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[Bráulio Tavares]

Veio parar nas minhas mãos um livro de José Lins do Rêgo que eu nunca tinha lido: Histórias da Velha Totônia (1936), uma coletânea de histórias de Trancoso que Zé Lins diz ter escutado, quando era menino, dessa velhinha que andava de engenho em engenho, contando suas histórias.  A 21a. edição de José Olympio é de 2010; como o livro é curtinho, sobre espaço para vários textos explicativos e para as ótimas ilustrações de Tomás Santa Rosa, da edição original.

Esse livro parece ter sido o inspirador de outro publicado no ano seguinte: Histórias de Tia Nastácia de Monteiro Lobato, muito mais conhecido, até porque Lobato tem um público infantil historicamente estabelecido, ao contrário de Zé Lins.  Presumir influências é sempre arriscado – pode ser que Zé Lins tenha ouvido falar que Lobato estava preparando um livro de histórias de Trancoso e resolveu adiantar-se, lançando primeiro o seu.  Em todo caso, o de Zé Lins tem apenas quatro histórias, contra 43 do livro de Lobato. (E há duas em comum: “O Sargento Verde” e “O príncipe pequeno”/”O homem pequeno”).

Comparando as histórias vê-se que Monteiro Lobato reproduz o conto da maneira mais despojada possível, mas Zé Lins (talvez por dispor de menos material) capricha no enchimento. O que em Lobato se resolve com “Um dia apareceu um moço, também muito lindo, querendo casar com ela”, dá a Zé Lins assunto para uma página inteira (em “O Sargento Verde”).  O autor literário, em geral, quando pega esse tipo de narrativa aumenta os diálogos, as descrições, etc. – aumenta somente o material acessório, até por um certo pudor de mexer no esqueleto, na estrutura narrativa.

No seu livro, Zé Lins se queixa se que “as velhas Totônias estão desaparecendo”.  O livro é de quase 80 anos atrás, e como o Nordeste ainda é cheio, hoje, de velhinhas contando histórias, podemos imaginar que no momento exato em que Zé Lins escrevia havia algumas Totônias (ou Nastácias) nascendo por toda parte.  A maior contadora-de-histórias paraibana, Luzia Tereza (1909-1983) tinha 27 anos quando o livro dele saiu, e certamente ainda não tinha aprendido a maior parte do repertório que a tornaria famosa.

O número dessas pessoas tende a diminuir, mas mesmo que diminua é possível fazer com que elas não desapareçam. Não se trata apenas de amparar e documentar as velhinhas que passam adiante as histórias da memória oral.  Mas fazer com que elas não falem só para os pesquisadores e os gravadores – falem para as meninas e meninos de hoje, as mocinhas e os rapazinhos de hoje.  Alguns deles, quem sabe, estarão daqui a 70 anos recontando a histórias de Luzia Teresa, de Tia Nastácia e da velha Totônia.