Gerações Literárias Contemporâneas de Parnaíba
Por Elmar Carvalho Em: 16/03/2021, às 17H50
DIÁRIO
[Gerações Literárias Contemporâneas de Parnaíba]
Elmar Carvalho
17/03/2021
Participei, no sábado, a partir das 16 horas, da live denominada Gerações Literárias Contemporâneas de Parnaíba, idealizada pelo Claucio Ciarlini e por mim, e realizada pelo Portal Entretextos e pelo jornal O Piaguí, com apresentação e mediação do professor, escritor e poeta Dílson Lages Monteiro, membro da Academia Piauiense de Letras.
Ainda no sábado, após o término do evento virtual, por WhatsApp, o Claucio me consultou sobre a possibilidade e conveniência de eu, ele e o Jailson Júnior escrevermos uma síntese do conteúdo da live, cada um, claro, se responsabilizando pela parte referente a sua geração literária. Concordei, e trocamos mais algumas ideias e sugestões. O resultado segue nos três textos abaixo:
Geração 70 ou do Mimeógrafo em Parnaíba (*)
Elmar Carvalho
Sempre digo que nasci pela segunda vez em junho de 1975, quando eu e minha família fomos morar na cidade de Parnaíba. Em 15 de setembro desse ano fui assumir meu emprego na ECT (Correios e Telégrafos) em Teresina, onde permaneci até começo de março de 77, época em que retornei a Parnaíba, para cursar Administração de Empresas na UFPI (Campus Ministro Reis Velloso). A partir desse ano iniciei minha colaboração no jornal Folha do Litoral, dirigido por Batista Leão, no qual trabalhavam os jornalista B. Silva, Antonio Gallas e Rubem Freitas. Nele publicávamos poemas modernistas eu e o então tenente V. de Araújo, hoje coronel da reserva, que pouco depois publicaria seu livro Murmúrio das Flores (1977).
Alcenor Candeira Filho já participara do jornal mimeografado O Linguinha, de vida efêmera, cujo número inaugural apareceu em janeiro de 1972. Em 1975 Alcenor publicou seu primeiro livro intitulado Sombras entre Ruínas, e no ano seguinte editou Rosas e Pedras, ambos mimeografados, no formato apostila (papel A4). O jornal Inovação, fundado por Reginaldo Costa e Franzé Ribeiro, em dezembro de 1977 lançava a sua primeira edição. No ano seguinte eu passava a ser colaborador desse jornal. Também eventualmente fui colaborador do Norte do Piauí, ainda em atividade, cujo diretor é o jornalista Mário Meireles.
Nessa época os poemas publicados em Parnaíba eram geralmente sonetos ou outros poemas rimados e metrificados, numa espécie de sincretismo literário em que eram mesclados resquícios do romantismo, do parnasianismo e do simbolismo. Por todas essas razões, vários anos depois, escrevi no ensaio Jornal Inovação – um Depoimento, publicado em vários livros e periódicos, inclusive na internet, nunca contestado, o seguinte comentário:
“É preciso que se diga e agora vou dizer, sem vaidade, mas também sem falsa modéstia: antes de Alcenor Candeira Filho, com seus dois livros (“Sombras entre Ruínas” e “Rosas e Pedras”), impressos em mimeógrafo, pioneiros, inclusive em termos de Piauí, da utilização desse equipamento na confecção de livros, que passou a designar uma geração literária, deste escriba e do poeta V. de Araújo, ambos com poemas publicados, ainda nos idos de 1977/1978, nas páginas de “Folha do Litoral”, o que se via em Parnaíba eram poemas obsoletos e formalmente ultrapassados, sobretudo sonetos de cunho parnasiano, escola já destroçada em 1922, pelo movimento dos modernistas, mas cujos influxos ainda não haviam chegado a Parnaíba, ao menos publicamente, através de livros e jornais. Não mencionei o nome de Renato Castelo Branco em virtude de este notável escritor e poeta ter-se radicado em São Paulo há muitos anos e não haver publicado seus poemas modernistas em Parnaíba. Com o surgimento do Inovação, que provocou uma verdadeira revolução cultural e literária em Parnaíba, houve o ambiente literário propício para o aparecimento de novos nomes, que se somaram aos já referidos.”
