Herberto Sales sem retoques nem berloques

[José Carlos Zamboni]

Diferente dos neo-arcádicos contemporâneos que, saturados da cidade grande, procuravam ambientes mais bucólicos para viver e escrever, Herberto Sales (1917-1998) era genuinamente de lá, da roça, do “ambiente bucólico”, e de lá talvez nem tivesse saído, não fosse a insistência de alguns amigos, sobretudo Marques Rebelo.

De família abastada, com biblioteca em casa (o pai e o irmão Fernando gostavam de ler), foi no entanto leitor irregular na adolescência e na juventude. Inicialmente atraído pela vida boêmia, sobretudo no período de estudante em Salvador, perto dos vinte anos voltou a Andaraí e se deixou absorver inteiramente pela vida prática: abriu venda, foi negociante de carnes, explorou madeira e garimpo, convivendo com garimpeiros e madeireiros, soldados e jagunços, fazendeiros e comerciantes.

Nada disso deu certo. O malogro da vida prática fez com que Herberto se isolasse, numa fazenda, para tentar escrever o primeiro romance, sobre a experiência com madeireiros. Insatisfeito, porém, com o resultado, destruiu os poucos capítulos escritos do que teria sido o embrião de Além dos marimbus, seu segundo romance, retomado mais tarde e só publicado vinte anos depois, quando já morava no Rio de Janeiro.

Aos vinte e dois anos, ainda no Andaraí, a família arranjou-lhe um cartório de imóveis, que funcionava no térreo do “sobradão de vinte janelas” dos Sales. Além de oficial de cartório, também ajudava na farmácia paterna. Com a vida mais sedentária, passou a ler regularmente; comprava livros por reembolso e já formava a própria biblioteca, ao mesmo tempo que se correspondia com jovens escritores de Salvador, como Afrânio Coutinho e Jorge Amado, mais ou menos conhecidos da época de estudante na capital.

Foi quando começou a escrever a primeira e “torrencial” (o adjetivo é do próprio Herberto) versão de Cascalho, terminada três anos depois, em 1942, beirando as oitocentas páginas. Esse romance daria assunto para um outro romance — o romance do próprio romance —, tantos foram os episódios que antecederam e se seguiram à primeira edição: desclassificação em concurso, destruição dos originais, recuperação da cópia enviada ao concurso, leitura casual que dela fez Marques Rebelo e, devido a isso, o início de uma das mais brilhantes carreiras literárias da segunda metade do século XX, no Brasil.

Do ponto de vista estilístico, é possível distinguir três momentos no caminho percorrido pelo escritor. O primeiro durou pouco e se limitou às duas versão iniciais de Cascalho: a de quase oitocentas páginas, mandadas a um concurso latino-americano de romances, e a que foi publicada em 1944, com cerca de duzentas páginas a menos, cortadas por Marques Rebelo. Nesse período, Herberto escrevia sem maiores preocupações formais, à maneira de alguns romancistas nordestinos da década anterior.

A fase seguinte, “flaubertiana”, marcada pela reescrita obsessiva e a procura da perfeição artística, se inicia com a terceira versão de Cascalho, publicada em 1951, totalmente reescrita e reduzida quase pela metade em relação à edição de 1944, então repudiada. Seguiram-se Além dos marimbus (1961), Dados biográficos do finado Marcelino (1965), O fruto do vosso ventre (1976), Einstein, o minigênio (1983), Os pareceres do tempo (1984) e A porta de chifre (1986).

São dessa fase os quatro livros de contos, que fazem de Herberto Sales um dos mais bem realizados praticantes do gênero entre nós: Histórias ordinárias (1966); Uma telha de menos (1970); O lobisomem e outros contos folclóricos (1970) e Armado cavaleiro o audaz motoqueiro (1980), que ainda estão esperando a hora e a vez de se reunirem num só e grosso volume.

