Estilos do romance russo: 1918 a 1925
Em: 10/09/2016, às 19H59
[Otto Maria Carpeaux]
A abundância de nomes ilustres que a literatura russa apresentou ao mundo nos dois últimos decênios não podia deixar de produzir certa confusão, incapacidade em distinguir escritores de estilos mais diferentes que aparecem, vistos de longe, como uma única massa indistinta. A confusão aumenta pelo desconhecimento geral da poesia russa, que desempenha, porém, função importantíssima na evolução de todas as literaturas eslavas. Aumenta mais ainda pela obstinação de certos críticos em considerar a literatura russa contemporânea como fenômeno absolutamente único, incomparável com todas as outras literaturas, de modo que careceríamos de todos os meios de comparação, e afinal também da comparação.
Os próprios críticos russos não são dessa opinião. Tentaram pôr em ordem as coisas, verificar os estilos diferentes pelos quais o romance russo passou nos últimos dois decênios, e nessa ocasião descobriram termos de comparação com outras literaturas e outras épocas da história literária. Por mais interessante que isso fosse para os russos, é de interesse maior para nós outros, aos quais se abre, deste modo, uma nova porta de compreensão.
Afirmam que o romance russo passou, nos últimos vinte anos, por três etapas bem distintas, e explicam as mudanças, conforme o método dialético, pelas transições sociais que o povo russo sofreu na mesma época.
A primeira etapa é a das guerras civis, que encontrou expressão literária entre 1918 e 1925. Naquela época, mal havia ainda escritores de origem realmente proletária — Górki veio de outros tempos — e a literatura ficava nas mãos de escritores de origem burguesa, simpatizantes com o comunismo ou até aderindo-lhe sem esquecer completamente o passado. A feição bem explicável das suas obras, numa situação na qual os indivíduos se perderam na massa combatente, consiste na falta de “heróis” dos romances, na preponderância das massas coletivas, no fatalismo dos que se sentiam perdidos ou levados pela tempestade. As obras mais significativas daquela época eram os primeiros romances de Pilniak (O ano nu) e de Leonov (As toupeiras); Tachkent, a cidade de abundância, de Neverov; os contos siberianos de Vsevolod Ivanov, e os contos ucranianos de Babel. Os críticos russos comparam hoje essa fase com o romance americano por volta de 1930, pensam em Faulkner e Thomas Wolfe.[1]
A segunda etapa foi a da reconstrução depois das guerras civis. Aparecem os escritores proletários, descrevendo com entusiasmo romântico o esforço da revolução, celebrando sobretudo o heroísmo individual dos chefes revolucionários. São daquela época: Cimento, de Gladkov; Anos e cidades, de Fedin; O rio do aço, de Serafimovitch; Os 19, de Fadejev, e os romances históricos de Tynianov. Os críticos russos, buscando comparações, pensam em Malraux e, muito impropriamente ao que me parece, em Hemingway.
A última fase é caracterizada pelos planos quinquenais e pela coletivação da propriedade rural. Pertencem a essa época os romances mais recentes de Pilniak (O Volga desemboca no Mar Caspio); os romances de Scholochov; eAvante, tempo, de Katajev. Os críticos russos consideram essas obras, em comparação com o romantismo turbulento da fase anterior, como “clássicas”, quer dizer, como expressões duma nova ordem social, já perfeitamente estabilizada. Não gostam, agora, de comparações com escritores europeus contemporâneos; os nomes mais citados são — Shakespeare e Balzac.
A poesia russa da época comunista passou evidentemente pelas mesmas fases. Começou com os “futuristas”, entre os quais se encontraram, aliás, dois poetas de grande mérito: Chodassevitch e Pasternak. Depois continuou em romantismos turbulentos, em parte romantismo individualista, como no caso de Jessenin, em parte romantismo coletivista, como no caso de Maiakovski, que tem hoje uma reputação muito maior no estrangeiro do que na própria Rússia. Enfim, voltou-se para o neoclassicismo inesperado de Selvinski e Tchonov; e sobretudo este último parece destinado ao poeta máximo duma nova era.
— O Cruzeiro · 25 de março de 1944 —