H. Dobal: Um ano de saudade

(*) M. Paulo Nunes


Na sessão do último sábado, da Academia, prestei uma singela homenagem ao excelso poeta H. Dobal, justamente na data em que completaria 81 anos, a de 17 do corrente mês de outubro.

Vou tentar aqui resumir o que disse naquela oportunidade, descontada, é claro, a profunda emoção com que pronunciei aquelas breves palavras, enriquecidas com o depoimento dos companheiros Zózimo Tavares, Jonathas Nunes e Elmar Carvalho, que passou a ocupar-lhe a cadeira .


Falar do poeta é falar também do homem e do cidadão Hindemburgo Dobal Teixeira, uma das criaturas de exemplar dignidade pessoal com quem largamente convivi. Sua conduta na vida pessoal e no exercício da função pública podemos considerar irrepreensível sob todos os aspectos. É esta uma velha amizade que vem da adolescência, desde os bancos escolares do velho Liceu e das discussões da Arcádia Teresinense, no centro da Praça Pedro II, onde nos reuníamos à noite, de certa forma indiferentes às "jeunes filles en fleur" que faziam ali o nosso animado "footing", no que talvez estivéssemos totalmente errados. Ali me encontraria com a minha geração, a que chamei, num momento de melancolia e para homenagear Gertrude Stein, de "a geração perdida", título de meu livro de estréia literária. Depois viriam os anos de aprendizagem literária, participando dos nossos sonhos e esperanças fementidos de um período de guerras, revoluções e confrontação ideológica, dissabores e alegrias. Com esse espírito cometemos algumas aventuras literárias, como a revista Meridiano, que considero um marco na literatura piauiense e o seu momento solar, editada por ele, por O. G. Rego de Carvalho e pelo autor destas linhas, onde publicamos os nossos primeiros ensaios literários, ensaio aí empregado não no sentido literário ou metafórico, mas literal mesmo, de iniciação literária. Dali surgiriam para a literatura nacional um grande romancista, O. G. Rego de Carvalho, e um grande poeta, H. Dobal. Acompanhei com alegria a publicação de seu primeiro livro, O Tempo Conseqüente, em 1966, pela Artenova, saudado por Odylo Costa, filho, num belo prefácio, e Manuel Bandeira, como uma das grandes revelações da poesia brasileira naquele momento. Bandeira já lhe publicara antes um soneto, numa coletânea de "poetas bissextos"


A presença de H. Dobal na poesia piauiense é bastante significativa pelo fato de trazer à nossa literatura o sentimento da terra, do homem simples e dos "outros bichos esquecidos" que a povoam, fixando "a sua província com expressão tão exata, a um tempo tão fresca e tão seca, mas rica do sentimento profundo, visceral da terra", como diria Bandeira, em sua nota breve, e fazendo-o como um autêntico e verdadeiro "campeador de lembranças", para usar suas próprias palavras. É um poeta que já aparece feito, em seu instrumento de expressão, capaz de retratar com fidelidade nossa Província, com os duros verões e as cheias dos nossos rios, em perfeita comunhão com o seu e também nosso rio mágico, o Parnaíba, no poema elegíaco "O Rio", um rio feito lembrança, fadado a permanecer apenas na memória de poetas, como Dobal e Da Costa e Silva, a continuar a criminosa política de abandono a que o têm relegado os sucessivos governos. Francisco Miguel de Moura, em luminoso ensaio, a sair no próximo número da revista Presença, com o qual plenamente concordamos, estuda em profundidade este aspecto singular da poética de H. Dobal.


Lembrei ainda, além do poeta, o prosador de fôlego com o seu livro borgiano Um Homem Particular, maravilha de prosa contida, sóbria e elegante, que lhe completa o perfil literário.


Falar nele é lembrar também o fino ironista, com que se apresentava em nossas conversas. Como todo perfeito humorista, era capaz de rir-se de si próprio, com ditos e anedotas que recordamos com saudade e como forma de eternizar sua presença entre nós.

Quando já praticamente em seu leito de morte fui um dia cedo ao Hospital para saber notícias suas, ali encontrando-me com seu médico assistente, por sinal, meu sobrinho, Dr. Paulo Márcio, que me convidou para visitá-lo na UTI, pois se achava ele nesse dia muito bem. Ao entrar, fui logo perguntando como fazia de vez em quando: - Como vai este maior poeta do século? E ele, prontamente, respondendo: - Lá vem V. com suas restrições. No outro dia à tarde falecia.

Era assim o nosso excelso poeta, esta figura humana admirável, cuja perda nos deixou mais empobrecidos.. Foi muito duro o exercício de aprender a viver sem a sua presença. Que Deus o tenha!

(*) M. Paulo Nunes é escritor.

Poema de H. Dobal