Por fim, há um terceiro momento na trajetória do escritor. Nos últimos dez anos de vida, inesperadamente, ele retrocedia temática e estilisticamente ao começo da carreira, quando ainda não existia a perseguição da forma absoluta. Herberto Sales escreveu e publicou, então, quatro romances “torrenciais”: Na relva da tua lembrança (1988), Rio dos morcegos (1993), Rebanho do ódio (1995) e A prostituta (1996).

As memórias seguem paralelas aos últimos romances, formando com eles uma unidade estilística. São elas: Subsidiário, de 1988, Andanças por umas lembranças (Subsidiário II) de 1990, e Eu de mim com cada um de mim (Subsidiário III) de 1992.

Quanto à literatura infantil, Herberto nela entrou casualmente, com O sobradinho dos pardais, em 1969, e nela continuou mais pelo sucesso que obteve, do que por entusiasmo com o gênero, como deixou bem claro nas memórias.

Algo que de pronto chama a atenção nesse invejável currículo de escritor é a variedade temática de sua obra ficcional. Mal esperou ser catalogado como regionalista, e já escapava da camisa de força do rótulo, provando que também sabia mergulhar proustianamente no tempo redescoberto da adolescência. Depois do presente regional e do passado subjetivo, o escritor universalizava-se, ora rumando para o futuro da espécie, ora retrocedendo à “pré-história” do Brasil. A última fase, se não trazia nada de novo, ampliava as províncias temáticas já existentes em sua obra, da inadaptação ao presente à necessidade de voltar ao passado andaraiense.

Escritor reconhecido pela melhor crítica e bem traduzido no exterior, era um homem sempre insatisfeito consigo mesmo e com o trabalho literário. Se não houvesse mais nenhuma razão especial para ler seus contos e romances, ainda assim seria leitura obrigatória para os que gostam do português bem escrito.

Homem inteligente, reconheceu de cara a importância da História da literatura ocidental, de Otto Maria Carpeaux, e a lançou quando era diretor das Edições O Cruzeiro, pelo que o Brasil lhe será sempre grato. Bastaria para justificar os dez anos em que esteve à frente do Instituto Nacional do Livro, nomeado em 1974 pelo presidente Geisel e mantido até o final do governo Figueiredo. José Sarney também soube aproveitá-lo: primeiro como assessor da presidência, depois como adido cultural à embaixada brasileira em Paris. Prova suficiente de que a direita entendia muito mais de cultura do que a esquerda seguinte.

Felizmente para nós, há outras razões para continuar a ler Herberto Sales. Há escritores que sabem contar uma história, mas não sabem escrever. Há os que sabem escrever, mas não são bons contadores de história. E, em número bem menor, há os que sabem escrever e sabem contar uma historia.

Herberto Sales, durante a maior parte do jogo, atuou pelo terceiro time.

Foi boa medida começar-se a republicação da obra de Herberto Sales com este Subsidiário, que contribui como nenhum outro documento para compor a imagem espiritual do escritor baiano. Trata-se, entre outras coisas, de um longo auto-retrato, redigido entre 1986 e 1990 “sous le ciel de Paris”, para onde o presidente José Sarney o tinha mandado como adido cultural da embaixada brasileira.

Mescla de livro de memórias com diário íntimo, Subsidiário é uma boa salada mista com reflexões aforísticas sobre temas gerais, balanços de amizades, o dia-a-dia parisiense em contraponto com fatos pessoais do passado mais remoto, revelações sobre a pré-história dos seus romances, sua repercussão crítica, traduções no exterior, além de uma série pouco complacente de auto-retratos.

Tem estrutura circular, como certos romances. Começa onde acaba, com a mesma palavra partida ao meio: a primeira metade na última página e as duas últimas sílabas no início do livro. Não se trata de mero artifício tipográfico, mas reiteração, no plano da sua estrutura geral, da concepção de tempo que preside a obra, na qual fatos distantes no calendário se emparelham no simultaneísmo atemporal da lembrança.

