GODARD E O CONCEITO ESQUERDISTA DE LIBERDADE

Miguel Carqueija

 

            Anos atrás flagrei um colega de trabalho falando a uma colega sobre o filme de Jean-Luc Godard “Je vous salue Marie” que, considerado uma ofensa à religião, foi proibido no Brasil em 1985, quando ia ser lançado. O colega ao se referir ao fato disse: “A Igreja proibiu”.

Eu tive de intervir para restabelecer a verdade dos fatos. Expliquei então que não foi a Igreja Católica quem proibiu o filme em questão, até porque ela nem teria poder para tanto, mas o então Presidente da República, José Sarney. Foi um decreto presidencial. Nunca tive oportunidade de assistir obras desse cineasta francês, mas uma moça com quem cheguei a namorar contou-me que vira o filme numa sessão ocorrida na faculdade, não sei como obtida. E, segundo ela, era um filme “muito bobo” para prejudicar a Igreja. E que Godard era um experimentalista. Eu pessoalmente creio que o governo nem devia ter feito essa proibição, pois a mesma era contraproducente. Só dava munição para falarem mal do Catolicismo, a troco de nada. Somente por um motivo besta.

Porém, nesse assunto, sempre me lembrei do ocorrido em 13 de maio de 1968,  na França. Naquela época a nação francesa estava mergulhada no caos trazido por inssurreições em massa de estudantes e outras pessoas, sob orientação marxista e que quase levaram De Gaulle à queda ou à renúncia. Naquela ocasião, quando ia ser exibido no Festival de Cannes a película “Peppermint flappé”, Godard e outros cineastas e artistas invadiram a sala de projeção e se agarraram no cortinado da tela. Os tumultos que se seguiram, até com pancadaria, levaram à suspensão do festival naquele ano. O próprio Milos Forman, ao que parece constrangido a apoiar os protestos, reconheceu depois a contradição: o fundamento daquilo tudo era marxista, e em seu próprio país, a Tcheco-Eslováquia, queria-se a queda do marxismo.

O fato é que Godard, em 1985, por causa do incidente no Brasil com “Je vous salue Marie” posou de vítima da repressão e censura, mas ele próprio, 17 anos antes, e sem estar investido de nenhuma autoridade, proibiu todo um festival internacional de cinema. E pior, proibiu no tapa. Realmente, o socialismo é a ideologia da liberdade...

 

Rio de Janeiro, 27 de abril de 2018.