim sem nem avisar, mas é que... preciso de você, Francis. O meu imposto de renda... tenho que completá-lo, estou totalmente perdido, não sei mais o que fazer...
— Mas Rodolfo, imposto de renda é a coisa mais fácil que existe...
— Isso para você. Todo ano você faz para mim... essa maldita hiena! Só que esse ano você resolveu tirar férias agora!
— Bem — disse Gina — pudemos juntar as férias dele e as minhas...
— Eu não quero demorar nem incomodar... eu trouxe tudo... vim voado do Rio de Janeiro...
— Aliás nós estávamos acompanhando as notícias da evacuação do litoral... veja como o ser humano é imprevidente, sabíamos que o degelo dos pólos ia dar nisso...
— Eu moro na Tijuca, acho que até lá o mar não chega...
— Bom — disse Francis, com um suspiro de resignação. — É melhor a gente ir no escritório.
Pediu licença à família e conduziu Rodolfo até o gabinete que mantinha naquele apartamento de férias e feriadões.
— Se quiser tomar alguma coisa, eu tenho aqui...
— Obrigado, só vou beber água. Só quero mesmo é dar solução a isso...
Francis serviu uma água gelada e ligou o multimídia, que imediatamente cumprimentou-o e ao visitante. Rodolfo olhou meio incomodado para a máquina.
— Bom — Francis pegou o celular flutuante e acomodou-o em sua almofada sobre uma escrivaninha — espalhe aí a sua documentação.
Rodolfo colocou tudo o que tinha, desde o holoquete até a relação de bens móveis e imóveis, declaráveis.
— O que me apavora — explicou — é que pelos meus cálculos vou ter que pagar mais de 3000 getúlios de imposto! Vou ficar “liso” dessa vez!
— Não seja estulto, homem. Você esqueceu uma porção de coisas.
O celular tocou musicalmente e, como Francis não atendesse de imediato, reclamou:
— Vamos, chefe! Pode ser urgente!
— Está bem...
Ele atendeu e era um cliente, desejoso de mover uma ação:
— Então foi mordido por um cachorro? Sim, você pode acionar, mas... tomou a vacina anti-rábica? O que? Ah, o cachorro é um robô? Bem, de qualquer forma o dono pode ser processado, sim. Olha, vou transferir para a Gina e ela marca uma hora no meu escritório... é que agora estou meio ocupado.
Desligou e voltou-se para o Rodolfo:
— Como eu dizia você esqueceu de incluir os sensientes na declaração!
— Mas... mas eu... você sabe, ainda não instalei os programas de sensiência...
— O que! Não acredito! Seu multimídia, pelo menos...
— Não é... eu fico com medo...
— Homem, quantos aparelhos paraeletrônicos você tem em sua casa?
— Deixa eu ver... a lavadora... o fogão... a geladeira... o aspirador-enceradeira...
— E nenhum deles fala?
— Não, nenhum... ah, e tem o aquecedor e o ar condicionado, e a torradeira...
— Só aí nós temos oito dependentes para você abater na sua declaração! E como são 400 getúlios por dependente, só aí você anula o seu pagamento e ainda vai ter devolução! Vamos colocar tudo isso!
— Mas e se a malha fina me pegar?
— Rodolfo, parece até que você está com “delirium-tremem”. Larga de ser medroso! Você não tem os programas?
— Tenho, mas não instalei... tenho medo dessas coisas...
— Medo de que, pílulas?
— Medo de que me dominem... me dêem ordens... sabe como é, já visitei residências que têm sensientes e vi coisas como o fogão berrando para os donos: “Quero fazer pratos melhores! Cadê aquele livro de receitas? Estou farto de cozinhar essas porcarias todo dia!”
— É só você ser mais homem que os seus servos mecânicos. Suponho que vai ser meio difícil, mas tente pelo menos. Bem, eu vou mandar brasa. A Receita não vai saber que a sensiência dos aparelhos não foi instalada, mas trate de fazer isso o quanto antes. Sabe como é, às vezes eles dão uma incerta...
— Ai, meu Deus — choramingou Rodolfo. Mas aceitou.
Depois que ele saiu o micro multimídia do Francis começou a rir às gargalhadas.
— Qual é a graça, eu posso saber?
— E ainda pergunta? Esse seu amigo é muito engraçado! Eu estava me contendo para não rir dele...
— Bom. Ele é meio bobo, mesmo. Esperto sou eu que instalei trinta e seis máquinas sensientes para deduzir no imposto e não ligo nem a quarta parte...