Sem nenhum medo de estar cometendo erros, equívocos ou injustiça, posso dizer que não só em Parnaíba, mas em todo o Piauí, como um sistema literário, com vários livros publicados, debates, seminários, crítica literária, publicação de poemas em jornais e revistas, lançamentos de livros, o modernismo foi efetivamente implantado e consolidado pela Geração Mimeógrafo ou Geração 70, conforme já tive oportunidade de dizer, em texto amplamente divulgado, inclusive nos mares internéticos, de que extraio o trecho abaixo:
“Durante quase todo o século XX, até meados da década de 70, a poesia feita no Piauí era um amálgama do simbolismo, do parnasianismo e, principalmente, do romantismo, com a predominância de temáticas elegíacas e, sobretudo, líricas, povoadas de amadas intocáveis, inatingíveis, com os poetas chorando essas paixões interditas. Posso afirmar, sem medo de erro, que o modernismo chegou muito tardiamente ao nosso Estado, mais precisamente na segunda metade da década de setenta (ao menos enquanto sistema literário), com a chamada geração mimeógrafo, geração 70 ou ainda geração pós-69, não importa que nome se lhe queira dar. Chegou para ficar, revisitando todos os ismos e todos os modernismos de 1922 até a contemporaneidade.”
Houve casos isolados, em que alguns poetas piauienses cometeram versos de feição modernista, entre os quais cito: Da Costa e Silva, que fez sua carreira fora do Piauí, e cedo entrou em seu cone de sombra e silêncio, exilado de si mesmo; José Newton de Freitas, falecido em 1940, com menos de 20 anos; Martins Napoleão, que, em carta a Herculano Moraes, negou ser modernista, esclarecendo que seus poemas eram românticos no fundo e clássicos na forma, ao tempo em que se considerava o último heleno; Renato Castelo Branco, que muito moço deixou o Piauí, não tendo mais voltado a morar em nosso estado; e H. Dobal, que fez sua carreira profissional fora do território piauiense, para cá retornando somente após os anos 1970, quando o nosso modernismo já se encontrava absolutamente consolidado.
O surgimento do jornal Inovação terminou incentivando a criação de vários periódicos alternativos, entre os quais cito: Abertura (dirigido por Olavo Rebelo, Paulo Couto e Elmar Carvalho), Querela (fundado por Fernando Ferraz) e Batalha do Estudante (sob a direção de Kenard Kruel, que pouco depois passaria a morar em Teresina). Fui colaborador de todos eles.
Em 1978/1979 fui eleito presidente do Diretório Acadêmico “3 de Março”, do Campus Ministro Reis Velloso – UFPI. Promovi a realização de palestras, debates, excursão turística, jornada universitária, torneio futebolístico, festival de música, publicação do livro coletivo titulado Poesia do Campus e de um cartaz poético. Da coletânea, participaram José Luiz de Carvalho, Adrião Neto, Antônio de Albuquerque Monteiro, Paulo de Athayde Couto, e talvez outros que não estou recordando agora. Muitos fizeram sua estreia literária nessa pequena obra.
Por essa época, final dos anos 70, surgiram várias coletâneas de poemas, todas ou quase todas com miolo impresso em mimeógrafo, dentre as quais enumero: Galopando, Em três tempos, Salada Seleta (1979), Poesia do Campus (1979) e Nuvem. Participei de todas, exceto da última. Galopando foi o primeiro livro de que participei, e por isso mesmo o que mais me causou alegria e emoção. Em algumas dessas obras coletivas havia participação de poetas teresinenses e parnaibanos. Nesse período houve uma forte interação literária entre Parnaíba e Teresina, de sorte que vários literatos parnaibanos participaram de eventos na capital e vice-versa.