Além disso, Subsidiário anunciava também uma espécie de retorno, não apenas memorialístico, ao começo de tudo — à concepção estilística da primeira fase do escritor, quando escreveu a primeira versão do seu primeiro romance, Cascalho, desclassificado em concurso literário e que, depois de muitos cortes feitos por Marques Rebelo, foi publicado em 1944, alinhando-se estrutural e tematicamente ao romance nordestino da década anterior. O artifício da circularidade, como se vê, justifica-se plenamente, sugerido por fatores de natureza existencial.

Herberto Sales, que foi na juventude explorador de diamantes no interior da Bahia, sabia que a pedra preciosa só aparece depois de muito minério tirado da terra. Um belo dia, decidiu fazer o mesmo com sua prosa, deixando de ser o escritor “espontâneo” e telúrico do primeiro Cascalho, para ingressar na categoria psiquiátrica dos neuróticos obsessivos, que nós, da literatura, preferimos com mais felicidade chamar de flaubertianos.

Um trecho de Subsidiário conta a visita que Herberto fez a Rouen, cidade de Flaubert, em cuja Biblioteca Municipal teve acesso a várias pastas com os originais de Madame Bovary. “Fiquei impressionado”, contou Herberto, “foi très émouvant. Quando vi as páginas tão trabalhadas e retrabalhadas de Flaubert, cheia de riscos e rabiscos, floresta escrita da mais prima das obras-primas, fiquei mais convencido do que nunca de que o estilo é como o barro do oleiro.”

Embora sem a menor vocação para joalheiro parnasiano, não houve, na literatura brasileira contemporânea, quem mais tenha rimado lavra com palavra. Ninguém esburacou tanto o chão da linguagem escrita, em busca das melhores gemas. Ninguém lapidou tanto, nem poliu.

Uma dos aspectos mais interessantes deste Subsidiário são as dezenas de páginas dedicadas ao convívio com Marques Rebelo, reveladoras da grande influência que o romancista consagrado exerceu sobre o jovem escritor.

De certo modo, foi pelas mãos virgilianas do “amigo da onça” Marques Rebelo que Herberto foi conduzido ao inferno da reescrita obsessiva. Quando conheceu pessoalmente o contista carioca, era ainda o jovem e verborrágico autor da primeira versão de Cascalho, mais preocupado com a extração de outros diamantes. Bastou, porém, um contato mais próximo com um flaubertiano, para o vírus saltar de uma alma para outra.

Rebelo conheceu relativo sucesso, depois do que escreveu na década de trinta. Mas enquanto o público consumidor de romances preferia Jorge Amado, José Lins do Rego, Raquel de Queirós, Lúcio Cardoso, Octavio de Faria, Érico Veríssimo, era Rebelo lido e admirado, de preferência, pelos candidatos a escritor daquele período. Era ídolo literário da geração dos Fausto Cunha, Otto Lara Resende, Antonio Bulhões, Aguinaldo Silva, Salim Miguel, Murilo Rubião, Fernando Sabino (segundo este, Rebelo “era visto sempre cercado de jovens escritores nos cafés, nas livrarias, nas ruas. Sua maledicência nos deixava boquiabertos”). São apenas alguns dos que, declaradamente, se beneficiaram de sua amizade e influência.

Herberto, no entanto, tinha personalidade, e por isso voz própria. Surpreendentemente, para quem estava acostumado com os diamantes da prosa bem catada do reescritor Herberto Sales — Além dos marimbus e Dados biográficos do finado Marcelino já nasceram clássicos — , Subsidiário engatava marcha à ré e voltava ao cascalho bruto: as primeiras notas já começavam com veemente defesa da espontaneidade estilística. “Nada de retoques nem berloques”, avisava o escritor logo de início. 

Essa explosão final não foi, evidentemente, simples retrocesso nostálgico ao romance de trinta, mas também, e sobretudo, reação à crise contemporânea do romance, em particular, e da literatura, em geral, para cuja percepção a permanência em Paris parece ter contribuído muito, marcando de maneira inquestionável a sua fase final. De lá, mandou-se direto para São Pedro da Aldeia, pequena cidade do litoral fluminense, onde ficou até a morte, quase uma década depois. Foi ali que escreveu seus diários e os últimos romances “sem retoques nem berloques”: Rio dos Morcegos (1993); As boas más companhias (1995); Rebanho do ódio (1995); e A prostituta (1996).

