Escrever para crianças
Por Bráulio Tavares Em: 03/08/2014, às 16H22
[Bráulio Tavares]
Isaac Bashevis Singer é um excelente contista de origem judaica. Parece que foi o primeiro escritor no idioma iídiche a ganhar o prêmio Nobel (em 1978). É conhecido por sua obra para adultos, da qual já li uns dois volumes de contos excelentes sobre o cotidiano de pessoas excêntricas. Alguns dos seus contos fantásticos produzem um clima inesquecível de estranheza, de um terror sem monstros.
Singer escreveu para crianças também, embora eu nunca tenha avaliado essa parte de sua obra. O que me atraiu foi esta curiosa lista que ele intitulou “Por que comecei a escrever para crianças”, que tem algumas indicações importantes para que se dedica a essa atividade que tem algo de cabra-cega. Eis os itens listados por ele, durante o seu discurso no banquete do Nobel, em Estocolmo:
“1) Crianças leem livros, não leem resenhas de livros. Elas estão se lixando para as críticas. 2) Crianças não leem para descobrir a própria identidade. 3) Elas não leem para se libertar da culpa, para saciar sua sede de rebelião, ou para se livrar da alienação. 4) Elas não veem utilidade na psicologia. 5) Elas detestam sociologia. 6) Elas não tentam entender Kafka ou o “Finnegans Wake”. 7) Elas ainda acreditam em Deus, família, anjos, demônios, bruxas, goblins, lógica, clareza, pontuação, e outras coisas obsoletas. 8) Elas gostam de histórias interessantes, e não de comentários, guias de leitura ou notas de rodapé. 9) Quando um livro as entedia, elas bocejam abertamente, sem nenhum constrangimento e sem medo de alguma autoridade. 10) Elas não esperam que seus escritores mais queridos salvem a humanidade. Jovens como são, elas sabem que ele não tem esse poder. Somente os adultos mantêm ilusões tão infantis.”
Alguns itens fazem parte daquela eterna luta de muitos escritores contra o vanguardismo, o intelectualismo, o cerebralismo excessivo na literatura. Singer usa as crianças, me parece, como imagens idealizadas de um estado pré-intelectual em que alguém é capaz de receber uma história como história em si, e não como uma ilustração de princípios abstratos de qualquer natureza (estética, ideológica, religiosa, etc.). A história concreta, não os conceitos abstratos. No item 6, minha interpretação é de que Kafka e o “Finnegans Wake” são exemplos de literatura pura, e Singer, acho, está nos dizendo que as crianças não tentam “entendê-los” intelectualmente; elas, se lessem os dois, fariam o que seria (pra mim) a leitura correta: absorver o texto sem tentar explicá-lo. Ou, numa frase de Chesterton parafraseada por Neil Gaiman: “As crianças não aprendem, nos contos de fadas, que os dragões existem, mas que os dragões podem ser derrotados”.