Em virtude do regime militar implantado em março de 1964, muitos dos poemas dessa geração tinham conteúdo utilitarista, e sentavam a pua na falta de liberdade, nas eleições indiretas para vários cargos, inclusive a criação dos senadores biônicos, bem como criticavam os problemas econômicos e as mazelas sociais e da política. Mas também havia os versos líricos e telúricos, que cantavam a beleza do amor, das mulheres e da paisagem, além dos que abordavam outras temáticas. Cada poeta com o seu estilo e os seus assuntos, conforme o talento de cada um.
Nos anos 1980, duas importantes obras coletivas abrigaram poetas parnaibanos da Geração Mimeógrafo. A antologia Poemágico – a nova alquimia (1985), de que participaram os poetas Paulo Veras (falecido), Alcenor Candeira Filho, V. de Araújo, Jorge Carvalho e Elmar Carvalho. Foi prefaciada (cujo prefácio foi recolhido no livro Teoria e Prática da Crítica Literária) pelo escritor Assis Brasil, parnaibano, que dela disse:
“Quando recebi esta antologia de poetas piauienses, Poemágico, para prefaciar, temi pelo que ia encontrar: autores alienados, comprometidos ainda com sonetos parnasianos e românticos, e cantando a amada como se estivessem no tempo de Romeu e Julieta. (...) Mas eu estava enganado, pelo menos neste caso, o que me abriu uma forte perspectiva de esperança. Encontrei nesta antologia cinco grandes poetas, cinco vozes atuantes e atualizadas em relação ao processo cultural e literário. Todos eles falam a linguagem do seu tempo e dominam a estética de sua época, através de alguns dos melhores poemas da nossa modernidade. Você está assustado? Eu também. Como crítico literário nunca sou dado a exageros.”
A outra coletânea dos anos 80 foi Poemarít(i)mos, publicada em 1988, que enfeixava poemas dos cinco autores de Poemágico, excetuando-se Paulo Véras, e mais os dos seguintes poetas: José Pinheiro de Carvalho Filho, Danilo de Melo Souza, Pádua Santos, Adrião Neto, Carlos Marinho, Fernando Ferraz, Ednólia Fontenele, Fernando Almeida, Flávio Neri, José do Egito, Paulo Henrique, Cristina Melo, Edson Rocha, Pedro Silva, Wilton Porto, Socorro Meireles e Antônia Alves de Souza. Alguns desses poetas continuaram produzindo, levantando carreira solo, enquanto outros eram apenas diletantes, que não alçaram voo. Era uma obra bastante heterogênea, sem quase nenhuma unidade, onde se encontram poemas de alto nível, ao lado de outros bem precários, como reconheceu o seu prefaciador, o escritor e poeta parnaibano Renato Castelo Branco.
No ano de 1995, quando eu era o presidente do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, contribuí para a publicação da notável antologia A Poesia Piauiense no Século XX (FCMC/IMAGO), com organização, introdução e notas do escritor e crítico literário Assis Brasil. Dela participaram os seguintes poetas parnaibanos da Geração 70: Alcenor Candeira Filho, V. de Araújo, Jorge Carvalho, Paulo Véras, Israel Correia, Elmar Carvalho, Ednólia Fontenele e Danilo Melo.
A mais importante antologia poética parnaibana foi publicada no ano de 2001, pela FUNDEC/COMEPI, no governo de Francisco de Assis Moraes Souza, o Mão Santa, graças ao apoio de Eliseu Fernandes Monteiro (Tourinho). Dela participaram 14 poetas da Geração 70. Denominada A Poesia Parnaibana, coligia poetas desde Ovídio Saraiva de Carvalho a Danilo Melo, o mais novo. Foi organizada por Adrião Neto, Alcenor Candeira Filho e Elmar Carvalho.
Graças ao incentivo do Dr. Valdeci Cavalcante, presidente da Federação do Comércio do Estado do Piauí e diretor do SESC/PI, foi publicado em 2017 o magnífico livro/álbum Parnárias – poemas sobre Parnaíba, organizado por Alcenor Candeira Filho, Elmar Carvalho e pelo fotógrafo Inácio Marinheiro. Em capa dura, papel couchê e com inúmeras e belas fotografias coloridas, a obra contempla diversos poetas parnaibanos, de Ovídio Saraiva a Diego Mendes Sousa. Marcam presença doze poetas da Geração Mimeógrafo.
