Antônio Carlos Rocha

Fernando Pessoa não precisa de apresentação, queremos apenas esclarecer que o ilustre poeta da Língua Portuguesa foi tradutor das obras de Helena Petrovna Blvatsky em Portugal, fundadora da Sociedade Teosófica. Uns dizem que ele foi maçom, outros afirmam que ele foi rosacruz, e por que não, teosofista?

Devido à sua familiaridade com os textos do Oriente, deduzimos que ele conhecia o Lankavatara Sutra. É um texto clássico do Budismo, muito reverenciado pelo Mahayana japonês. E foi divulgado, pela primeira vez no Ocidente, pelo grande Daisetz Teitaro Suzuki, no princípio do século 20.

Em determinado trecho o Lankavatara Sutra diz: “Árvores, montanhas, rios, pedras, relva tudo é Buda”. É um sentido total de integração com o ecossistema. Já vi também uma versão que tira a palavra Buda e coloca a palavra Deus. Dá no mesmo, são sinônimas.

Agora veja este belo poema de Fernando Pessoa, onde ele expressa, de forma ímpar, o sentido do Lankavatara Sutra:

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou !

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina).

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes,
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda hora.

- fonte: O Guardador De Rebanhos E Outros Poemas, seleção e introdução de Massaud Moises, co-edição Cultrix/USP, 1988, páginas 93 e 94.