Não creio estar sendo leviano ao afirmar que, no Brasil, temos leis para quase todos os gostos, já que elas podem, sem nenhuma cerimônia, ser encomendadas ao Congresso Nacional ou provir do palácio da Alvorada. Nem sempre o negócio sai barato, ainda que seja iniciativa da Casa onde estão hospedados os representantes políticos do povo. O poder do lobby é que, muitas vezes, determina e caracteriza a urgência ou necessidade dessa ou daquela norma legal.


 Faz-se por aqui, não raramente, lei para suspender a vigência de outra, ou para lembrar que algumas não foram derrogadas nem revogadas e que, por terem nascido antes dessa, devem ser argüidas, quando necessário. Criam-se também leis para derrogar partes de outras que ficaram desinteressantes ou subutilizadas. Nascem normas legais unicamente com o intuito de gerarem  conflito; de modo que o julgador, ao aplicar estas em vez de aquela, ao mesmo tempo em que não estará incorrendo em vício ou erro, perceba que sua decisão consumará um fato; pelo menos, até que, revisto ou novamente julgado, dessa vez com a utilização da norma ideal, isto é, da que com a originária e, equivocadamente argüida conflitava, possa vir a ser anulado ou reformado; isso, se um outro argumento de perquirição não constatar que, melhor e mais inteligente, seria aplicar a hermenêutica de uma lei inusitada.


 Fazemos lei ordinária  para valer como complementar, só para testar a perspicácia ou atenção dos legisladores ou aplicadores das mesmas; publicam-se normas legislativas com teor diferente do que foi discutido e aprovado nas diversas comissões antecedentes e somente depois de muito tempo em vigor é que o povo fica sabendo daquela escamoteação. Se questionada,  torna-se inócuo e tardio tal questionamento, eis que o vício então detectado houvera sido arquitetado prevendo a seguinte e futura situação: o julgador que se valerá da incorreção legal, certamente, será o parlamentar que a providenciou no passado; agora, porém, numa condição que torna, juridicamente irrecorrível, sua decisão.


 Por aqui, o Poder Executivo, que deveria simplesmente aplicar ou se valer dos dispositivos legais emanados do Poder Legislativo, é um dos mais profícuos legisladores, senão o  maior, particularmente, ou por vias transversas, uma vez que não seria cabotinice afirmar que, entre nós, o poder da caneta que vale, não é, necessariamente, o do quem tem a missão de criar a lei, mas sim de exigir, sempre que quiser, que se faça uma nova lei de modo a açambarcar interesses ou possibilitar facilidades no momento de tomar alguma decisão. E isso o governo faz com categoria. No país, por exemplo, só no que tange a assuntos tributários, em menos de dois decênios, editaram-se quase duzentas mil normas legais. É muito? Para quem acha dez mil insuficientes não é.


  Unicamente para mostrarem que não estão apenas ocupando espaço em gabinetes legislativos, certos parlamentares - ouvindo o que parece ser a voz de algum ectoplasma errante num devaneio senil - tiram da cartola projetos de lei que, uma vez convertidos em lei, tornam-nas repetitivas e despiciendas.


 O pior é que, apesar de tantas e tão variadas normas vagarem no universo legislativo nacional, às vezes, ressentimo-nos de que falta uma: a que possa ser aplicada a fim punir, por exemplo, representantes de movimentos sociais, de organizações não governamentais criados, na verdade, para  incitar cidadãos ignorantes a, violentamente, buscarem o que os incitadores fazem-nos ver sejam direitos que as elites, os ricos ou os patrões deles subtraíram.


    Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal


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