Finalizando este apertado resumo, devo dizer que em tempos recentes, um velho jornalista, cujo nome não recordo, disse que a Geração 70 só teria (hoje) uns mumificados. Enquanto Danilo Melo, em respeito aos mais velhos, disse em belo poema que muitos poetas dessa geração eram “santificados”, o outro, em pretenso menoscabo, tentou nos transformar em múmias. Talvez até o sejamos, no sentido de que respeitamos e conservamos os bons ensinamentos e as realizações da melhor tradição literária. Contudo, muitos de nós prestamos relevantes serviços públicos e culturais, e ainda nos encontramos em plena atividade profissional e/ou literária, através de blogs, sites, lives e redes sociais.
Muitos dessa geração literária participaram das principais antologias piauienses, entre as quais refiro Antologia dos Poetas Piauienses, A Poesia Piauiense no Século XX e Baião de Todos. Isso para não citar os livros individuais, alguns de notável qualidade. Ainda há poucos dias, Paulo Couto fundou o Clube dos Poetas Mortais. Vários de nós participamos das coletâneas Contos entre Gerações e Poemas entre Gerações, organizadas por Claucio Ciarlini. E a nossa geração se fez presente e forte entre essas novas gerações.
(*) Fiz este texto com o auxílio de minha memória, de meu livro Aspectos da Literatura Parnaibana (edição virtual – 2020) e da obra Aspectos da Literatura Piauiense (1993), da autoria de Alcenor Candeira Filho.
A Geração Fantasma
Claucio Ciarlini
A década de 70 viu surgir uma geração de jovens escritores que encontraram no mimeógrafo uma chance de se manifestarem de forma mais abrangente, tendo como forte exemplo o movimento Inovação, principalmente no que condiz ao funcionamento de seu criativo e contundente periódico (1977-1992), gerador de grande visibilidade a diversos poetas, cronistas e contistas que figuram, muitos, ainda hoje, publicando e sendo referência para estudiosos e amantes da escrita, nomes como: Elmar Carvalho, Alcenor Candeira Filho, Wilton Porto, dentre outros.
Contudo, chegada a década de 90, a cidade passou a vivenciar um período mais discreto no que diz respeito a grupos literários. Irão surgir alguns exemplos, mas geralmente isolados. Não houve, por assim dizer, uma geração. O que se deu foi a continuidade da atuação daqueles escritores oriundos da década de 70, que obtiveram sua consolidação nos anos 80, com a abertura da Academia Parnaibana de Letras, fundada por boa parte dos próprios, no que adentraram os anos 90, continuando a atuar em jornais e no Almanaque da Parnaíba, quando não em suas obras individuais.
E falando em Almanaque da Parnaíba, é preciso ressaltar o belo trabalho que a Academia Parnaibana de Letras segue desenvolvendo desde 1994 quando passou a organizar este que é um dos mais importantes e certamente o mais longevo periódico da cidade. Fundado há quase 100 anos pelo empreendedor gráfico Benedito dos Santos Lima, que foi seu primeiro editor, no que depois passou para as mãos de Ranulpho Torres Raposo e Manoel Domingos Neto, o Almanaque da Parnaíba foi editado anualmente até o início o ano de 1985, ficando sem ser lançado por nove anos. Contudo, mesmo que o Almanaque da Parnaíba (*) tenha retornado e tido uma periodicidade regular até o fim da década de 90 (no que seguiu publicando até 2006, sem tamanha regularidade) era um espaço em que, salvo exceções, apenas os escritores de gerações anteriores, em especial a mimeógrafo, tinham vez.
