Escolas públicas municipais e estaduais: o caso do Rio de Janeiro
Por Cunha e Silva Filho Em: 27/08/2013, às 10H20
Cunha e Silva Filho
Você sabia, leitor, que há professores do ensino superior que têm vergonha – esta é a palavra mesmo – de confessarem que, algum tempo atrás, já foram professores da rede estadual ou municipal? Pois é. Se vexam de serem mal interpretados, como se a condição de professor universitário os fizesse melhores. Vergonha tenho eu de constatar que professores assim se comportam. Não são, na verdade, professores no sentido mais rigoroso do termo. São vaidades em forma de professor. Lembro de que o crítico Afrânio Coutinho (1911-2000), segundo me informaram, tinha o maior gosto de ser chamado de professor, simplesmente professor, sem o penduricalho de “universitário ou de “doutor.”
Ora, leitor, professor, seja de que nível for, se tiver talento e vocação para o ensino, será estimado pelos seus pares Ao contrário, se for um professor universitário medíocre, sem vocação e investido apenas de empáfia e de soberba, nunca terá a consideração de seus colegas acadêmicos.
“Mas, você está enganado, colega,” me apartaria o tipo de professor descrito no parágrafo acima.”Se você é professor do ensino superior, isso lhe dá status, respeito da sociedade” Talvez neste ponto o vaidoso professor esteja certo ao se referir ao pensamento comum e médio da sociedade. Ainda assim, vejo que esse comportamento de um professor que se constrange em declarar ter lecionado no ensino fundamental ou médio, é um sinal de estreiteza espiritual e de empobrecimento mental..
Pense-se no passado, fixemo-nos nas décadas de trinta, quarenta, cinquenta e até inícios de sessenta, e vemos como o professor ginasiano ou do ensino médio ( nível clássico, científico, técnico, o que for) era muito respeitado, e respeitado também pelo aluno e pela sociedade. E veja que grande parte deles, nos tempos mais recuados, não detinha nem mesmo diplomas do ensino superior, do que hoje se chama graduação específica através do bacharelado e da licenciatura..Naqueles tempos, era uma honra ser professor do ensino médio ou do ginásio. Até na indumentária, o professor se distinguia. Ia dar suas aulas bem vestido, de terno, bem cuidado.
Absurdamente, foi com a Escola Nova que a figura do professor, com exceção dos do ensino superior, se abastardou para infortúnio da sociedade que não soube valorizá-lo. Digo isso por experiência própria, pois com orgulho fui professor do ensino fundamental e médio durante toda a minha atividade docente somente abrindo exceção para o período de dez anos em que lecionei em universidade e mesmo assim concomitantemente com o ensino médio. Não me pejo de todo esse currículo vasto e longo da minha vida no magistério. Vou-lhe contar um segredo: conheci muitos professores do ensino médio de altíssimo nível, professores natos, estudiosos e que produziram muito nas suas áreas de atuação.
Conheci um professor do mais alto nível e do qual tive a honra de ser aluo que nunca negou ter sido professor do ginásio, do ensino médio e só depois, dedicou-se inteiramente à universidade. E não me refiro aqui apenas aos professores do ensino fundamental e médio dos grandes colégios que ministram estes níveis de ensino, como o Colégio Pedro II, o Colégio Militar mantido pelo Exército brasileiro, Escolas Técnicas e outras semelhantes. Np meu estado natal, o Piauí, da mesma forma, fui aluno de grandes mestres no ginásio e no científico dos quais sinto.o máximo orgulho, contando entre eles, com o exemplo do meu pai, o professor Cunha e Silva (1905-1990), que me lecionou francês no Ginásio “ Des. Antônio Costa”, em Teresina.São muitas as figuras eminentes de professores desses níveis.
Não foram,contudo, os professores que degradaram o ensino brasileiro público. Foram os governos de uns anos para cá, com políticas educacionais enganosas, onde o ensino valia mais pela burocracia e pelas estatísticas enganosas.
De nada vale uma modernização de fachada na escola brasileira pública se, na prática, pouco se fez notar de mudanças progressistas. Só demagogias, contando com o conluio e o silêncio nefasto de grande parte do próprio professorado.
