[Bráulio Tavares]


Imagine o leitor um mundo muito diferente do nosso, um mundo sem Natureza, sem ar livre, sem espaços abertos. Um mundo onde todo mundo vive trancado em apartamentos que são como caixas de onde nunca se pode sair. Um mundo irreal, claro (nenhum mundo realista se sustentaria dessa forma – de onde vem a comida, por exemplo?). Mas um mundo que, para efeitos de ficção pode ser imaginado por um autor e visualizado por um leitor. Só que neste caso há uma diferença essencial. Imagine que uma família de tamanho equivalente ao nosso vive ali, num espaço cúbico muito parecido com um palco de teatro. Nesse espaço cúbico eles comem, dormem, etc. O espaço tem paredes, chão, teto, tudo normal, com duas exceções.

A primeira exceção é que a parede dos fundos é dividida em cem pequenos cubículos, dispostos em dez fileiras horizontais e dez colunas verticais. Cada um desses cubículos é um espaço idêntico (só que em tamanho muitíssimo menor) ao espaço onde vive a família. E em cada um deles vive uma familiazinha diferente. São familiazinhas minúsculas, liliputianas, que estão ali tocando seu dia a dia, enquanto que na sala grande a “nossa” família, proporcionalmente gigantesca em relação a elas, acompanha na parede dos fundos de seu espaço esses 100 pequeninos palcos onde acontecem cem historiazinhas diferentes.

E a segunda exceção diz respeito à parede oposta. Porque quando nossa família, de tamanho normal, se vira para o lado oposto à parede dos fundos, quando ela se vira para o que seria em termos teatrais a “quarta parede”, a parede invisível que separa palco e platéia, ela vê um gigantesco espaço cúbico onde mora uma família de gigantes, num espaço parecidíssimo com o dela própria. E, se conseguisse espiar de lado, essa família de tamanho normal veria que sua casa não passa de um entre cem cubículos de tamanho normal, lado a lado, formando a parede dos fundos da casa do gigante! (O qual por sua vez, etc. etc.)

Esse universo foi imaginado por Marc Laidlaw, que já teve pelo menos um livro (com outra temática) traduzido no Brasil (“A Usina Nuclear de Papai”). A idéia de Laidlaw tem a mesma ousadia dos universos de paradoxos espaciais construídos por M. C. Escher em suas gravuras cheia de jogos geométricos e de perspectiva. A ficção científica usa idéias assim, capazes de virar a nossa cabeça no esforço de entendê-las. Acha difícil visualizar esse mundo que descrevi? Eu também achei quando, sem aviso nenhum, comecei a ler um desses contos e tive de deduzir por conta própria o formato do mundo surrealista em que aquele pessoal vivia. (O conto se chamava “Middleman’s Rent”, na revista Fantasy & Science Fiction). A vantagem é que depois que a nossa mente assimila conceitos desse tipo, nunca mais fica pequena de novo. A ficção científica é uma literatura de aventuras, sim, mas de aventuras mentais, onde a nossa mente se arrisca em espaços e conceitos nunca antes imaginados