Agora, quantos nomes não deixaram de ser revelados ou incentivados durante esse período obscuro (1992 – 2007), onde, repito, houve sim algumas manifestações, porém esporádicas e em sua esmagadora maioria de forma solitária. Essa geração “fantasma”, que inclusive, foi de onde despontei, respirou um período mais democrático em termos políticos, se comparado à geração anterior, que havia batido de frente com a ditadura, ou seja, tínhamos mais liberdade, porém nos faltou união, ou quem sabe alguém ou algo que pudesse nos incitar? Uma junção de ambos? Uma questão a ser possivelmente elucidada numa pesquisa bem mais extensa aprimorada, onde pretendo não só tentar responder a esses questionamentos, como também descobrir e catalogar esses escritores que na ausência de um espaço mais aberto e democrático, acabaram muitos, por não prosseguir ou se esconder no anonimato, escrevendo em blogs com pseudônimos, por exemplo (**).
Porém é importante registrar algumas obras que foram publicadas por jovens desta geração que surgiu no limbo entre o fim do Inovação e o início de O Piaguí (***). São estas: Linhas Impensadas e Pedido de Autorização para Pensar, ambas de minha autoria e respectivamente nos anos de 2004 e 2005; Divagações, de Diego Mendes Sousa (2006); Poemas e Poesias, de Paulo Sousa de Oliveira (2007). Estes livros, em minha humilde opinião, por mais qualidade que possuam, e o mesmo falo de seus autores, poderiam muito bem ter sido engolidos por essa grande névoa que se abateu sobre Parnaíba durante 15 anos (****) e que se não fosse o surgimento das redes sociais e uma maior popularização da internet, além da criação de O Piaguí (impresso e site), e esse sombrio período tivesse perdurado por mais tempo, muitos outros talentos não teriam sido revelados e dessa forma a juventude literária parnaibana não estaria vivendo, desde 2007, uma nova era que poderia muito bem, e modéstia à parte, ser chamada de Geração O Piaguí!
(*) Desde 2017, o Almanaque da Parnaíba passou novamente a ter maior regularidade, sendo lançado a cada ano e tendo o empresário e também acadêmico Valdeci Cavalcante, como seu apoiador financeiro. Atualmente, tenho a honra de ser um dos organizadores do Almanaque, ao lado dos confrades Antônio Gallas, Maria Dilma Ponte de Brito, Alcenor Candeira Filho e o atual presidente José Luiz de Carvalho.
(**) Por enquanto já tenho poucos nomes de uma lista que pretendo encontrar muito mais. Citarei alguns que fazem parte desta Geração Fantasma, independente de hoje já terem seus nomes reconhecidos: Frederico Osanam Amorim Lima, Israel Galeno Machado, Juliano Lima, Dante Ponte de Brito, Francisco Dourado, Sousa Filho, George da Silva e Diego Mendes Sousa, além deste poeta que aqui vos fala.
(***) Impresso de minha idealização e criação em 2007, junto a dois sócios, e que sempre teve, dentre os seus ideais, o de conceder espaço aos jovens da escrita. Jovens como Jailson Júnior, Morgana Sales, Marciano Gualberto, Joyce Cleide, Alexandre César, Luana Silva, Carvalho Filho, Lívia Pessoa, Marcello Silva, Daltro Paiva, Zilmar Junior, dentre muitos outros.
(****) Em termos literários e falando especificamente de jovens autores, pois os mais experientes continuaram publicando e quando falamos em outros setores, como o Teatro, a Música e a Dança, tivemos fortes manifestações durante a década de 90 e o começo de 2000. Agora no que condiz a impressos culturais e literários, não se conseguiu formar nenhum espaço até 2007 que fosse democrático, regular e duradouro para que estes jovens pudessem atuar, como ocorreu, conforme citei, na época da Geração Inovação ou como tem ocorrido nesta nova, que intitulei de Geração O Piaguí.
Geração Piaguí (2007 - presente)
Jailson Júnior
Desde o fim da Geração 70 em 1992, imortalizada pelo Jornal Inovação, até a Geração Virtual começar a um novo momento à partir de 2007, foram 15 anos em que, salvo movimentos esparsos, a literatura parnaibana da geração seguinte permaneceu em período letárgico, o que não quer dizer que não houve uma produção igualmente importante.
