[Dílson Lages – da Academia Piauiense de Letras]

Recorro, a fim de iniciar estas palavras,  a um episódio pitoresco sem aparente ligação com o assunto de que vou tratar aqui.

O ano era 1982. Os alunos, selecionados pelo critério do comportamento, sobretudo, foram arregimentados de várias escolas da pequena cidade. No dia marcado para o tão esperado evento, de cada escola, partiram os grupos em alegre caminhada. Aos alunos, comunicou-se que recepcionariam o então governador na entrada da cidade. Ali, sob o calor escaldante do fim de tarde, em seus derradeiros fardos de sol, centenas de crianças, acompanhadas de professores.

Fardadas, receberam uma bandeirinha do Brasil, a  qual se punham a agitar, movidas pelo entusiasmo da novidade e pela curiosidade de ver o homem que comandava o Estado,  curiosidade devidamente acrescida na fala dos dirigentes escolares nos dias que antecederam ao evento. Diziam tratar-se de acontecimento marcante na vida de cada criança, de cada escolhido para ali se fazer presente. Meninos  cogitavam o que falariam ao governador e havia até quem imaginasse que receberiam presentes, especialmente brinquedos.

Depois de quase uma hora de espera sob as luzes amarelas do sol de verão, eis que se diz: “A comitiva do governador está chegando!”. Meninos e meninas aglomeravam-se nas duas extremidades da rodovia estadual. A ordem era agitar as bandeirinhas e gritar: “Viva o governador! Viva o governador!”. O que se fez inutilmente.

Tão logo o jipe em que se encontravam as autoridades adentrou à cidade, as vozes, silenciadas pelo estrondo das rajadas de fogos, o qual fez a gurizada acocorar-se, gritar, chorar e correr para todos os lados. De pé, à frente, no veículo, o governador e meia dúzia de correligionários acenavam, mas a confusão de criança correndo para todo lado amedrontada, xingando professores de nomes impublicáveis, esvaziou o sentido da recepção, transformada muito mais numa expressão de poder e desrespeito à infância do que em qualquer ato. 

Não se viu nenhuma criança receber alguma palavra, algum cumprimento, algum abraço. Abraço mesmo, palavra mesmo, cumprimento mesmo somente para a gigantesca leva de correligionários, que dali se dirigiu em comitiva para o conjunto habitacional a ser inaugurado naquela ocasião. Houve, porém, criança que, entusiasmada com a novidade e acompanhada de professores, insistiu em  prosseguir pelas ruas da cidade em festa até as casas populares, nem que fosse para  se esconder novamente dos estrondos dos fogos, antes e depois da inauguração. Nem que fosse para contar vantagem aos colegas ausentes. Menino era bicho besta! Houve criança, em sua maioria, que voltou para casa com os olhos embriagados de lágrimas e decepções. Criança que jamais esqueceu o susto da multidão de fogos ao céu por longo período. De fogos despencando, sob a areia fina da cidade descalça, sob os pés do desespero.

Organizar eventos, quer sejam institucionais, quer sejam promocionais  é tarefa  que requer, além de etiqueta, respeito e humanidade. É isso o que propõe Eventos institucionais e promocionais, da poetisa, jornalista, professora e cerimonialista  Arleni Portelada. Proposição, que, por analogia ao episódio relatado, contraria ao que foi a recepção, na pequena cidade,  organizada para o então governador, no distante ano de 1982, época em que criança, mulher e idoso valiam, aos olhos da maioria, tal qual um bombom.

Nenhuma experiência prática tenho com o objeto desta obra,  a não ser como ouvinte de inúmeros eventos de que já participei, sempre atento ao ritual deles e à essência de sua organização. Entretanto, como profissional do texto, apaixonado pela linguagem, independente de sua materialidade, propus-me a comentar resumidamente  o livro.

Eventos institucionais e promocionais, de Arleni Portelada, é um manual sobre gênero textual assinalado pela formalidade. Como tal, supõe-se que descortine um receituário de preceitos a ser seguido de modo quase inflexível. Para a autora, mais importante que as prescrições de condutas, embora não deixe de se ater à  praxe do cerimonialismo, interessa a identidade da natureza das recepções. Mais importante que as particularidades da norma, torna-se, para  Portelada,   a percepção do que cada evento tem de individual e humano.

Por isso,  ela faz questão de destacar nas páginas iniciais do livro:

“Poucas atividades profissionais propiciam tantas oportunidades de vivenciar novidades, mudanças de cenários e conhecimento de pessoas quanto a de organizador de eventos. Não que a dinâmica da atividade seja sempre um agradável passeio ao avesso das rotinas. Pelo contrário, cada nova empreitada pode trazer contatos difíceis, tensões e problemas fora da previsibilidade do mais ativo organizador. A maior garantia que se tem no desempenho desse ofício é o conhecimento e o aprimoramento pela prática. Isso sim é um desafio à persistência, à polidez, à disciplina e, claro, à vocação profissional”.

Consciente, conforme suas próprias palavras, de que “dificilmente um cerimonial é aplicado à risca com toda sua firmeza teórica de concepção”, examina o assunto partindo de sua experiência no cerimonialismo. Desse prisma, propõe-se a dirimir dúvidas, a apontar, de modo particular, os segredos da profissão e os detalhes que promovem o sucesso da organização de eventos.

Ao analisar o tema, utiliza-se  Arleni Portelada, objetiva e sutilmente, de sua interpretação vivencial, ancorada em vozes diversas que vão da bíblia aos manuais de protocolo mais respeitados.  Nesse mister, Eventos institucionais e promocionais acaba por se constituir em um discurso em que os comentários,  procuram, sem valor impositivo propriamente, construir breves sequências narrativas do que se revela o evento bem-sucedido em termos de organização.

Para facilitar a compreensão e, ao mesmo tempo ressaltar os propósitos, fragmenta o tema, vasculhando abrangentemente os mais variados aspectos que o cerimonialismo abrange. Nessa linha, a organização dos elementos composicionais de Eventos institucionais e promocionais pretende, no fundo, especialmente, conduzir à avaliação dos procedimentos para a sistematização de eventos. Todo o livro é construído para, apresentando os princípios básicos da atividade, levar o cerimonialista a descobrir sua voz e a forma própria de expressão de cada evento, a partir do que ele apresenta de mais individual.

O exercício do poder social da comunicação pública, de que o cerimonial é exemplo, como escreveu Van Dijk, constituí-se “em controle exercido por um grupo ou organização (ou seus integrantes) sobre as ações e/ou as mentes de (membros de) um outro grupo, limitando, dessa forma,  a liberdade de ação dos outros ou influenciando seus conhecimentos, atitudes, ideologias”(P.88). Para, Arleni Portelada, ao comentar os aspectos políticos e socioculturais que, ao ser ver, demonstram-se prioritários  na organização de eventos e, por extensão, na comunicação pública, deve-se pôr a dimensão humana acima de quaisquer regras. Para ela, o segredo de toda a profissão – sobremodo a do cerimonialista -  está na subjetividade, a que atribui diversas designações – “carisma, amor, desenvoltura, equilíbrio, disciplina e muito conhecimento’.

Ao verbalizar sua experiência como cerimonialista em livro, mais do que escrever um manual, leva-nos a inferir que organizar eventos é um ato de extrema responsabilidade, cujo sucesso depende, antes de tudo, do empenho e do entusiasmo de seu organizador. Antes das regras, valem o carinho e a atenção com que rituais e pessoas possuem como únicos e humanos.