Fotografia

 

 


Rogel Samuel

Foi num sebo aonde nunca tinha ido. No Catete. Em frente aqueles
prédios da Primeira República. Em frente ao Palácio. Aquele palácio
tinha sido a casa do Barão de Nova Friburgo, que tinha fazendas de café.
Em Nova Friburgo visitei, também, sua casa. Num parque belíssimo. No
sebo encontrei uma pilha da revista "Fotoarte". Era uma revista
dirigida por Francisco Aszmann, um dos maiores fotógrafos do mundo de
sua época. Um dos mais premiados no mundo inteiro. Ele foi meu professor
de fotografia, e o muito do que eu (pouco) sei de como ver um quadro se
deve a ele. Eu comecei a buscar o que procurava: a fotografia "Bois",
que eu já conhecia, e que sabia que estava num daqueles números. Eu
conhecia detalhes da foto, e de como Aszmann a tirara. Ele contou numa
das aulas que tinha ficado horas à espera da manada que entrava numa
estreita ponte. Tirou a foto e pulou da ponte pela ribanceira de dez
metros, na Hungria. A foto ficou anos esquecida, porque o boi da direita
estava ligeiramente desfocado: um crime para os padrões estéticos
daquela época. Mas em 1940 o conceito mudou e Aszmann pode ganhar
todos o títulos com uma única foto. Um dia eu ganhei um prêmio de
fotografia. Era uma competição coletiva, na ABAF, no Rio. Eu lecionava
no subúrbio carioca e tomava o trem, pela manhã. Ia com a câmera. Eu só
andava com ela. A tiracolo. Em plena Central do Brasil comecei a
fotografar uns garotos de rua, com tele-objetiva. Um deles tinha um
tampão branco, no olho, de esparadrapo. Quando revelei a foto, a criança
aparecia angustiada, atrás de uma monstruosa coluna (que na realidade
era um vão do prédio da Central), e por trás estava, desfocado, o grande
edifício do Quartel Geral das Forças Armadas. Ameaçador. Não deu outra:
tirei o primeiro prêmio - estávamos em pleno regime militar, e aquele
menino sujo esmagado num canto virou o maior símbolo. Minha foto fez
sucesso. Mas eu a perdi, ou melhor, a vendi. Aprendi com
Aszmann, o menino estava no "ponto ouro" do quadro
(o canto inferior esquerdo). O Brasil, que hoje tem Sebastião Salgado,
já teve Francisco Aszmann, o professor. Abandonei quase completamente a
fotografia, hoje. Talvez porque se tornou uma arte cara. Mas
principalmente porque já não tenho tempo nem laboratório em casa.
Fazíamos em casa as fotos em preto-e-branco. Um dia, talvez, vou partir
para a foto digital. Aí está a foto do mestre Aszmann "Bois".