Quando o historiador Claucio Ciarlini nomeia esse período compreendido entre 1992 e 2007 em Parnaíba de Geração Fantasma, o que ocorreu foi a carência de plataformas que congregassem essas vozes e fossem, ao mesmo tempo, uma referência para o desenvolvimento de uma identidade literária que representasse o período. O frenesi experimentado com o Jornal Inovação (1977 - 1992) e muito depois com O Piaguí (2007 - presente) acabou não ocorrendo com os literatos desse intervalo de tempo, vivendo unicamente a solidão de suas produções, o que, como já mencionado, não deixou de render vigorosos frutos.
O dia 05 de novembro de 2007 representou um marco intermediário para alguns e o sopro de oxigênio nas narinas dos que vinham engatinhando logo atrás dos fantasmas. Diretamente afetados pela carência de um denominador comum, os jovens Claucio Ciarlini e Daniel Ciarlini decidem dar um novo e significativo passo para a cultura de Parnaíba e região, criando O Piaguí, talvez não por acaso no Dia Nacional da Cultura Brasileira.
Ao mesmo tempo e no mesmo sentido futurístico para onde apontava o progresso que representava, naquele momento, O Piaguí, iniciava-se, no Brasil, um processo de popularização da internet, com a febre dos Cyber Cafés e das Lan Houses. Os computadores ficaram mais acessíveis, e com eles, a possibilidade de jovens escritores divulgarem ao mundo o seu trabalho, havendo agora uma tábua de salvação de nível global.
Na internet, entre muitos movimentos que se dedicaram também à literatura, destacam-se o Recanto das Letras (2004), local até hoje muito valorizado e que se consolidou no tempo como um santuário das publicações literárias, e o Orkut (2006), uma das redes sociais mais famosa de todos os tempos, onde principalmente os mais jovens ditavam moda, interligavam-se com o restante do mundo e também divulgaram seus versos, suas vestes e seus sentimentos.
O Piaguí surge justamente com a filosofia de ser a vitrine local desses escritores igualmente locais. Vem para promover a juventude, fortalecer os vínculos entre os artistas, revelar jovens talentos e devolver à Parnaíba um movimento artístico e cultural da qual há muito tempo estava carente a Princesa do Litoral. E não só. Também vem para aqueles que mesmo já experientes, não tiveram o suporte devido e que também queriam acrescer positivamente, e na arte, assim como na vida, antes tarde do que jamais.
Os anos se passaram, o periódico se consolidou como o repositório dos artistas por excelência, divulgando, revelando e promovendo. Se há gerúndios que definem bem a missão do jornal, cito esses, havendo além vários outros.
Um sonho antigo do editor Claucio em reunir nomes revelados pelo O Piaguí em uma coletânea ganhava cada dia mais corpo, sempre postergado pelas circunstâncias do tempo. E se há um tema do qual os poetas dominam e compreendem (ou pelo menos tentam) é justamente ele, o tempo, o senhor dos destinos.
Até que em 2017, Claucio conseguiu juntar vinte e dois poetas em um projeto ousado e que bebia diretamente de outros de igual teor. Financiamento próprio, igual quantidade de páginas para todos. Depois de reunidas as pessoas em um grupo de WhatsApp, foi feita a deliberação e ali ocorreu a nidação de Versania, coletânea de poesias organizada e pronta entre Fevereiro e Agosto, sendo lançada no Sesc Avenida no dia 05 de Setembro do mesmo ano.
A consolidação do projeto veio no ano seguinte, 2018, quando houve a segunda edição, de nova capa, totalmente revisada, lançada exatamente na data de um ano do triunfo da primeira edição. Foi a certeza de que não foi somente um projeto pontual, mas sim algo duradouro e que, depois de já passados 4 anos, mostrou-se tão somente uma semente, um impulso para outras movimentações igualmente importantes. Nesse mesmo dia, como uma cereja no bolo, é reativado o site oficial do jornal, que há tempos havia deixado de ser movimentado.