Era, também, uma atitude cristã, de humildade quase paulina. Como são Paulo, que se vangloriava da humilhação, Herberto fez questão de desvestir aquela roupa cheia de diamantes, que tinha sido a sua obra anterior, e se expôs em público, com a mendiga nudez do rascunho literário, para uma agostiniana confissão da sua frágil condição humana, sujeita sobretudo à vaidade, pois não são poucos os momentos em que defende, no Subsidiário, suas crias literárias da crítica que considerava injusta. Mas se nem o apóstolo Paulo escapou do auto-elogio...

Estamos, contudo, tão impregnados de Freud, que a reviravolta estilística de Herberto, no final da vida, nos parece mais convincente enquanto vingancinha edipiana dirigida contra Rebelo...

Admitamos que o fato de outros terem escrito no passado seja um excelente estímulo para movimentar a máquina criadora dos escritores vivos (um fator, digamos, freudiano da literatura, que Harold Bloom sintetizou na conhecida fórmula “ansiedade da influência”). Não é menos estimulante, também, nem menos geradora de apreensão, a competição interpares ocorrida no próprio presente, que seria o fator darwiniano da realização artística. Ou a própria expectativa narcísica de reconhecimento público, tão estimulante como as duas molas anteriores.

No entanto, nenhuma dessas esporas fere mais fundo o espírito do grande poeta ou romancista do que a necessidade, nem sempre consciente, de dirigir-se a um interlocutor absoluto, que o poeta Antonio Machado exprimiu excelentemente no verso “quién habla solo espera hablar a Dios un día”, que diz muito mais do que oitocentos livrecos de teoria literária.

Mais um ponto para este livro: ficamos sabendo, por dezenas de notas do Subsidiário, que esse interlocutor absoluto — Deus para os mais íntimos — sempre existiu na vida e portanto na obra de Herberto Sales, embora não apareça ostensivamente como na Tragédia burguesa, do grande Octavio de Faria.

Por falar em Darwin, há alguns atrativos especiais neste Subsidiário para os que gostam dos bastidores da vida literária, como a zanga de Herberto com Wilson Martins. O crítico paranaense tinha gostado muito do Cascalho reescrito e reformado de 1951. “Excelente”, classificou-o num artigo de 1957. Segundo ele, era obra que já tinha o seu lugar garantido na evolução da ficção brasileira, sobretudo pela síntese que tinha alcançado entre a temática social do romance nordestino de trinta e a escrita bem cuidada, que passou a ser exigência da década seguinte.

No entanto, em artigo bem mais recente sobre Os pareceres do tempo, publicado em 1984, Wilson Martins havia apontado alguns problemas de linguagem no romance, ainda que no geral aprovasse a obra. O romancista não gostou das restrições e revidou: o crítico era dos que, escrevendo mal, exigiam dos outros que escrevessem bem. Martins deu o troco na resenha que fez do Subsidiário, limitando-se a procurar defeitos menores na obra.

Mais interessado em revidar do que ler, Wilson Martins remexeu o cascalho do Subsidiário e jogou fora os diamantes, guardando só os pedregulhos. Mas a polêmica é direito sagrado dos críticos. Essas trocas de diretos e cruzados eram comuns entre pesos-pesados da literatura, coisa que nossa época parece ter eliminado da cidade das letras, cidade que um dia já foi republicana e hoje, numa estimativa bem modesta, caminha em ordem-unida para uma tribal e melancólica cubanização literária.

*

Os professores de literatura garantem que fatos da vida de um autor são desnecessários para o conhecimento das obras; como bactérias ou girinos, adquiririam autonomia assim que criadas. O leitor que vai ler este livro e em seguida os romances de Herberto Sales, poderá verificar por conta própria como aquele mandamento do decálogo formalista está perfeitamente equivocado. Obras literárias são bem diferentes de bactérias e tartarugas. Se nem as coisas mais distantes se separam, como sempre ensinou dona Metáfora, com que autoridade exigir que esquecer os escritores, quando estamos diante da sua descendência literária?

