Gerana Damulakis: Alegorias de uma cidade
Em: 28/01/2014, às 21H15
As Marcas da Cidade traz sete contos passados no mesmo palco, a cidade de Salvador, que será mais do que mero ambiente para que as histórias aconteçam, já que participa das tramas com seus encantamentos, com suas contradições, com seus sítios históricos, e até com algum dos seus sinistros mais famosos. A cidade, suas marcas e a marca do escritor Aleilton Fonseca estão em cada título.
De saída, no conjunto está a marca que coloca em movimento o mecanismo desta contística: o uso da alegoria ao substituir conceitos por imagens diretas. Sim, porque além do lastro emocional presente nas narrativas de Aleilton, são as alegorias que permitem a cada enredo mostrar a história contada e deixar para o leitor a liberdade para entender como deve sentir a outra história, a das entrelinhas.
Em “Zé Preto” encontramos um “doido”, o doido da rua da infância do narrador que, com o desenvolvimento da cidade, os moradores julgam necessário que seja removido daquela vizinhança. Então será o narrador quem cuidará dos instantes finais daquele personagem que o carregou no colo. E agora cabe a pergunta: Por que uma mãe permitiria que um “doido” da rua carregasse seu filho no colo? – é sua vez, leitor, pois a resposta está nas entrelinhas do enredo.
Já o conto “Outro pai contra mãe” é uma reescrita do conto de Machado de Assis, obviamente intitulado “Pai contra mãe”. A trama é transportada para os dias atuais, mas mantendo a ideia machadiana e conservando a mesma frase com a qual o Bruxo do Cosme Velho concluiu seu conto. Enfim, uma expressiva homenagem ao mestre.
A injustiça social em sua crueza mais profunda está no conto “Gregório”. E a consequente desigualdade social é vista de modo mais “romântico” em “Visita ao solar”, no qual a protagonista, uma moça negra, procura emprego no solar onde seu pai trabalhou como pedreiro e costumava, naquela ocasião, contar sobre a construção para esta sua filha, então uma garotinha tecedora de imagens tais como as dos castelos de fadas e princesas.
Continuamos visitando Salvador, e vamos desfrutar o pitoresco da Feira de São Joaquim, em conto com este título, pois é lá, na feira, que encontramos algo nos esperando há 30 anos. Das tradições populares que estão no ar desta cidade de 463 anos, passamos para seu lado burguês em “O corredor da Vitória”, conto que mostra o preconceito explícito e absurdo na cidade mais negra do país. Na trama, o protagonista amadurece em sua luta de resistência social e garante que ninguém mais o humilhará.
Terminamos com uma história de amor no também tradicional Mercado Modelo, no conto “As marcas do fogo”, importante registro de uma data histórica de Salvador. Aleilton Fonseca sabe manejar invenção e realidade, pois assim fez com o último conto da coletânea – desde logo e por si uma narrativa antológica, no sentido de inesquecível. Trata-se de um conto de amor, ao mesmo tempo uma narrativa que evidencia como os acontecimentos históricos interferem no particular, no mais que particular, na possibilidade de um encontro de amor.
E é assim este escritor: sem dúvida, um ficcionista que sempre leva em conta a emoção, a grande emoção que nós somos capazes de sentir, embora endureçamos cada dia mais.
Salvador, 15 de abril de 2012
Gerana Damulakis
BIOGRAFIA DO AUTOR DE AS MARCAS DA CIDADE - Aleilton Santana da Fonseca nasceu em 21 de julho de 1959, é natural de Itamirim, hoje Firmino Alves-Bahia. Escreve ficção, poesia e ensaios. É Licenciado em Letras pela UFBA (1982), tem mestrado pela UFPB (1992), e Doutorado pela Universidade de São Paulo (1997). É professor titular pleno da UEFS, onde leciona na graduação e no mestrado. Foi coeditor de Iararana – Revista de arte, crítica e literatura (Salvador, 1998-2008)), e coedita Légua e Meia – Revista de Literatura e Diversidade Cultural (UEFS-Feira de Santana). Publicou, em poesia: Movimento de Sondagem (1981), O espelho da consciência (1984); Teoria particular (mas nem tanto) do poema (1994), As formas do barro & outros poemas (2006) e Um rio nos olhos; une rivières dans les yeux (edição bilíngue); em ensaio: Enredo romântico, música ao fundo (1996) e Guimarães Rosa, écrivain brésilien centenaire (Bélgica, 2008); em conto: Jaú dos Bois e outros contos (1997), O desterro dos mortos (2001), O canto de Alvorada (2003), Les marques du feu et autres nouvelles de Bahia (França, 2008); As marcas da cidade (2012), Memorial dos corpos sutis (2012) e O arlequim da paulicéia. Imagens de São Paulo na Poesia de Mário de Andrade (ensaio, 2012), além de dois romances: Nhô Guimarães (2006), O pêndulo de Euclides (2009) e A mulher dos sonhos & outras histórias de humor (2010). Participou das coletâneas e antologias: Oitenta: poesia e prosa. (1996), A poesia baiana no século XX (1999), O conto em 25 baianos (2000), As palavras conduzem a outras palavras: Antologia de contos e crônicas de autores baianos (2004), Antologia Panorâmica do conto baiano – século XX (2004), Contos cruéis (2006), Quartas Histórias (2006), Outras moradas (2007), Capitu mandou flores (2008), Travessias singulares: pais e filhos (2008), Todas as guerras (2009). Traversées Québec-Brésil (Canadá, 2008) e Os dias do amor (Portugal, 2009). Como co-organizador, publicou outros 5 livros. Recebeu um dos Prêmios Culturais Fundação Cultural da Bahia – 3º lugar (1996), o Prêmio Luis Cotrim (ALJ, 1997), o Prêmio Herberto Sales (ALB, 2001) e o Prêmio Marcos Almir Madeira (UBE-RJ, 2005). Publicou poemas e artigos em diversas revistas, inclusive as francesas Latitudes: cahiers lusophones (Paris), Autre Sud (Marselhe), Crisol (Nanterre) e Plural/Pluriel (Nanterre). Em 2009, ao completar 50 anos, foi homenageado pelo Lycée des Arènes (Toulouse, França), pelo Instituto de Letras da UFBA (Projeto o escritor e seus múltiplos) e pela ALB.
Em 2013, saem seus livros La femme de rêve (no Canadá) e Um rio em los ojos (USA e Paraguai). Seu romance Nhô Guimarães foi adaptado para o teatro pela Companhia Baiana de Teatro, Grupo criaturas cênicas, em 2009. É membro da Academia de Letras da Bahia, da Academia de Letras de Itabuna, da UBE-SP e do PEN Clube do Brasil.
Em 2013 recebeu o título de Professor de Honra de Humanidades, pela Universidad Del Norte, de Assunção, Paraguai.