Vários versanianos lançaram trabalhos depois disso, ou mesmo se utilizaram do movimento como ponto de partida ou como uma quarta marcha na carreira literária. Tivemos Homo Cactus (2018), do chavalense Marcello Silva, Grãos de Areia (2019), de Zilmar Júnior, Experimentos Poéticos (2020), organizada por Daltro Paiva, resultado do laboratório poético ministrado por ele ainda no ano de 2018 no Sesc Caixeiral, e Nguzu que Rompe Grilhões (2021), de Marciano Gualberto. Tivemos também a obra Catarse (2018), da escritora Lívia Pessoa, que não participou de Versania, mas que se lançou ao mundo muito cedo através do O Piaguí e que já em seus brolhosos 17 anos publicou seu primeiro trabalho solo.
O espírito congregador do O Piaguí não parou por aí. Desde 2019, ocorre em Parnaíba um movimento jamais visto em toda a charmosa história da cidade. Jovens e veteranos na escrita estão se reunindo sobre o mesmo assunto para falar de literatura. A Academia Parnaibana de Letras (APAL), presidida atualmente pelo acadêmico José Luiz de Carvalho, lidera o projeto Academia Viva, tirando a academia das quatro paredes e a levando para os eventos, as escolas, renovando as cátedras desocupadas e abrindo espaço para que o público a conheça, sobretudo a nova geração de escritores, e o jornal é parceiro fiel dessa empreitada, representando a nova geração.
No mesmo 2019, foi publicada a primeira obra da coleção Entre Gerações, fruto material dessa ligação, contemplando o gênero Conto, que já tem a versão em Poema, e que em 2021 terá a Crônica como foco (Contos Entre Gerações, Poemas Entre Gerações e Crônicas Entre Gerações, respectivamente). Jovens e veteranos confluindo no mesmo lugar, derrubando, pouco a pouco, as barreiras que existiam entre os tempos. Além disso, o 72° Almanaque da Parnaíba (2019/2020), revista oficial da Academia, foi o que teve mais participações de jovens escritores entre todas as edições publicadas até hoje.
E há mais um aspecto, não menos importante por ser citado a posteriori. Desde maio de 2015, o Sesc Piauí instalou no prédio da antiga escola União Caixeiral, no centro de Parnaíba, um moderno prédio em Art Nouveau, que possui ares de templo local das artes. Aulas de música, pintura, biblioteca confortável e espaço café que já foi palco de vários eventos artísticos em nossa região. Não raro visitantes se impressionam com a imponência e elegância do prédio, que tem sido um importante baluarte para a produção artística local.
O mesmo Sesc promove todo ano o Correio Literário, publicação anual onde também já saíram muitos de nossos colaboradores. Também promove o Corredor Literário, uma noite onde ocorrem recriações, lançamentos de livros, visita de escritores de fora, entre muitos outros eventos que ocorrem ao longo do ano.
É importante citar também o jornal O Bembém, criado em fevereiro de 2008 por Benjamim Santos, Diego Mendes Sousa e Tarciso Prado, que surge logo após O Piaguí e também foi um acontecimento igualmente importante nesse movimento de resgate da literatura parnaibana, trazendo uma produção robusta, não menos comprometido em ser também um guia naquele momento.
A Geração O Piaguí ainda está em andamento. Mesmo sendo difícil falar sobre algo ainda em construção, não resta dúvidas de que ela já mostra sua importância sem precedentes na história de Parnaíba. O foco nos novos literatos, a reunião destes com a geração veterana e a comunhão em um denominador comum destes personagens são, sem dúvidas, as maiores heranças que ela pode deixar para a posteridade.
As gerações nunca terminam. No máximo, agregam outras, que agregarão também outras, cada uma tendo seu merecido momento de protagonismo. Mais do que individualismos, essa fase deixará um legado pedagógico para os próximos anos, para o futuro, uma lição de que, se separados podemos ser também proativos, juntos, arrastamos uma legião de ideias, chegamos bem mais longe, cria-se muito mais. É o que posso desejar, como membro dessa geração, para os dias que virão.