Fecundar o próprio ser

Rogel Samuel


O primeiro dos SONETOS AUTOBIOGRÁFICOS de L. Ruas é cruel. É cru. É o espelho da solidão em que se esquece o eu lírico. É trágico.

Ruas sempre explora os mitos que, como ele disse na “Aparição do clown” é a verdade mascarada.

O mito não é a mentira, o cinismo, a hipocrisia, o logro, o engano, a farsa, a irrealidade. O mito talvez seja o real da realidade, por mais estranho que seja a sua fantasia e o seu fantasma. O mito é o gerador primitivo da verdade, que julga e diz. Pois quem decide onde está a dimensão da racionalidade? O poeta ou o cientista? O religioso ou o filósofo?

O mito será, no mínimo, mais antigo, mais radical, mais originário. Ele tem a sua verdade própria, explicativa, não é bárbaro nem é louco.

O saber mítico desce no abismo do medo, do sêmen, do monstro azul, do falso passo e do passo em falso, do mistério no espelho, da prece e da infâmia para depois voltar para o nada, para a contemplação de sua própria imagem no espelho da vidraça, do pranto solitário da chuva, o parado, o imóvel, a sarjeta.

Fecundar o próprio sêmen sem ter medo
De em si mesmo dar o ser ao monstro azul.
Escalar o próprio abismo desmedido
E sorrir a cada passo dado em falso.

Desmembrar a tessitura do mistério,
Dissecar a óssea face em frente ao espelho
Estancando a imagem tola no momento
Da mentira venerável — prece infame —...

E depois compor de novo a melodia,
Restaurar as cores todas distendidas,
Refazer o mesmo poema delicado

E ficar paradamente na vidraça
Contemplando a chuva grossa e intermitente
Escorrendo em borbotões pelas sarjetas.

TODA POESIA DE L. RUAS

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