Cunha e Silva Filho


1.              Um vez um escritor meu amigo me falou do que pretendia escrever durante a parte mais ativa de sua vida e não o conseguiu por encontrar um obstáculo: a postergação dos planos, das realizações, das ações pensadas e concretizadas. Me incluiria neste caso. Paulo Mendes Campos (1922-1991), em crônica notável, já dizia que os brasileiros somos pessoas que estamos sempre adiando o que devíamos fazer.                            Contudo, neste fragmento, venho relatar um fato que ocorreu comigo e meu irmão Evandro, falecido ainda já moço faz dois anos. Antes, contudo, me perdoem os gramáticos tradicionais pela colocação pronominal proclítica empregada por mim, de forma assistemática.
                 De resto, já no tempo do erudito e sábio João Ribeiro (1860-1934). Essa questão gramatical foi por ele mesmo observada como própria da índole do português brasileiro. Mário de Andrade ( e outros modernistas de 22 já utilizavam essa colocação até no gênero ensaístico, no que foi criticado pelo critico Álvaro Lins (1912-1970). Hoje em dia, seu uso oral entre pessoas instruídas ou não é também visto com frequência. Entre os gramáticos e linguistas mais novos, como é exemplo, entre outros, Marcos Bagno ( linguista que está bombando atualmente com as suas renovações pedagógicas no ensino do português), o registro oral e escrito urbano (só urbano?) da próclise no início do enunciado é democraticamente acolhido.
                 Em 1990, o meu irmão Evandro Setúbal da Cunha da Silva (1947-2012), mencionado acima, após o sepultamento de nosso pai, me dirigiu uma cartinha datilografada que, até hoje, tenho comigo. É uma carta em que fala de um artigo meu sobre o passamento de papai escrito à mão, depois publicado em jornal de                        Teresina e finalmente reproduzido no meu livro As ideias no tempo.Ela dá a medida justa do hábito de postergação de nós brasileiros.
                 Veja o teor da carta, excluída uma parte de natureza confidencial:

                                                 

                                      Te, 18-02-90

Francisco,

          Em anexo, envio-lhe exemplar do jornal onde saiu a sua oportuna crônica de saudade.
Editada, el se me apresentou mais sensibilizante, talvez por estar relacionada graficamente com o que fazia o nosso pai através dos jornais de Teresina. Tocou-me e a muitos que conheceram  ‘Velho Cunha.’
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         Você, como ele, sabe dizer bem o que os outros gostariam de dizer. Eis o segredo da palavra escrita. Nada de laboratórios literários, a boa arte está na maneira natural de se manifestar.
          Por hoje é só. Ainda haveremos de manter substanciosas correspondências. Aguarde.
Do amº, irm. e admor.

               Evandro
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            A correspondência, como se vê, data de vinte e quatro anos atrás! O não cumprimento da parte dele e da minha, que lhe seria interlocutor, provocou um fosso de ausência de trocas de ideias mútuas e de uma maior intimidade entre nós, sem cujo cultivo faz perder entre dois seres, irmãos ou amigos, a naturalidade tão cara, tão necessária aos relacionamentos afetivos e fraternos.
           Talvez muita coisa tivesse sido diferente entre nós. Só posso lamentar o lapso vazio no tempo que já se foi. Toda escrita é uma possibilidade entre outras, um ato em potência, uma rasura.

2.       Os EUA estão revivendo cenas do tempo do apartheid racial norte-americano e, por infeliz coincidência, quando na Casa Branca se tem um presidente negro. Obma, prêmio Nobel da Paz, deve ser firme no que diz respeito a uma esforço hercúleo de pacificar os ânimos aguerridos dos afro-americanos. Não pode ceder um milímetro a resistências retrógradas de brancos racistas. Longe estamos dos saudosos tempos de Mandela, de Martin Luther King e de outros menos conhecidos combatentes, incluindo brancos, que lutaram contra a monstruosidade do racismo na América.

