[Maria do Rosário Pedreira]

Casei-me com um editor (muitos sabê-lo-ão) mais velho do que eu (mas muito mais jovem do que eu). Na nossa casa há, como podem calcular, estantes cheias de livros: as dele, as minhas e a nossa (mais dele do que minha porque eu, dada a falta de espaço, já só compro livros que tenho a certeza de vir a ler). No fim-de-semana passado, durante um telefonema da minha mãe demasiado longo a que já não conseguia prestar atenção, reparei que os livros das nossas estantes contam muita coisa sobre nós, incluindo a diferença de idades (que não nos separa). A estante do Manel tem imensos livros franceses (é a geração que aprendeu com a cultura francesa), a minha tem inegavelmente mais autores anglo-saxónicos (muitos são poetas). A do Manel tem todos os clássicos portugueses (e lidos), a minha é de uma pobreza confrangedora nesse sentido (vê-se bem que já havia televisão quando eu era adolescente, com séries à hora de almoço e tudo). A do Manel tem um sem-número de ensaios políticos (muitos pró-soviéticos e hoje datados e ilegíveis) que denunciam o seu passado interventor, na minha alinha-se uma série de títulos de divulgação científica (género que teve o seu apogeu nos anos 90 a par da transmissão de séries televisivas como Cosmos ou O Homem Verde e que também revelam os meus primeiros passos na edição, pois foi na Gradiva que comecei). A do Manel tem prateleiras só de teatro, a minha está cheia de guias turísticos dos tempos em que eu andava por aí a coleccionar países desenfreadamente. Temos, claro, livros repetidos (esses são as nossas afinidades). De vez em quando, dizemos um ao outro que todos os livros que existem nesta casa (e o resto) são dos dois; mas alguém um bocadinho mais culto, se olhar as estantes com atenção, saberá imediatamente de quem é o quê.