Alfa-Omega: A obra Cascalho procura retratar, com base em fatos históricos e documentais, a realidade do que ocorreu na cidade baiana de Andaraí, na primeira metade do século XX. Como o senhor avalia essa preocupação com a verdade histórica diante da difusão dos mitos de fora?.

Everaldo Augusto: Eu diria que Herberto Sales, em Cascalho, não retratou apenas uma realidade. Em se tratando de uma obra de ficção, eu poderia dizer que ele recriou esta realidade.

O que surpreende a todos que lêem a obra é a força, as cores, e a emoção em que se dá este ato de recriação. Isto faz desta obra literária uma denúncia da degradação social e da banalização da vida daquela multidão de garimpeiros perdida nos sertões da Bahia, com muito mais força que qualquer obra dita histórica, tão somente, ou qualquer discurso diretamente engajado.

AO: Em que medida o retrato fiel de uma realidade histórica colabora com a produção de uma obra literária? E em que ela atrapalha?

Everaldo Augusto: Penso que em literatura de ficção não há um retrato fiel da realidade. Eu diria que a Literatura rapta, captura a realidade e a recria pela palavra. Depois a devolve com mais vida ainda que a realidade antes capturada, posto que agora ela está desnaturalizada, perceptível ao olhar e aos sentimentos do homem.

AO: Os relatos históricos das viagens feitas por Spix e Martius, Teodoro Sampaio e Anita Leocádia Prestes ajudaram a compreender a realidade da Chapada Diamantina, mas não contribuíram com a desconstrução dos mitos; como uma obra de "ficção de identidade" alcançou esse feito?

Everaldo Augusto: Os discursos históricos e sociológicos têm como objeto a descrição dos mitos ou a sua explicação, penso eu. Os mitos são desconstruídos em um determinado contexto pela própria experiência de vida dos homens.

A Literatura tira os mitos do terreno do sagrado e resignifica-os, na medida em que os situa no terreno da linguagem, mostrando-os como uma narrativa dos fatos vistos por dentro, eu diria.