Com o crescimento estrondoso da população brasileira, e, por conseguinte, com o aumento ciclópico do número de alunos em todo o país, sobretudo de extratos baixos e médios da sociedade, a educação se tornou de massa, e não se deu, em troca,uma sustentação pedagógica efetiva, real, correspondente aos avanços do campo da Educação no mundo civilizado.Ou melhor dizendo, com o desenvolvimento das teorias ligadas ao ensino e à aprendizagem, só uma parcela pequena da escola brasileira tem acesso a esse avanço de técnicas e de didática no ensino-aprendizagem, a do aluno pertencente aos aquinhoados economicamente que podiam estudar nas grandes e prestigiosas escolas brasileiras, ficando a outra parte da população em idade escolar relegada às escolas da s prefeituras e da rede estadual. Existem, na verdade, dois tipos de escola, a dos afortunados e a dos pobres.
O crescimento do país em algumas áreas pôde ter nível de excelência, mas a educação pública dos estados e municípios não de beneficiou desses avanços econômicos, tecnológicos e de alto padrão de ensino só acessível às famílias de elevado poder econômico.
Aqui se explica o descompasso gritante entre o ensino público e o privado de alta qualidade, não se olvidando o fato de que, no ensino privado há, conforme o nível e estrutura de cada escola, o mesmo nível de descalabro didático-pedagógico que se igual, assim ao ensino público em geral. Esta é uma das indecências de ensino fundamental, médio e - não podemos calar - superior privado no país.
Com o abandono do ensino público municipal e estadual pelas autoridades responsáveis pela educação de forma generalizada e por longos anos, prejudicada ainda pela deterioração crescente dos baixos salários, o professor teve sua profissão aviltada, desrespeitada colocada em plano subalterno em relação a outras carreiras liberais. E nisso os professores não contaram com o apoio dos pais dos alunos que só sabem cobrar dos docentes e não lhes perguntam por que razão os professores não oferecem um ensino de qualidade real. Em passeatas de professores reivindicando há longos anos, e sem sucesso, por melhoria de condições de trabalho e de salários, os mestres nunca tiveram o apoio e a solidariedade nem das famílias nem da mídia que, muitas vezes, em reportagens, colocam os pais de alunos contra o .professorado..
Em país capitalista como o nosso, só se respeita um profissional quando este é bem remunerado, o que é uma insensatez e falta de sensibilidade da sociedade brasileira, talvez não só brasileira, pois em alguns outros países o professor não é bem remunerado. O nível de consciência da sociedade brasileira está longe de atingir aquele ponto desejável em que a família bem esclarecida compreenda os valores e a dimensão da atividade do ensino. Só com uma sociedade esclarecida e politicamente consciente é que se conseguirá valorizar a figura do professor, o seu trabalho, a grandeza do que significa para o desenvolvimento cultural, econômico, tecnológico e científico de uma nação que se preza e aspira a um desenvolvimento integral..
Enquanto tivermos governos que desprezam os valores do ensino, da educação, da aprendizagem efetiva e da pessoa do professor do ensino fundamental e médio, as nossas escolas públicas municipais e estaduais não passarão de ser reservatórios onde grassam a criminalidade, o uso da droga, a violência nas escolas e contra a os professores que há muito perdeu o respeito dos alunos, alguns até delinquentes – isso mesmo! - que vão às escolas somente para atrapalharem a atividade do professor, constrangendo-os e até mesmo – e são muitíssimos os casos em todo o país - praticando, repito, atos de selvageria contra os docentes, utilizando palavras de baixo calão contra os mestres, desrespeitando o interior da sala de aula, provocando neste ambiente, que deveria ser sagrado para o exercício da aprendizagem e a convivência harmoniosa entre alunos e mestres, .brigas entre si, tumultos, gritarias, impossibilitando qualquer aprendizagem em sala. É o pior momento vivido pela escola pública brasileira.
A atual fase em que se encontra o ensino público do Rio de Janeiro talvez seja a mais grave se confrontada com um período que tão bem vivenciei como professor da rede pública. Aludo ao período que medeia entre os anos 1976 e 1998. Este desmando na escola pública é fruto apodrecido de um país que não encontrou, até hoje, o caminho certo e definitivo de uma escola pública respeitada pela sociedade brasileira, não a contrafação de uma escola pública que temos hoje, um caso de polícia contra os poderes políticos.