O leitor comum dos romances de Herberto Sales tem todo o direito de preferir os livros e mandar às favas o escritor, já que aqueles lhe bastariam para mergulhar na leitura. Do seu kit de mergulho não fazem parte as ferramentas sofisticadas do leitor mais atento, que vive permanentemente atrás daquela trama furtiva da realidade, na qual autor e obra jamais poderiam se separar. Na qual, a rigor, nada está separado de nada.

Evidentemente, a vida de um escritor só começa a ter significado depois do conhecimento de suas obras; mas, a partir desse ponto, passa a fazer parte integrante delas e não pode deixar de interessar a quem procura ir um pouco mais longe — aquele leitor que, familiarizado com o produto, é impelido como que naturalmente pela curiosidade de conhecer a fábrica, não só para descobrir os truques empregados na produção, mas também a motivação mais profunda do empreendimento criador, deixando-se levar, a partir daí, por um movimento de vaivém contínuo entre os dois planos, o real do escritor e o ficcional das obras. 

Já estamos fartos de saber que essa ligação do autor com a obra não é assim tão visível, como pensava a crítica positivista, que só conseguia enxergar esse vínculo pelo ângulo ingênuo do determinismo; embora a relação seja de descendência, o filho jamais sairia exatamente ao pai. Pode sair até ao contrário, como a música angélica feita por Mozart no período mais desgraçado de sua vida. Ou distorcido pela fusão de traços de duas ou mais pessoas reais, como parece ter ocorrido em Dados biográficos do finado Marcelino, romance confessadamente autobiográfico de Herberto Sales, que nenhum leitor mais avisado tomará como autobiografia do seu criador. Se o conhecimento da vida individual dos escritores ajuda a conhecer melhor a obra, não é tanto pelas informações factuais ou “complementares” que possa conter, como pelos misteriosos hiatos ou buracos negros que aparecem entre as esferas da biografia e da criação literária.

Enquanto decidimos o que fazer com os documentos, em sua ambígua relação com a literatura, acena-nos do outro pólo da questão a velha ideia da literatura como documento do espírito do autor, muito combatida pela crítica dita científica, mas que pode ser trazida de volta sem nenhum prejuízo da leitura inteligente. Independente do valor literário que possam ter as obras em si mesmas, nalguns casos — nos gênios, digamos logo — todas elas são parte integrante da ascensão pessoal de cada autor, como diria Kazantzakis, degraus pelos quais sobe na escalada moral e do conhecimento. Um romance falhado pode ser um bom documento humano. Apesar dos diferentes movimentos de rotação que Guerra e paz e Sonata a Kreutzer fazem sobre si mesmas, enquanto obras menos ou mais realizadas, não dá para separá-las entre si e sobretudo da figura central de Tolstoi, em torno da qual as duas transladam, continuamente, como planetas em volta do sol — um sol com mais sombras que luz, carregado de equívocos pessoais, estéticos e filosóficos.

Exemplos sem conta poderiam ser mencionados, de Shakespeare a Goethe, de Dante a Dostoievski, de Homero a Kafka. Não há frustração maior para o leitor do que a de não saber nada acerca do criador da Ilíada e da Odisséia, como se as duas obras não passassem de um truque dos deuses. Por maior que seja a felicidade estética provocada por uma boa encenação de Antônio e Cleópatra, queremos ver as outras peças; não sossegamos enquanto a imagem espiritual de Shakespeare não estiver desenhada com um mínimo de nitidez em nossa mente.

Não custa repetir: Subsidiário contribui, como nenhum outro documento, para a composição do retrato espiritual de Herberto Sales. Vamos, portanto, ao autor, nós que tanto admiramos os seus romances. 

* José Carlo Zamboni é mestre e doutor em Literatura Brasileira pela UNESP. Professor do Campo de Assis dessa instituição. É autor do romance  "Consagro-vos a minha língua"