3.      Fato estranho o de a presidente Dilma, em pronunciamento no exterior, afirmar que não há corrupção no país, ou eu estou enganado? Seria o cúmulo ou, com diziam antigamente os ingleses: “That’s the pink limit! O depoimento de uma funcionária graduada da Petrobrás à jornalista Glória Maria, transmitida ontem na TV Globo dá o que pensar, e muito! Há muita coisa suja ainda debaixo do tapete da estatal brasileira do petróleo.
        Ora, quando uma funcionária dessa empresa se diz ameaçada e com medo de alguma coisa, é porque há algum malfeito no reino da Dinamarca, desculpe-me, do Brasil. A coisa está ficando preta,sobretudo para o o governo federal , à frente o poderes executivo e legislativo.

4     Muito antes da véspera do Natal alguns brasileiros já dão sinal de que estão em férias , entram em recesso, fecham as portas e vão fruir as delícias do far-niente. O brasileiro gosta muito de ganhar dinheiro, mas alguns gostam mais é mesmo de sombra e água fresca.

5.   Ainda se fala aqui no Rio de janeiro na possibilidade de uma invasão tipo tsunami que invadiria a cidade. Longe de nós esse pensamento, que me faz vir à mente o tsunami da Indonésia, o qual , de resto, atingiu mais 13 países, dizimou mais de duzentas mil pessoas, uma tragédia universal que não queremos ver mais.

6.   Como se tem editado no país! Pipocaram escritores nos quatros cantos da Nação. Haja críticos e resenhistas para acompanharem essa montanha de livros impressos e de e-books.A minha pergunta é saber quanto deles sobreviverão para a história da literatura brasileira.

7.   Publicar no Brasil, em algumas editoras famosas, com tantas exigências técnicas de formatação do texto e do uso de normas específicas editoriais, dá cansaço e vontade de desistência do pretendente a escritor. Por vezes, o processo é tão complicado que autores há que recorrem aos préstimos de um especialista em preparação de originais para, então, e só assim, enviar o orignal ao editor. É por isso que há tantos livros escritos guardados na gaveta, o que é lamentável porque muitos dessas obras têm valor e ficarão no limbo do ineditismo. Por outro lado, outros gêneros de livros de fácil absorção são vendidos como água.

8.    Entrrar numa livraria sem comprar  um livro é um tormento para este colunista. Por isso, muitas vezes, passo ao largo das livrarias a fim de não cair em tentação.

9.   Para tempos tão instáveis, não obstante o Natal, que se aproxima, ser para mim sempre radiante como comemoração cristã, seguido das festas do Ano Novo, é preciso ter um coração paciente e ao mesmo tempo atento à realidade brasílica pouco propicia às efusões dos bons sentimentos.

10. Sempre é bom recordar, algumas palavras que se ajustam à ausência da austeridade do governo brasileiro. Vou-me socorrer das palavras de Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) sobre o tema da “liberdade”(que deixo, abaixo, em tradução livre do colunista):

Em dias vindouros, que procuramos tornar realidade, antegozamos um mundo alicerçado em quatro liberdades essenciais.
A primeira é a liberdade do discurso e da expressão – em todo o mundo.
A segunda é a liberdade que cada pessoa deve ter de adorar Deus à sua maneira – em todo o mundo.
A terceira é a liberdade de satisfazer seus anseios, que, traduzidos num sentido universal, significam proporcionar condições econômicas a cada nação a fim de que seus habitantes desfrutem de uma vida saudável e vivam em paz – em todo o mundo.
A quarta liberdade é a de não sentir medo – que, traduzida em temos universais, significa uma redução, em escala mundial, dos armamentos em tal extensão e de forma tão perfeita que nenhuma nação poderá ficar numa posição de cometer um ato de agressão física contra qualquer vizinho – em todo o mundo.”

    Pelo visto, qualquer leitor, em qualquer país democrático, perceberá a atualidade do pensamento daquele grande estadista americano.

Nota do Colunista: Aproveito a oportunidade para desejar ao leitor um Natal com muita paz, saúde e harmonia e um Ano Novo de 2015 mais feliz e com mais paz no mundo


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