Pixabay
Pixabay

[Carlos Castelo]

Semana passada, recebi a notícia de que serei jurado do 47º Anuário do Clube de Criação. O melhor de tudo: na categoria Técnica de Texto. Cabe, portanto, a um veterano, dizer umas poucas palavras aos redatores que estão dando seus primeiros passos.

Vou me deter numa pergunta que me dirigem desde que adquiri certa senioridade: “o que devo fazer para escrever melhor?”

Para surpresa dos que trabalham comigo, jamais respondi a tal questão sugerindo a leitura de anuários de criação, manuais de redação, ou mesmo que os iniciantes fossem procurar algum curso de criatividade. Minha sugestão é que pratiquem o verbo.

Inclusive, muitas vezes, recomendava um exercício que batizei de Caricatura Escrita. Não foi invenção minha, mas de Gustave Flaubert. Ele pedia a Guy de Maupassant, o célebre contista que foi seu aprendiz, que caminhasse com ele pelo quartier. No dia seguinte, Maupassant deveria trazer um texto descrevendo uma pessoa que passara pela dupla. Flaubert precisaria reconhecê-la por escrito. Era a única lição exigida pelo autor de Madame Bovary.

Já eu, sem quartier, peço aos pupilo(a)s que esbocem, no papel, um outro colega nosso de agência. Simples assim. Entretanto, repetido “n” vezes.

O jogador de futebol, Johan Cruijff, muito tempo depois, endossou Flaubert. Dizia que julgavam que ele tinha sorte nas partidas, mas que a sua sorte se chamava treino.

O que nunca contei a ninguém é que, por necessidade existencial, passei a ler alguns livros sobre o Tao – a filosofia e religião chinesa do Caminho. Cito até algumas obras, em português, por onde me iniciei: Iniciação ao Taoísmo, de Wu Jyh Cherng e Tao Te Ching, de Lao Tse. O interesse pelo assunto me fez aprofundar os estudos. Recentemente, tive a grata oportunidade de manter contato com o sacerdote Wagner Canalonga, mestre regente da Sociedade Taoísta de São Paulo.

Não podia deixar de perguntar ao mentor sobre as relações do taoísmo com a arte. Canalonga então me contou uma pequena história acontecida com ele.

Na infância e juventude, queria ser jogador de futebol. Vivia batendo bola fosse onde fosse. Virou adulto, sacerdote, e pausou as práticas futebolísticas. Uma tarde, passeando com a esposa pelo parque do Ibirapuera passou ao lado de um campo de futebol. Naquele momento, uma bola veio quicando em sua direção. Para devolvê-la, correu e, sem pensar, chutou-a, de trivela. A redonda promoveu um perfeito arco e pousou no colo do jogador. Todos se encantaram. Semanas depois, o casal voltou ao mesmo local. Como num déjà-vu, a bola escapuliu do gramado e veio novamente procurá-lo. Dessa vez, Canalonga decidiu caprichar. Calculou a trajetória, calibrou a força, e bateu: fiasco total, o balão foi para além das quatro linhas, logo vieram as vaias.

Para o Tao, quando entra uma intenção, o coração fica cheio, a água límpida se turva. Não significa, porém, que não se deva fazer nada, ficando apenas na passividade. Antes, devem acontecer os seguidos treinos de Maupassant e Cruijff. Mas, na hora de escrever, simplesmente escreva.

(Publicado originalmente no Estadão)